"Parecia que os meus pulmões estavam a arder": forças ucranianas denunciam ataques russos com gás lacrimogéneo concentrado - e lamentam silêncio de Zelensky

CNN Portugal , BCE
23 jan, 19:48
Guerra na Ucrânia (AP Photo)

Militares lamentam o silêncio do governo de Kiev em relação à utilização de gás lacrimogéneo no campo de batalha, uma prática proibida pelas leis da guerra internacional. "Só querem transmitir notícias positivas da linha da frente", critica um chefe de uma unidade

As forças russas estão a lançar gás lacrimogéneo contra as tropas ucranianas na linha da frente, denunciam as forças de Kiev que lembram que as leis da guerra internacionais proíbem a utilização deste gás no campo de batalha.

“Houve claramente um aumento da utilização de gás desde outubro [do ano passado]. Começou com granadas lançadas por drones e agora é também com artilharia. Anteriormente, era apenas contra locais fechados, como uma posição numa trincheira ou um veículo blindado, mas agora é também em terreno aberto, com projéteis especiais que explodem no ar, por cima das tropas, e libertam gases”, detalha Dmytro Klymenko, comandante da 1.ª Brigada Especial Ivan Bohun, sendo responsável pela unidade NRBC (nuclear, radiológica, biológica ou química).

Citado pelo Le Monde, o tenente-coronel revela que teve de socorrer "vários feridos" e admite que a sua brigada já sofreu uma baixa como consequência da inalação do gás. “A vítima era na realidade um homem que já tinha ferimentos provocados por estilhaços, mas como não o pudemos retirar durante várias horas, foi asfixiado pelo gás na trincheira”, conta.

De acordo com a Procuradoria-Geral de Kiev, desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022, o exército russo já lançou pelo menos 64 ataques com recurso a gás lacrimogéneo CS, quase sempre através do lançamento de granadas K-51. A procuradoria confirma "uma morte em março de 2023, na região de Donetsk, devido a um gás não identificado".

Segundo o Le Monde, apesar de o gás lacrimogéneo CS ser "o mais utilizado pelos exército de todo o mundo", as autoridades ucranianas acusam as forças russas de utilizarem uma quantidade mais concentrada e, por isso, nociva. Citado pelo jornal francês, o tenente Dmitro Migulev, chefe da unidade médica da 1.ª Brigada especial ucraniana, enumera as consequências da inalação deste gás para a saúde, nomeadamente "irritação dos olhos e do nariz, vómitos e dores no peito, bem como uma tensão arterial muito alterada".

Além disso, as autoridades lembram que a utilização de gás lacrimogéneo no campo de batalha é proibida no âmbito das leis da guerra internacionais, desde as Convenções de Genebra (1949) à Convenção sobre a Proibição do Uso de Armas Químicas (1977). A Rússia é signatária de ambas as convenções.

Um soldado que diz ter sido envenenado com este gás, Zoryan, de 49 anos, descreve ao Le Monde como foi vítima de um ataque em dezembro do ano passado perto de Chassiv Yar. "Um drone russo começou por lançar uma granada para abrir um buraco no abrigo fortificado e, alguns minutos depois, foi lançada uma segunda granada com gás. Não tive tempo de pôr a minha máscara. O gás era visível, branco, e o cheiro lembrava-me o do alho. Era difícil respirar, parecia que os meus pulmões estavam a arder e eu estava a vomitar. Tinha lágrimas nos olhos e quase não conseguia ver nada.”

Zoryan foi retirado daquele abrigo pelos seus camaradas e passou duas semanas no hospital. O soldado conta que a sensação de ardor desapareceu poucos dias depois, mas passado um mês ainda continua a tomar medicação e "não consegue ver tão bem como antes".

Os testemunhos sobre a utilização de gás multiplicam-se ao longo da linha da frente, relata o Le Monde. Na linha da frente de Avdiïvka, no leste da Ucrânia, um médico militar conta que o seu batalhão foi atingido "três vezes por mês desde novembro". Na frente de Zaporizhzhia, no sul do país, uma socorrista militar revela que a sua unidade foi alvo de "ataques com gás quase todos os dias entre novembro e dezembro", resultando em muitos feridos, incluindo "um soldado que perdeu a visão para sempre, com os olhos queimados".

No entanto, os ataques com gás parecem ter diminuído desde o início deste ano, pelo menos em Zaporizhzhia, acrescenta o socorrista, "provavelmente porque as unidades russas esgotaram tudo o que tinham disponível", ironiza.

As tropas ucranianas lamentam o silêncio do governo de Kiev em relação à utilização de gás lacrimogéneo, até porque, dizem, esta é uma questão muito discutidas nas redes sociais quer do lado ucraniano como do lado russo. 

"Não percebo porque é que o nosso governo e o Estado-Maior não falam mais sobre o uso de gás", critica um chefe de uma unidade militar de salvamento na frente sul, sob anonimato. "Acho que é simplesmente porque só querem transmitir notícias positivas da linha da frente, como se tudo estivesse a correr bem", denuncia o comandante, citado pelo Le Monde.

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