A história de Dasha, 16 anos, grávida, que diz ter sido violada em Kherson

CNN , Nick Paton Walsh, Natalie Gallón, Maryna Marukhnych e Brice Laine
28 abr 2022, 11:33

Crimes de guerra da Rússia investigados a partir de denúncias. Como esta alegada violação de uma menor, que saiu do abrigo à procura de comida

Quando Dasha e outras crianças saíram da cave e entraram na sua recém-ocupada aldeia, fizeram-no para encontrar comida. Estavam a esconder-se dos russos, que haviam disparado tiros para o ar, contra carros - e contra pessoas. Mas quando as crianças ressurgiram à superfície, foram recebidas por dois convidados indesejados – soldados russos. Segundo Dasha, os homens deixaram as crianças entrar na cozinha para comer.

Era meados de março e Dasha, de 16 anos, estava grávida de seis meses.

Um dos soldados, que de acordo com Dasha estava bêbado, começou a perguntar as idades das crianças e quantos quartos existiam na casa. O que se seguiu é um incidente que os promotores ucranianos dizem ser um crime de guerra.

Enquanto a violência desenfreada à volta de Kiev passou a fazer parte da inútil selvageria do ataque da Rússia contra civis, surgem lentamente histórias negras ainda não contadas sobre a sua brutalidade em aldeias pequenas e distantes, como a de Dasha, na região de Kherson, no sul da Ucrânia.

Estas histórias estão a ajudar a desenhar um padrão militar russo, marcado por comportamento criminoso e, neste caso, por um suposto ataque a uma menor num estado de grande vulnerabilidade.

Dasha conta que, quando as crianças - duas meninas de 12 e 14 anos - viram os soldados na sua cozinha, ficaram assustadas. "Primeiro, ele [o soldado bêbado] chamou a minha mãe para outro quarto. Soltou-a depressa. Depois chamou-me a mim", relata. "Quando entrei, ele primeiro contou-me como salvara duas pessoas da nossa aldeia - uma mãe com dois filhos", disse ela. Mas depois, o soldado, que Dasha soube mais tarde ser de Donetsk e ser chamado por outros soldados de "Azul", tornou-se violento.

"Ele começou a gritar, primeiro dizendo para me despir. Eu disse-lhe que não iria, e [ele] começou a gritar-me. E disse que se não me despisse ele iria matar-me", conta Dasha à CNN. Nesse momento, o outro soldado entrou quarto e alertou Azul de que teria problemas com o resto da unidade se seguisse em frente com o seu aparente plano. Blue pareceu não se incomodar com o alerta, disse Dasha, e o seu colega saiu, dizendo-lhe para regressar à unidade em meia hora.

"Quando resisti, ele estrangulou-me e disse que vai iria matar-me". E então fez uma ameaça inimaginável, segundo ela: "Ou dormes comigo agora ou vou buscar mais 20 pessoas".

A história de Dasha foi interrompida pelos seus soluços. Também visivelmente angustiada, a sua mãe estava sentada perto dela enquanto ela falava. "Só me lembro que ele tinha olhos azuis, estava escuro lá, e eu não me lembrava de nada", afirma. 

Dasha diz que depois que foi violada, e que o agressor tentou atacá-la de novo várias vezes até que dois franco-atiradores russos intervieram para ajudar, levando-a a ela e à sua família para outra casa.

A CNN não identifica vítimas de agressão sexual e, neste caso, está a referir-se a Dasha através de um pseudónimo.

Ali, segundo Dasha, eles disseram-lhe que haviam matado Blue. Mais tarde, Dasha soube que era mentira, quando foi convocada por um comandante russo de paraquedistas numa vila próxima, para discutir o ataque de que ela fora vítima. Mas não foi uma conversa, conta ela. Foi um interrogatório aterrorizante. 

"Ele [o comandante] recorreu a algum tipo de tática psicológica", confidencia Dasha. "Começou a dizer as mesmas coisas que o violador me tinha dito, gritando e [dizendo que] teria feito o mesmo que o violador fez. Eu estava com muito medo e comecei a chorar." De acordo com Dasha, depois de a ter visto abalada, o comandante decidiu que ela estava a dizer a verdade. 

Não é claro o que aconteceu a Blue. Dasha ouvira outros soldados russos dizer que o agressor já tinha um "passado criminal". Ela acredita que ele estava à procura de um alvo. "Disseram-nos que ele andava pela aldeia", disse Dasha, "procurando alguém que pudesse... 'uma miúda de virtude fácil', como eles disseram."

A CNN entrou em contato com o Ministério da Defesa russo para comentários.

Cerca de uma semana após o alegado ataque, os russos deixaram a aldeia.

Um relatório da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), divulgado a 13 de abril, encontrou situações de violação do direito internacional humanitário por forças russas na Ucrânia, observando que "os relatórios indicam casos de violência de género relacionada com conflitos, como violações, violência sexual ou assédio sexual."

A CNN não pôde fazer uma verificação independente do relato angustiante de Dasha, mas procuradores ucranianos na região de Kherson afirmaram em comunicado que a investigaram a sua queixa.

"Graças ao depoimento da vítima e aos resultados de uma série de ações de investigação, foi estabelecido que, no início de março de 2022, durante a ocupação de uma aldeia onde não existiam instalações militares de militares ucranianos, [houve] crimes de guerra contra civis, incluindo a violação de uma menor residente da aldeia", afirmam os procuradores no comunicado. Os investigadores recusaram-se a fornecer mais detalhes, invocando preocupações de privacidade.

Enquanto algumas partes do país procuram a sua reconstrução, o trauma da ocupação russa continua a aterrorizar as comunidades do sul. A sua brutalidade é visível em estradas, prédios e casas. Mas, para sobreviventes como Dasha, o trauma desta ocupação viverá por muito tempo debaixo da superfície.

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