Durão Barroso reuniu-se 25 vezes com Putin: "Não tenho muito orgulho nisso". E o russo disse-lhe que era capaz de tomar Kiev em duas semanas

4 mar 2022, 22:55

Se, na altura da invasão à Crimeia, Putin já tinha dado sinais de que queria tomar parte da Ucrânia, o Ocidente não se podia ter preparado melhor para este conflito? Na ótica de Durão Barroso, talvez se tenha subestimado Vladimir Putin

Estamos no nono dia de guerra, o número de refugiados continua a aumentar, os ataques não param e a tendência é para piorar. Numa entrevista exclusiva à CNN Portugal, Durão Barroso, que foi presidente da Comissão Europeia durante dez anos, disse que o desejo desta invasão já estava na cabeça de Vladimir Putin desde 2014, quando tomou a Crimeia. Enquanto liderou a Comissão Europeia, Durão Barroso cruzou-se com o presidente russo 25 vezes: "Não tenho muito orgulho nisso". 

"Garanto-te que se fossem forças armadas russas na Crimeia, eu podia tomar Kiev em menos de duas semanas". Putin disse isto a Durão Barroso há oito anos. "Não sei se seria um objetivo claramente definido na cabeça dele, mas, muitas vezes, nós mesmo quando não queremos, manifestamos desejos implícitos e foi isso que se passou nessa altura". 

Também neste período, Putin revelou que se opunha à adesão da Ucrânia à NATO, mas não se opunha "em princípio" à adesão à União Europeia (UE). "Mas a verdade é que já aí não deixou que o presidente Viktor Ianukovytch assinasse o acordo connosco [UE] e, como represália, invadiu e anexou a Crimeia".

Olhando para isto, as questões que se colocam agora são: a União Europeia não tinha estes sinais? O Ocidente não tinha estes sinais? Esta invasão não podia ter sido evitada? 

O ex-presidente da Comissão Europeia admite que talvez se tenha, na altura, subestimado Vladimir Putin, mas, por outro lado, "as coisas têm o seu tempo, na altura não havia ainda esta consciência, as opiniões públicas não estavam ainda preparadas". E falando dos tempos que se vivem agora, Durão Barroso diz que a União Europeia (UE) e a própria comunidade internacional tomaram decisões "sem precedentes". 

"O próprio Putin não estava à espera de sanções tão robustas e de um isolamento tão grande. Só quatro países é que apoiaram a Rússia: Coreia do Norte, Bielorrússia, Eritreia e a Síria. Nem Cuba, nem o Irão, nem a Venezuela votaram ao lado da Rússia. Abstiveram-se. Talvez seja uma forma envergonhada de apoiar." 

O também antigo primeiro-ministro acredita que Putin tem agora uma perspetiva diferente sobre o mundo, mas o objetivo mantém-se o mesmo:controlar a Ucrânia e torná-la numa espécie de Bielorrússia do sul. "Ele sempre teve este misto de taticista mas também de racionalidade, e de emoção e ressentimento profundo pela queda da Rússia. Por outro lado, a perceção dele mudou porque acha que, neste momento, a Rússia está mais forte, sobretudo depois da Síria, e que o Ocidente está mais fraco, nomeadamente os Estados Unidos, depois do Afeganistão. Viu que a Ucrânia estava a tornar-se cada vez mais ocidentalizada e europeizada e queria, no fundo, uma Ucrânia como a Bielorrússia, que ele controlasse completamente e achou que devia intervir agora."

Durão Barroso apontou ainda uma grande diferença entre esta guerra e os tempos da União Soviética. É que esta guerra "é de uma pessoa, é a guerra do senhor Putin", de um "autocrata que quer manter o seu poder e o poder dos que lhe são próximos", e, nos tempos da União Soviética, as decisões eram tomadas em conjunto. 

Questionado sobre se a via negocial ainda era uma hipótese em cima da mesa, o ex-presidente da Comissão Europeia foi perentório: "Putin não vai recuar no seu objetivo". "Ele não se vai deixar impressionar por estas sanções, mesmo que sejam mais fortes do que aquilo que ele estava à espera, nem pelo isolamento da comunidade internacional. Vai até ao fim naquele objetivo que é neutralizar a capacidade da Ucrânia de ter uma existência autónoma do ponto de vista internacional". 

Para Durão Barroso, Putin ou mantém a soberania da Ucrânia mas tenta reduzir o território e anexar uma parte; ou cria uma espécie de divisão do território em dois. "Uma coisa é certa, o objetivo dele é amputar a Ucrânia de qualquer capacidade autónoma e torná-la naquilo que ele chama 'o mundo russo'". Por essa razão, defende, "temos de estar preparados para uma situação muito perigosa a médio e talvez também a longo prazo": 

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