“Confiscam-nos os telemóveis” e “corremos o risco de ser presos”. O relato de um palestiniano que vive num enclave controlado por Israel

26 nov 2023, 08:00
Palestina (Getty Images)

Sanad, 23 anos, falou à CNN Portugal sobre o que é viver no meio do “perigo e insegurança”. Já Diana e Samer, outros dois jovens palestinianos, que vivem nos EUA e no Dubai, contam o que é assistir à guerra à distância e “sofrer pela família que perderam” e pela “falta de voz do povo” da Palestina

O dia a dia passou a ser de medo e de incertezas. Sanad, um jovem palestiniano de 23 anos, vive com a família na Cisjordânia, mais especificamente na área C - o único território totalmente controlado por Israel, e relata à CNN Portugal como a sua vida mudou desde que começou a guerra.

Teve de deixar de trabalhar na agricultura e construção e vive com receio do que possa suceder. Naquele enclave onde as autoridades palestinianas não conseguem entrar, Sanad e a sua família estão cercados de dúvidas. “Há uma expansão dos colonatos e expropriações diárias na Cisjordânia, onde a presença do Hamas não se faz sentir”, descreve Sanad, que fala do risco permanente. “A vida aqui é perigosa e insegura”, diz, relatando que há patrulhas constantes. As revistas e a apreensão de telemóveis são a realidade diária, revela. “Confiscam-nos os telemóveis" e "nas ruas veem-se vários militares do exército israelita”. Sanad sublinha o clima de tensão que existe na Cisjordânia e teme a expansão da guerra por todo o Médio Oriente. 

Neste momento, mais de dois milhões de palestinianos estão encurralados na Faixa de Gaza. Segundo a CNN Internacional, desde o início da guerra a 7 de outubro, cerca de 14 mil pessoas foram mortas em Gaza. À distância, em diferentes partes do mundo, tantos outros palestinianos partilham o sofrimento no exílio. 

Samer reside em Chicago, nos EUA, onde trabalha na área da saúde mental. Nascido e criado na Palestina, Samer deixou Ramallah aos cinco anos, fugindo com a mãe e a irmã mais nova durante a violenta Segunda Intifada, em 2001. “A maioria de nós não é de Gaza ou da Cisjordânia. Somos naturais de outras partes da Palestina histórica e fomos objeto de uma limpeza étnica”, defende.

Samer (à direita) com a sua mãe Majeda e prima mais nova (à esquerda) (DR)

A família do lado da mãe do jovem encontra-se por toda a Cisjordânia. “A minha mãe foi adotada quando o seu pai morreu num atropelamento por um colono israelita, em 1986. Nunca foi feita justiça e o colono safou-se”, lembra Samer, contando que agora, na Cisjordânia, a sua família enfrenta desafios constantes. “Eles estão a lutar muito contra as incursões militares”, diz, adiantando que o seu primo foi detido numa prisão israelita sem motivo aparente. “Foi preso sem qualquer outra razão que não a de ser palestiniano na sua própria terra.”

"Tinha esperança de que alguns deles pudessem estar vivos, mas, passadas algumas horas, disseram-nos que todos os membros da família tinham morrido”, conta Diana, uma jovem palestiniana que, agora, vive sozinha no Dubai. Foi através de uma mensagem no WhatsApp que a jovem, de 27 anos, recebeu a notícia de que toda a família do lado do pai tinha sido vítima de um bombardeamento israelita.

Já não sei como fazer o luto; nem sequer podemos fazer um funeral”, refere à CNN Portugal.

“Já vimos a brutalidade, já vimos a segregação e já vimos a injustiça, mas acho que desta vez ultrapassa tudo o que já vimos do outro lado", diz Diana, explicando que o seu tio, cansado dos constantes deslocamentos a que é obrigado em Gaza, foi bombardeado na própria casa. "Foi-se toda a geração deste lado da família”, acrescenta. 

Também Diana, nascida e criada na Palestina, viu-se obrigada a procurar um lugar mais seguro, mudando-se recentemente sozinha para os Emirados Árabes Unidos, enquanto as suas irmãs permanecem em Ramallah e os seus pais em Jerusalém. O pai de Diana trabalhava em Jerusalém, por isso, ela tem acesso a um cartão de identidade israelita. "Eu sou uma das privilegiadas", admite Diana que, ainda assim, cresceu num ambiente inseguro e traumatizante: "Em Jerusalém nem sequer ponho as mãos nos bolsos, com medo que aparente ser ameaçadora. Só realizei o quão traumatizada estava quando saí do país."

