"Aprendi a nunca subestimar a determinação de Putin". Porque é que o diretor da CIA é o melhor agente de Biden para o Kremlin

31 mai 2022, 11:17
William Burns, diretor CIA (AP Photo)

William Burns é o atual diretor da CIA e uma das peças mais importantes da administração Biden no xadrez da guerra. Foi embaixador na Rússia durante quatro anos, lidou de perto com Vladimir Putin e descreve-o como um cocktail de ressentimentos e raiva

William Burns, o atual diretor da Central Intelligence Agency (CIA), a principal agência de informações dos Estados Unidos, tem uma longa história com Vladimir Putin: diplomata de carreira, foi embaixador dos EUA em Moscovo e conhece como poucos os bastidores do Kremlin. Tem palavras duras para o presidente russo: já o descreveu como uma "peculiar combinação de qualidades russas", classificando-o de "arrogante, irritadiço, magoado e inseguro", um "apóstolo da vingança".

Burns é, nos dias que correm, uma das vozes mais escutadas em Washington sobre a Rússia e há mesmo quem considere que é um secretário de Estado "sombra" de Antony Blinken. Por isso mesmo, e num longo texto de análise, o Politico procurou as razões por trás da ascendência do atual diretor da CIA, a quem chama de "Putinologista", nos movimentos da administração Biden quanto à invasão da Ucrânia. 

Aos olhos de Burns, o presidente da Rússia é um cocktail de ressentimentos e raiva - provavelmente devido à queda da União Soviética - e não desistirá facilmente da invasão da Ucrânia. Numa participação no Financial Times Weekend Festival, o diretor da CIA disse mesmo que Putin "está num estado de espírito no qual não acredita que se pode dar ao luxo de perder". 

Aos 66 anos de idade, e com uma longa carreira política e diplomática, William Burns sabe que cada palavra que disser sobre o líder russo vai chamar a atenção. No currículo tem pelo menos duas viagens à Rússia enquanto diplomata, e chegou a ser embaixador dos Estados Unidos em Moscovo, entre 2005 e 2008. 

Burns tem sido um espectador atento de Putin e deverá ser das poucas pessoas, senão mesmo a única que, do círculo mais próximo de Biden, tenha uma experiência tão pessoal com o presidente russo, tornando-se por isso uma figura central. 

William Burns e Vladimir Putin em 2007 (AP Photo/RIA-Novosti, Presidential Press Service)

As viagens discretas a Moscovo

Ouvido no Senado dos Estados Unidos já em fevereiro deste ano, o diretor dos serviços de informação norte-americanos não deu indicação de que previsse a invasão russa da Ucrânia. Burns disse que tinha "quatro prioridades cruciais e inter-relacionadas". Eram elas: China, tecnologia, pessoas e parcerias. Neste conjunto de objetivos não se ouviram as palavras Rússia, Putin, guerra, invasão ou Ucrânia. A preocupação maior dos Estados Unidos, por esta altura, seria Pequim e as ambições do presidente chinês. E a inquietação mantém-se: não foi ao acaso que Biden decidiu fazer uma visita à Ásia depois de a administração Trump ter cortado os laços transpacíficos nos primeiros dias de mandato. 

Mas logo que Putin começou a aumentar o contingente militar na fronteira com a Ucrânia, Biden enviou Burns para Moscovo, onde este se encontrou com funcionários do Kremlin, falou com o presidente da Rússia ao telefone e transmitiu a Putin as preocupações dos Estados Unidos a propósito dessa concentração militar. Deixou claro que, se houvesse uma invasão da Ucrânia, Moscovo sofreria consequências do lado norte-americano, o que viria a confirmar-se com a imposição de sanções. 

No regresso desta viagem, o diretor da CIA, refere o Politico, ainda julgava que Putin não tinha tomado uma decisão quanto à invasão da Ucrânia. A presidência norte-americana foi divulgando informações selecionadas sobre os eventuais planos de guerra do Kremlin mas teria a convicção, tal como Burns, de que a Rússia não iria avançar. A convicção caiu por terra no dia 24 de fevereiro, quando a invasão da Ucrânia começou.

"Aprendi, ao longo dos anos, a nunca subestimar a persistente determinação de Putin, especialmente com a Ucrânia", afirmou Burns entretanto, numa palestra no Instituto de Tecnologia da Geórgia.

Ainda assim, William Burns continua a defender que, a longo prazo, a China é a maior ameaça para os Estados Unidos a nível geopolítico. "É, em vários sentidos, o maior teste que a CIA já enfrentou", disse numa intervenção no Instituto de Tecnologia da Geórgia, em abril. 

William Burns, diretor CIA (AP Photo)

Terá a CIA falhado duas vezes com Biden? 

A administração Biden e, em particular, a CIA, têm sido elogiadas pela precisão das previsões sobre as movimentações de Putin nesta guerra que já dura há mais de três meses. Em contrapartida, o Politico assinala que existem várias questões sobre se os Estados Unidos não anteciparam - pelo menos publicamente - as dificuldades que os militares russos iriam enfrentar e a forte resistência das tropas ucranianas.

Alguns comentadores norte-americanos, especialistas em assuntos internacionais, têm questionado o porquê de os Estados Unidos não terem enviado ajuda militar para a Ucrânia mais cedo. Há quem diga que, dentro do governo, a teoria era de que as tropas ucranianas não iriam resistir por muito tempo.

Os serviços de informação dos Estados Unidos têm precisamente em curso uma avalição interna sobre a forma como analisam o poder e o arsenal das forças armadas estrangeiras, a propósito não só da invasão da Ucrânia mas também devido à tomada do poder no Afeganistão pelos talibãs. Os legisladores fizeram pressão nesse sentido porque consideram que a CIA falhou duas vezes, no período de um ano, nas duas principais crises de política externa enfrentadas pela presidência Biden. 

Central Intelligence Agency - CIA (AP Photo)

 

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