Estas armas ucranianas de cartão e altamente explosivas estão a tirar o sono a Moscovo

18 set 2023, 07:00
Drones na Ucrânia (Getty Images)

A Ucrânia está a desenvolver soluções cada vez mais criativas e baratas para resolver problemas no campo de batalha. O futuro do tecnológico da guerra na Ucrânia está longe de ficar por aqui

Quando o mundo acordou, na manhã de 24 de fevereiro de 2022, com as notícias de que a Rússia tinha invadido o território ucraniano, poucas pessoas conseguiam prever que, passados 18 meses, Moscovo estaria a cobrir com pneus de borracha os seus mais valiosos bombardeiros estratégicos, bem no interior do território russo, para evitar que fossem destruídos pela Ucrânia. De drones de cartão a mísseis de longo alcance, o setor privado ucraniano está encontrar formas baratas e criativas de criar armamento para levar a guerra a quem a trouxe. E há uma promessa: os ataques vão ser cada vez mais.

“Haverá mais drones, mais ataques e menos navios russos. Isso é certo”, disse o ministro da Transformação Digital, Mykhailo Fedorov, numa entrevista na sexta-feira, em resposta a uma pergunta sobre os recentes ataques perto da Crimeia, onde a Ucrânia destruiu um submarino e um navio de transporte que estavam no porto de Sevastopol a ser alvo de reparações.

Os drones estão na linha da frente da inovação da tecnologia militar utilizada neste conflito. Kiev tem atingido diversos alvos bem no interior do território russo. A base de Engels-2, o principal aeroporto militar russo, entre outros foram alvo de bombardeamentos com drones desenvolvidos e produzidos em solo ucraniano. Um desses casos é o UJ-22, produzido pela empresa Ukrjet. Este veículo aéreo não tripulado servia para fazer o reconhecimento do terreno foi convertido para transportar explosivos a bordo e consegue atingir alvos a 800 quilómetros.

Apesar deste drone já estar incorporado nas forças armadas ucranianas e de ter sido utilizado em ataques contra Moscovo, há outros dois modelos que também já começam a dar cartas. Um deles é o Bober, um drone com uma autonomia de mil quilómetros e com m preço que chega aos 100 mil euros. Apesar de parecer um valor elevado, o seu preço é bastante barato comparativamente a outros sistemas com capacidades semelhantes. Estes drones atingem alvos a grandes distâncias com alta precisão. Antes seria necessário um míssil cruzeiro, altamente complexo, com valores de vários milhões de euros e com um tempo de produção de semanas.

Soldado ucraniano utiliza drone para descobrir posições inimigas no terreno (Getty Images)

Uma das grandes vantagens dos drones é precisamente essa. Estas máquinas podem ser pensadas e desenhadas num escritório numa semana e começar a serem produzidos em grandes quantidades na semana seguinte, caso exista acesso a todos os componentes necessários. O facto de poderem ser produzidos em série é algo que também ajuda a reduzir significativamente os custos por aeronave.

Mas no que toca a custos reduzidos, a Ucrânia está a utilizar um drone que dificilmente terá competição. É baseado num modelo que pertence à empresa australiana Sypaq, é todo feito de cartão e, segundo fontes militares citadas pelo jornal espanhol El País, não custa mais do que 3 mil euros. Segundo a Defesa ucraniana, estes veículos foram utilizados no ataque contra a base aérea de Kursk, no dia 27 de agosto.

Estes drones carregam, no máximo, cinco quilos de explosivos. Não é uma quantidade tão destrutiva quanto isso, mas possibilitam a sua utilização em enxame contra alvos até 150 quilómetros, ou seja, com grandes quantidades em simultâneo. Segundo o chefe dos serviços secretos ucraniano, Kyrylo Budanov, foram estes drones que causaram o caos no aeroporto de Pskov, junto à fronteira com a Estónia.

Drones marítimos

Mais um dos exemplos do engenho ucraniano é a frota de drones navais militares que está a ser desenvolvida. É a primeira frota de drones marítimos da história e a sua lista de vítimas é cada vez maior. São capazes de navegar longas distâncias controlados remotamente e a bordo trazem consigo centenas de quilos de explosivos, capazes de destruir navios de guerra que custam centenas de milhões. Foi esse o caso do navio de transporte militar atingido esta sexta-feira a mais de 500 quilómetros da sua costa, na base naval de Novorossiysk, o maior porto militar da Rússia.

