“Estão a chover mensagens encriptadas”, mas todos podem estar a "ser ouvidos". Como se comunica em plena guerra

8 mai 2022, 08:00
Vladimir Putin em chamada de vídeo com Emmanuel Macron (AP)

Como fala António Costa com Emmanuel Macron? E Joe Biden com Vladimir Putin? Para diferentes relações, diferentes meios, mas com uma condição sempre presente: segurança máxima

Mensagens encriptadas, regresso ao telégrafo e salas proibidas a telemóveis. A guerra na Ucrânia é a mais mediática desde há muitos anos, o que traz várias novidades, nomeadamente ao nível das comunicações, numa era muito mais tecnológica, mas na qual também se fazem regressões para atestar a segurança de todas as operações. São mudanças ao nível diplomático, na relação entre os países e os seus representantes, mas também ao nível militar, no campo de batalha e nas salas onde se decide o destino da guerra.

A forma como os líderes conversam ou não entre si depende de caso para caso. António Costa dá-se melhor com Emmanuel Macron do que com Boris Johnson, por exemplo. Os dois primeiros têm maior proximidade, nomeadamente pelas questões europeias, o que estreita a relação entre ambos. O especialista em diplomacia Tiago Ferreira Lopes explica à CNN Portugal que, na União Europeia, quase todos os líderes falam entre si de forma direta, dependendo, lá está, da proximidade que tenham ou não.

“É normal António Costa ligar a Emmanuel Macron pessoalmente. Já não fará o mesmo com o primeiro-ministro da República Checa, que foi eleito há pouco tempo”, afirma o professor universitário.

Emmanuel Macron com António Costa (AP)

A proximidade também se notava entre Donald Trump e Vladimir Putin, presidentes de Estados Unidos e Rússia que partilharam quatro anos de poder. A relação de Trump com a Rússia permitiu uma reaproximação diplomática entre os dois países, cujas relações tinham esfriado (novamente) em 2008, coincidindo com a chegada de Barack Obama. Foi nessa altura que terminou a linha Washington-Moscovo, o conhecido “telefone vermelho”, que foi crucial para manter relações entre Casa Branca e Kremlin na Guerra Fria.

Hoje, explica Tiago Ferreira Lopes, a relação diplomática entre Estados Unidos e Rússia é diferente: “O secretário de Estado dos Estados Unidos comunica uma vontade de conversa ao ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, que leva essa vontade a Vladimir Putin”.

Qualquer proposta de conversa tem de ter dois passos obrigatórios: referir os pontos em discussão e o dia em que se pretende ter a conversa.

“Não é uma regra comum. Isto nem sempre aconteceu com Donald Trump. Está pior desde 2008, mas muito pior com Joe Biden”, refere Tiago Ferreira Lopes.

O mesmo acontece nas relações entre Alemanha e Rússia. Apesar de muita desconfiança entre ambos, Angela Merkel e Vladimir Putin sempre se entenderam, e a saída da chanceler, que esteve 16 anos à frente dos destinos da Alemanha, veio dificultar as comunicações. Tiago Ferreira Lopes refere que entre os dois as conversas eram pessoais, ambos tinham o número um do outro, e ligavam de forma direta. De resto, é sabido que a alemã fala russo e que Putin fala alemão.

“Merkel e Putin falavam por telefone pessoal, começavam com pormenores da vida pessoal. Chegaram ao poder quase ao mesmo tempo. Com Olaf Scholz não há uma relação estabelecida”, explica.

Donald Trump, Angela Merkel, Emmanuel Macron e Vladimir Putin (AP)

Quando há essa proximidade, no caso de Merkel e Putin, ou no de Costa e Macron, combina-se uma língua (normalmente o inglês) em que a conversa vai decorrer. Em situações onde a distância é maior é comum a existência de tradutores, algo que acontece sempre nos casos de maior formalidade.

Zoom, Whatsapp e… telégrafo

NATO, embaixadas ou reuniões de governo. Tudo encontros que decorrem sob fortes medidas de segurança, o que na era atual também inclui questões de cibersegurança. Será por isso que, sempre que se reúne, o Conselho de Ministros de França fá-lo sem telemóveis na sala. Os ministros são obrigados a deixar aqueles aparelhos à porta antes de entrarem.

Quem o diz é Francisco Seixas da Costa, antigo embaixador de Portugal naquele país, que explicou à CNN Portugal que o mesmo é feito em salas de embaixadas de alguns países, como Estados Unidos ou Alemanha, mas não em Portugal.