Diana (DR)

As irmãs de Diana, que vivem na Cisjordânia, enfrentam desafios diários. “Ouvem constantemente sirenes, há colonos por toda a parte, os postos de controlo estão fechados e elas não conseguem ir trabalhar”, relata Diana, que está a tentar ativamente trazer uma das irmãs para o Dubai. Em Jerusalém, os seus pais também vivem com medo devido à proximidade dos colonatos e aos ataques de rockets vindos de Gaza. No entanto, não querem sair do país. "Os meus pais nunca vão sair dali, nem querem." 

Apesar da segurança que sente no Dubai, Diana debate-se com o peso emocional de estar longe da família durante estes tempos difíceis. "Preferia estar em casa com a minha família porque é a primeira vez na minha vida que estou longe deles quando isto acontece." 

Sou tão inútil como a ONU", lamenta, exprimindo a sua sensação de impotência.

No entanto, a jovem diz que encontra consolo ao saber que a perspectiva global do conflito está a evoluir. “As pessoas já não têm desculpas para fechar os olhos ou agir como se não estivessem informadas sobre o assunto. O mundo todo está a ver em tempo real”, sublinha. 

A jovem palestiniana, que já trabalhou como jornalista, diz que vê os eventos de 7 de outubro com uma “sensação de libertação”, mesmo que tenha sido por um curto período de tempo. “Foi um sinal de esperança. A libertação é muito possível”, assume Diana, explicando que é algo que durante a sua vida sempre pareceu longínquo. “Crescemos a aprender que temos de estar calados, se não tiram-nos o BI ou metem-nos na prisão.”

Apesar de se considerar uma pessoa com compaixão, Diana admite que o atual conflito despertou nela emoções que nunca tinha imaginado, sendo difícil voltar ao que era antes. "Se alguém me falar sobre isso hoje, é muito difícil para mim perdoar o que aconteceu ou o que está a acontecer agora. É muito difícil." "Tenho um único e fervoroso desejo: uma Palestina livre.” 

Para Diana, Israel nunca teve como objetivo a solução da criação de dois Estados. "Eles sempre nos viram como animais a vida inteira. Querem eliminar-nos. Eles não querem paz", defende a jovem, acrescentando que não acredita nessa possibilidade. "Não estou a ver a paz a acontecer na região durante muito tempo."

Contudo, apesar de Diana não conseguir ver um fim ao conflito, considera urgente que haja um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza, onde morrem civis em massa. "A quantidade de crianças e pessoas que estão a ser feitas em pedaços está a tornar-se insuportável. Ultrapassa tudo aquilo pelo qual já passámos nos tempos modernos." 

Infelizmente, com o alarido das guerras, vem o silêncio. O ativismo vira moda, mas as pessoas depois esquecem-se", partilha Diana que tem esperança que desta vez seja diferente. 

Também Sanad só sonha com a libertação da Palestina. “É a minha principal preocupação”, diz, sublinhando que este conflito não começou a 7 de outubro, mas em 1948, recordando ao mesmo tempo todos os massacres que foram cometidos por Israel ao longo dos anos. “Israel justifica-o com o pretexto do Hamas, mas isso não é verdade." "Não sou entusiasta do Hamas, por cá há quem os adore ou odeie”, garante. Apesar de não ser apoiante da organização, frisa que “o fim do conflito será o fim de Israel”. 

Já para Samer, a resolução do conflito reside no repatriamento. “Precisamos de ver o território a ser devolvido aos palestinianos”, argumenta Samer, que defende que é preciso que o mundo entenda melhor o seu povo. “Não vivemos necessariamente num mundo que nos dê espaço para partilhar o que sentimos. As pessoas adoram o conflito, querem debates nas notícias, querem ter opiniões. Mas ninguém quer ouvir que não estamos bem, que lutamos para cuidar de nós próprios e sobreviver”, considera o profissional de saúde mental. “A comunidade internacional precisa de fazer mais”, acrescenta. 

Samer numa manifestação pro-palestina em Chicago, EUA (DR)

Samer tem um olhar crítico sobre os eventos do 7 de outubro e as reações internacionais, mantendo um ceticismo cauteloso em relação às mudanças. Destaca que, muitas vezes, a pergunta que mais ouve é se “condena o Hamas” e diz que responde questionando o conhecimento da pessoa sobre a organização. “A minha opinião sobre o Hamas é irrelevante”, explica o jovem que considera que, por não viver na Palestina, não tem o direito de ditar como é que quem lá vive escolhe resistir. “As pessoas que vivem sob ocupação israelita estão sujeitas a desumanização em todos os momentos da sua vida”, acrescenta Samer, que questiona: “Quem sou eu para dizer que apoio ou não apoio a forma como estão a escolher resistir para poderem existir?”.

Eu acordo na América todos os dias. Posso abrir a torneira do meu lava-loiça e ter água. Posso carregar o meu telemóvel. Não há bombas a chover sobre mim. Quem somos nós para julgar os palestinianos?”

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