Tal como os veículos aéreos não tripulados, estes dispositivos estão a alterar a dinâmica da guerra no Mar Negro. Estes drones navais, que a CNN pode testemunhar em exclusivo no final de julho, têm pouco mais de cinco metros de comprimento, mas conseguem carregar cerca de 300 quilos de explosivos a uma velocidade de 80 quilómetros por hora e atingir um alvo a 800 quilómetros de distância. Podem levar três câmaras HD a bordo e o seu sistema de controlo por satélite é encriptado.

Soldado ucraniano fuma um cigarro enquanto opera um drone de reconhecimento na região de Lugansk (AP)

Cada um destes drones tem um custo aproximado de 250 mil dólares, o que pode parecer um valor elevado, principalmente quando estamos a falar de uma arma que é feita para se destruir. Mas o custo destas pequenas embarcações kamikazes é muito inferior aos muitos milhões necessários para adquirir um navio de guerra e a sua tripulação altamente especializada.

As autoridades ucranianas admitiram que o ataque de 14 de julho à ponte de Kerch foi executado com um drone naval. A operação vai levar a estrutura que liga a península da Crimeia ao território russo – e que é uma das grandes obras públicas da era de Vladimir Putin - fique fora de serviço até ao final de setembro. A ponte é um dos principais alvos militares ucranianos desde o início da guerra, uma vez que é utilizada pelas forças armadas russas para reabastecer o esforço logístico na Crimeia e no sul do território ocupado na Ucrânia.

Os drones que têm protagonizado todos estes ataques são produzidos quase totalmente na Ucrânia. Toda a engenharia necessária é desenvolvida internamente. A própria produção dos cascos, dos componentes eletrónicos e do software acontece na Ucrânia. É a resposta “natural” de uma marinha de guerra que perdeu perto de 80% de toda a sua frota desde o início da guerra, mas com muito apoio da sociedade civil.

Parte dos fundos para este desenvolvimento e produção é obtido através da organização United24, que recebe doações de indivíduos e empresas de todo o mundo para financiar várias iniciativas. “A nossa primeira tarefa é montar uma frota de 100 destas embarcações. Eles defenderão as águas de nossos mares, impedirão que navios russos que transportam mísseis saiam da baía, protegerão navios mercantes e realizarão missões secretas”, escreve a organização na página de angariação de fundos. A partir de 100 dólares pode contribuir para a construção da nova “armada” ucraniana.

Míssil cruzeiro

A indústria de armamento ucraniano não tem mãos a medir. Os problemas por resolver são muitos. Há necessidade de mais munições, mais drones, veículos de todos os tipos e de mísseis de longo alcance que permitam às forças armadas ucranianas atingir reservas de munições e estruturas cruciais do exército russo. Por isso, a criação e produção de um míssil de cruzeiro é fundamental para a Ucrânia. E, ao que tudo indica, foi isso que aconteceu. No dia 31 de agosto, Volodymyr Zelensky afirmou que o primeiro míssil cruzeiro ucraniano foi testado com sucesso, após atingir um alvo a 700 quilómetros de distância.

Este desenvolvimento seria fundamental para Kiev. Atualmente, as forças armadas ucranianas apenas podem contar com a ajuda dos mísseis Storm Shadow, enviados pelo Reino Unido, e dos Scalp-EG, enviado pela França. Ambos sistemas têm características semelhantes, mas estão limitados em quantidade e colocam a Ucrânia numa situação de dependência destes dois países. De acordo com o secretário do Conselho Nacional de Segurança da Ucrânia, Oleksii Danilov, o desenvolvimento deste armamento está a acontecer a uma velocidade muito rápida e promete que estes mísseis irão atingir alvos no interior do território russo a 1.500 quilómetros.

Danilov sugeriu, aliás, que foi esta a nova arma utilizada no mais recente ataque que atingiu dois sistemas de defesa antiaérea S-400, o mais desenvolvido de que a Rússia dispõe. No entanto, vários analistas militares sugerem que as armas usadas foram mísseis antinavio Neptuno alterados. Esses mísseis são uma criação da indústria militar ucraniana e foram a arma escolhida para afundar o cruzador Moskva.

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