Como a invasão russa da Ucrânia deixa Israel numa situação complicada

CNN , Hadas Gold
13 mar 2022, 14:00
O primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, preside a reunião semanal do gabinete, com o ministro das Relações Exteriores Yair Lapid, no gabinete do primeiro-ministro em Jerusalém, a 20 de fevereiro (Getty Images)

Em Israel, quando alguém avança com cuidado diz-se que está “a passar por entre as gotas da chuva”, tentando não se molhar. Há várias semanas que Israel passa por entre as gotas da chuva na questão da invasão russa da Ucrânia.

Por um lado, está o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Yair Lapid, que condena regularmente a invasão por parte da Rússia. Na segunda-feira, pouco depois de se ter encontrado com o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, Lapid disse: “Não há justificação para violar a soberania ucraniana e matar civis inocentes.”

Por outro lado, está o Primeiro-Ministro Naftali Bennett. Embora tenha apelado a um cessar-fogo, embora esteja a enviar ajuda humanitária e tenha recebido pessoalmente os refugiados ucranianos que chegaram a Israel, ele mal se referiu à Rússia ou ao Presidente Vladimir Putin, nos seus discursos públicos.

A razão para isso é complicada e resume-se a uma combinação de questões económicas, culturais, políticas e, acima de tudo, de segurança. 

Enquanto aumenta a pressão sobre Israel, a nível internacional e nacional, para que o país faça mais para ajudar a Ucrânia e contrariar a Rússia, Israel argumenta que deve aproveitar a sua posição única como um dos poucos países aliados do Ocidente com canais de comunicação abertos tanto com a Ucrânia como com a Rússia.

Bennett mantém um contacto regular tanto com o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky como com Putin, tentando intermediar as negociações. Embora seja um judeu praticante, ele interrompeu o Shabat, no sábado passado, e foi a Moscovo para um encontro não anunciado com Putin. No Shabat, o sábado judaico, o trabalho e o uso de objetos elétricos são proibidos desde o por do sol de sexta-feira ao por do sol de sábado, para quem é praticante. Mas há uma ressalva na lei judaica que diz que a lei pode ser quebrada se for para salvar uma vida.

Como é a relação de Israel com a Rússia?

Israel e a Rússia têm tido uma relação de conveniência depois de se terem reaproximado no final da Guerra Fria.

Israel tem grande parte da população que fala russo. Desde a queda da União Soviética, até meados do ano 2000, chegaram da antiga União Soviética mais de um milhão de imigrantes ao abrigo da “Lei do Regresso” de Israel, que permite que qualquer judeu, ou qualquer pessoa com pelo menos um avô judeu, possa obter a cidadania juntamente com a sua família.

Mas além das ligações culturais, aquilo que mais interessa a Israel no que toca à Rússia é a influência desta no Irão e a sua presença na Síria.

A Rússia integra as negociações para recuperar o acordo nuclear iraniano de 2015, ao qual Israel se opõe. Embora a viagem a Moscovo no sábado se tenha centrado na invasão da Ucrânia, Bennett referiu a posição de Israel no que toca ao acordo, enquanto as negociações nucleares continuavam em Viena, segundo um funcionário israelita que falou com a CNN.

Mas, numa perspetiva mais imediata, Israel considera que a sua fronteira a Norte com a Síria, “para todos os efeitos, é uma fronteira com a Rússia”, nas palavras de Lapid. “Porque os russos estão lá e há coordenação de segurança com os russos.”

Israel leva a cabo ataques aéreos regulares contra alvos iranianos na Síria, algo que considera essencial para impedir a passagem de tecnologia de mísseis de precisão aos militantes libaneses do Hezbollah.

Israel coordena os ataques na Síria com os russos, e há preocupações de que, se a relação com Moscovo azedar, a liberdade de ação de Israel na Síria também sofra, e para Israel, essa liberdade de ação é vital para a sua segurança.

Como é a relação de Israel com a Ucrânia?

A relação de Israel com a Ucrânia é pessoal. Enquanto democracia europeia com um dos poucos chefes de Estado judeus do mundo, Israel identifica-se como um aliado natural.

A Ucrânia tem uma grande população judaica e Israel também tem um grande número de cidadãos nascidos na Ucrânia. Em termos económicos, a Ucrânia providencia pelo menos 40% das importações de cereais de Israel e é um importante centro de contratação de trabalhos de engenharia para a indústria de alta tecnologia israelita.

Embora algumas autoridades tenham condenado a invasão e Israel esteja a fornecer ajuda humanitária, como um hospital de campanha, e a enviar aviões carregados de mantimentos, não se comprometeu no fornecimento de equipamentos militares.

O embaixador ucraniano em Israel, Yevgen Korniychuk, lamentou a relutância de Israel em nem sequer fornecer equipamentos defensivos. Numa conferência de imprensa em Telavive, na segunda-feira, ele pôs um capacete de proteção e perguntou aos jornalistas ali reunidos: “Por favor, digam-me, como se pode matar com esta coisa? Simplesmente, não é possível. Portanto, não sei o que temem estas pessoas.”

Yevgen Korniychuk, embaixador da Ucrânia em Israel, coloca um capacete de proteção durante uma conferência de imprensa (Getty Images)

Em que ponto estão as tentativas de mediação de Israel?

Mesmo antes do início das hostilidades, Zelensky já pedia a Israel que realizasse negociações em Jerusalém. Bennett falou nessa possibilidade quando se encontrou com Putin na cidade russa de Sochi, em outubro, mas o presidente russo descartou a discussão, segundo um funcionário israelita.

Após o início da invasão, Zelensky voltou a solicitar a mediação de Israel. Os israelitas dizem que mantêm um contacto regular tanto com os ucranianos como com os russos. Bennett voltou a falar com Zelensky na tarde de terça-feira. Mas quando falou no domingo passado, após a viagem surpresa a Moscovo, Bennett não pareceu otimista.

“Continuaremos a ajudar conforme for necessário”, adiantou. “Mesmo que a probabilidade não seja grande - assim que houver a mínima abertura e tivermos essa capacidade e acesso a todos os lados – penso que é nossa obrigação moral fazer todos os esforços.”

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