Castração a sangue frio: o crime de guerra russo que está a chocar o mundo

29 jul 2022, 18:17
Um carro fortemente danificado é visto numa rua após um ataque russo em Severodonetsk, na região de Luhansk. (AP Photo/Leo Correa)

Partilhado inicialmente em vários grupos de Telegram ligados às forças militares russas, a natureza gráfica das imagens fez com que fossem rapidamente partilhadas na internet, gerando uma onda de indignação que levou à tentativa da identificação do autor dos crimes

Um vídeo gravado por forças militares ao serviço da Rússia está a chocar o mundo. As imagens mostram um militar russo a torturar um soldado ucraniano capturado e amarrado, castrando-o a sangue frio com um x-ato e luvas cirúrgicas, à frente de uma câmara, enquanto o restante grupo de soldados insulta a vítima. Sem qualquer tratamento médico imediato, acredita-se que o soldado tenha perdido a vida no local.

As filmagens, verificadas pelo investigador Aric Toler, do Bellingcat, estão a gerar uma onda de indignação na internet. Porém, não é claro quando e onde é que foram capturadas. 

“A comprovar-se que é verdade, as imagens constituem um crime de guerra. São um ato de tortura levado a cabo com o propósito de ferir outra pessoa com maldade e crueldade”, disse Pedro Neto, presidente da Amnistia Internacional portuguesa, que sublinha a necessidade de analisar os metadados das imagens e levar a cabo “um trabalho de investigação e de recolha de testemunhos” para chegar à identificação da vítima e dos responsáveis.

O vídeo foi incialmente partilhado em vários grupos de Telegram ligados às forças militares russas, mas a natureza gráfica das imagens fez com que fossem rapidamente partilhadas na internet, gerando uma onda de indignação que levou à tentativa da identificação do autor dos crimes.

Ao que tudo indica, o autor é um homem de 37 anos da República da Calmúquia, no sul da Rússia. No vídeo, o homem é visto com um chapéu de cowboy preto com duas linhas brancas e uma pulseira semelhantes aos que um soldado usa num vídeo do canal russo RT, nas ruínas do complexo industrial de Azot, na cidade de Severodonetsk.

Um utilizador de uma conta de Twitter dedicado à geolocalização de eventos, determinou o local exato onde este crime terá acontecido e aponta para a mesma cidade do vídeo. 

Segundo o jornalista russo que apresenta a reportagem, os soldados russos a atuar nessa região da Ucrânia pertencem à unidade militar Akhmat, um grupo paramilitar formado maioritariamente por voluntários chechenos ao serviço de Ramzan Khadyrov. Porém, vários especialistas acreditam que este grupo pode estar a repor as suas baixas com mercenários do grupo Wagner.

O major-general Agostinho Costa considera que a identificação dos autores daquilo "que é nitidamente um crime de guerra" deverá ser o próximo passo a tomar. Atualmente, existem várias ferramentas tecnológicas que permitem a identificação das pessoas, seja através do reconhecimento facial, quer pelo reconhecimento de voz.

"A identificação é feita através do cruzamento dos dados e da pegada digital dos envolvidos. Através de mecanismos de reconhecimento facial ou de voz. Neste momento, os serviços secretos norte-americanos e britânicos já sabem, com certeza, quem é o autor", explica.

No entanto, é ainda necessário compreender o contexto em que as imagens foram gravadas, se os participantes pertencem às forças armadas russas ou se pertencem a um grupo paramilitar. Além disso, é preciso perceber se atuavam sob ordens de um oficial superior.

O major-general relembra ainda que este tipo de atos em contexto de guerra não está restrito às forças armadas russas e que vários países, incluindo Portugal, tiveram vários problemas de disciplina que acabaram por culminar em atrocidades. Porém, Agostinho Costa sublinha que, nos vários casos, é comum os militares terem de responder perante a justiça, algo que não é certo que aconteça neste caso.

"Não é difícil identificar os autores, o difícil é levá-los à justiça. Porém, a partir do momento em que este individuo seja identificado, há uma medida de pressão internacional sobre a Rússia, que diz sistematicamente que segue as regras da guerra", reforça o especialista militar. 

Marie Struthers, diretora da Amnistia Internacional para a Europa Oriental e Ásia Central, partilha a mesma opinião sobre “este ataque horrível”, que é “mais um exemplo aparente de completo desrespeito pela vida e dignidade humana” por parte das forças russas na Ucrânia e apelou para que “todos os suspeitos de responsabilidade criminal” sejam julgados e condenados.

Crimes de tortura acumulam-se

Esta não é a primeira vez que as forças russas são acusadas de torturar e matar soldados ucranianos.  A embaixadora geral dos EUA para a justiça criminal global, Beth Van Schaack, disse ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que as autoridades dos EUA têm provas de que soldados ucranianos que se renderam foram executados pelo exército russo em Donetsk. Existem provas fotográficas de um soldado tatuado a render-se juntamente com um grupo de outros militares e, dias depois, foi fotografado morto.

Existem ainda vários testemunhos da execução de soldados das forças de defesa territoriais ucranianas por parte de paraquedistas do exército russo, em Bucha.

Este é mais um de uma lista já longa de crimes de guerra cometidos por parte dos militares que combatem pelo lado russo. Recorde-se que no final da “primeira fase da ofensiva”, os soldados do exército russo deixaram para trás um rasto de morte e destruição quando se viram obrigados a retirar dos territórios do norte do país, junto a cidades como Kiev e Chernihiv.

Apenas nos subúrbios de Kiev, em Bucha e Irpin, 702 civis morreram, muitos dos quais com sinais de tortura outros com vestígios de fuzilamento, ao serem encontrados com mãos atadas atrás das costas. Cerca de 280 corpos foram encontrados enterrados numa vala comum.

Imagens capturadas por um drone e verificadas de forma independente por jornalistas do The New York Times, mostram uma unidade militar russa composta por uma coluna de veículos blindados a disparar para o que aparentam vários civis desarmados, entre os quais um idoso que passava de bicicleta numa das ruas da cidade.

Além dos repetidos ataques das tropas russas contra civis desarmados, existem também vários relatos e acusações de violações, inclusive a crianças. A representante do Comité das Nações Unidades para a Violência Sexual, Pramila Pratten, afirmou perante o Conselho de Segurança da ONU que existiam dezenas de violações de mulheres e meninas nos territórios previamente ocupados pelos tropas russos. Em 5 de julho, a Missão de Monitorização de Direitos Humanos da ONU na Ucrânia havia verificado 28 casos de violência sexual relacionada a conflitos, incluindo violação, violação coletiva, tortura, e ameaças de violência sexual.

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