E o mesmo acontece na NATO: “Nas reuniões da NATO em que estive não havia a mínima hipótese de levar um telemóvel para a sala”, afirma, falando no “setor onde se vive com mais rigor”.

Fora dessas reuniões existe um conjunto de formas para comunicar. Tiago Ferreira Lopes diz que se democratizou a utilização do Zoom e do Whatsapp, sobretudo na União Europeia. Mas Biden e Putin também já conversaram via Zoom, o que “é importante quando se querem ver cara a cara”, optando pelo telefone em “momentos de maior tensão”.

“Na União Europeia a comunicação é muito acessível. Muitas vezes é feita pelo Whatsapp”, acrescenta o professor.

Skype e Whatsapp também são as fontes primordiais em conversações entre Rússia, China ou Irão, que também podem utilizar outros programas semelhantes, e que por eles são escolhidos por serem mais fáceis de encriptar, mas também por uma questão de comodidade.

Os meios mais antigos também dão jeito

A Wikileaks, plataforma online que desde 2006 divulga documentos confidenciais, sobretudo do governo dos Estados Unidos, foi o primeiro grande alerta para uma nova era de comunicações. Desde aí, diz Tiago Ferreira Lopes, governos e outras organizações reintroduziram, para certas comunicações, o telégrafo ou o telex, meios mais antigos que ficam mais difíceis de aceder por parte de piratas informáticos.

O professor indica que a utilização destes meios deve ter aumentado novamente desde o início da guerra: "Deve ter havido um aumento do telégrafo e estão a chover mensagens encriptadas".

Máquina de Turing, essencial para quebrar códigos alemães na Segunda Guerra Mundial (AP)

Francisco Seixas da Costa até admite este cenário, mas diz que "a segurança na matéria de comunicações é sempre um mito", dando o exemplo do Pegasus, software criado por uma empresa de Israel e que acabou a ser utilizado para espiar centenas de pessoas, entre as quais chefes de Estado e de governo em todo o mundo.

"Ter a certeza de que não se está a ser ouvido é uma miragem", sublinha o diplomata, que diz que o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, por exemplo, tem máquinas cifradas para tentar fugir ao problema.

Ainda assim, explica o embaixador, "alguém fez a máquina, alguém conhece a forma de encontrar os códigos": "Não tenho a mais leve confiança de que possamos estar a ser escutados, e os primeiros-ministros também não têm", conclui.

Drones e telemóveis, a comunicação no campo de batalha

Os meios tecnológicos também vieram mudar a forma como se comunica em plena guerra. O coronel Mendes Dias lembra a utilização de drones nas diferentes plataformas, sobretudo para identificar posições do inimigo.

Entre as tropas da mesma força, as comunicações são maioritariamente feitas através de rádio, mas também se utilizam telemóveis pessoais, que alguns soldados até levam para combates: "Nem todos levam telefone, mas podem fazê-lo, desde que respeitando as condições de segurança. Não podem andar a tirar fotografias das suas unidades".

No caso de Ucrânia e Rússia, também as comunicações são feitas de forma regular. Mendes Dias refere que todos os dias os serviços secretos de ambas as partes conversam, além daquilo que são as relações diplomáticas normais, para combinar evacuação de cidades e criação de corredores humanitários.

Mas as conversas podem chegar ao mais alto nível. Mendes Dias acredita que Volodymyr Zelensky já falou com Vladimir Putin desde o início da guerra, e refere que este tipo de conversas podem surgir em casos de mal-entendidos ou outras urgências.

"A Rússia pode falar de nuclear e a Ucrânia entender mal. Uma alta patente vai tentar falar de imediato com o outro lado, o que pode chegar aos presidentes", arescenta.

No caso da siderurgia Azovstal, o principal ponto de resistência ucraniana em Mariupol, são nomeados oficiais de ligação que têm autorização superior para negociarem entre si. As conversas são mantidas por rádio, sendo que ambos os lados conhecem os canais utilizados pelo inimigo.

Outra forma de interferir na comunicação é pela destruição de antenas. Foi o que tentou a Rússia, com ataques localizados, nomeadamente à torre de televisão em Kiev. Alguns desses ataques acabaram por afetar torres de comunicação importantes para a encriptação das conversas russas, explica Mendes Dias, que dá como exemplo algumas das conversas em que se ouvem soldados russos a receberem ordens diretas de superiores.

Europa

Mais Europa

Patrocinados