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Economista na Oxford Economics

Ainda não será hoje que BCE desce taxas, mas Junho será o primeiro de vários cortes até ao final do ano

11 abr, 10:00

O Banco Central Europeu (BCE) reúne-se hoje, e pelo quinto encontro consecutivo as taxas de juro diretoras deverão permanecer inalteradas, com a taxa de depósito – a agora oficialmente de referência – a continuar nos 4%, o nível mais elevado desde o nascimento da moeda única em 1999. Mas desengane-se quem pense que estaremos perente um encontro aborrecido ou vazio de conteúdo. O BCE deverá sinalizar abertura para cortar as taxas de juro no encontro seguinte em junho, caso a taxa de inflação da zona euro e crescimento dos salários continuem a evoluir de forma consistente com a convergência gradual da inflação para o objectivo dos 2%.

Mas se o BCE estará disposto a mostrar a mão, ou parte dela, os jornalistas presentes na conferência de imprensa e a comunidade analista tentarão ver o braço. Para esses, a grande questão será até que ponto junho poderá marcar o início de uma sequência de cortes e que velocidade de cortes o BCE estará disponível para validar. Nestes pontos, a presidente Lagarde deverá jogar pela defensiva, mostrando pouco apetite para alimentar essa discussão e indicando que as decisões do BCE não seguirão um rumo pré-definido, procurando manter flexibilidade para recalibrar a política monetária à medida que surge mais informação sobre a evolução da economia e da inflação.

Os mais de 20 membros que constituem o Conselho do BCE terão, porém, ímpetos diferentes para discutir esses temas, parecendo provável que vários aproveitem as suas intervenções públicas dos próximos dias e semanas para tentarem guiar a narrativa de acordo com as suas preferências. Do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, pode-se esperar que defenda um ajustamento das taxas de juro relativamente rápido, e na verdade, na Oxford Economics concordamos que esse deverá ser o rumo mais provável e mesmo apropriado nesta nova fase da política monetária do BCE.

Os mercados estão posicionados para três cortes em 2024, com a possibilidade de um quarto

As expectativas dos mercados à entrada para o encontro de hoje traduzem-se em três cortes nas taxas de juro em 2024. Entre junho e dezembro, o BCE reúne cinco vezes para decidir política monetária, portanto, estas expectativas antecipam dois encontros com taxas de juro inalteradas. A nossa expectativa na Oxford Economics é que o BCE acabe por cortar os juros em todos os encontros entre junho e dezembro, à medida que a taxa de inflação e as dinâmicas salariais evolvem abaixo do esperado pelo BCE e enquanto a economia da zona euro retoma dinâmica de crescimento apenas gradualmente.

A inflação e crescimento dos salários são as variáveis chave

Começando pela inflação, após um período entre meados de 2021 e início de 2023 em que o BCE (e em justiça, toda a comunidade analista) subestimou o ímpeto inflacionista, a tendência mais recente tem sido para revisões em baixa. Em parte porque o BCE foi demasiado pessimista relativamente à moderação da inflação dos bens energéticos e alimentares. Mas a inflação subjacente também tem normalizado de forma mais rápida que o esperado, particularmente na componente de bens. Mesmo após as últimas revisões de março, na nossa opinião, as previsões do BCE continuam pessimistas, projetando uma inflação inalterada ao longo do segundo trimestre de 2024 e uma queda ligeira na segunda metade do ano. Dessa forma, o BCE projeta uma inflação média de 2,3% em 2024, enquanto na Oxford Economics esperamos 2,1%. O maior risco ascendente neste momento prende-se com a inflação nos serviços. Não é de admirar a maior persistência da inflação nesse componente, mas os últimos meses têm mostrado uma dinâmica inflacionária nesta área ligeiramente acima do esperado, que merece ser acompanhada de perto e que, a continuar, colocaria pressão nas nossas expetativas mais otimistas que o mercado.

Outro factor que explica as nossas perspetivas diferentes para a inflação relativamente ao BCE prende-se com uma leitura diferente das dinâmicas salariais da zona euro, um factor determinante para a evolução da inflação nos próximos tempos. A previsão do BCE aponta para um crescimento médio dos salários perto dos 4,5% em 2024, após 5,3% em 2023. Infelizmente, é uma área onde os dados oficiais são disponibilizados com algum atraso. Mas os indicadores alternativos mais recentes, como os publicados pelo site de recrutamento Indeed e os que a Oxford Economics produz em parceria com a Penta, sugerem que o crescimento médio dos salários ficará em 2024 bastante abaixo do que é esperado pelo BCE.

As decisões do BCE relativamente ao rumo da sua política monetária serão, em grande parte, determinadas pela evolução destas duas variáveis. Mas à medida que cresça a confiança quanto à convergência da inflação para o objectivo dos 2%, espera-se que o BCE volte a considerar também o crescimento económico nas suas deliberações. E a verdade é que nesse campo, a economia europeia continua numa posição relativamente frágil. A nossa previsão e do BCE apontam para crescimento médio de 0,6% em 2024, apenas marginalmente melhor que em 2023. Ambas as previsões incorporam uma melhoria na dinâmica de crescimento à medida que o ano avança, beneficiando de ganhos salariais em termos reais e associado ao crescimento do consumo. Mas muito do efeito da política monetária é sentido com atraso considerável, e a verdade é que as taxas de juro irão continuar altas por algum tempo mesmo após o início dos cortes. Dessa forma, para o próximo ano, esperamos crescimento do PIB da zona euro ligeiramente abaixo dos 2%, que sendo mais sólido que em 2023 e 2024, acaba por ser um desempenho que não permite grande recuperação do atraso económico gerado pela pandemia e guerra na Ucrânia.

A ausência até este parágrafo de qualquer menção à Reserva Federal Americana não é por acaso. É verdade que alguns investidores e analistas continuam a dar muita credibilidade à ideia de que uma eventual decisão da Reserva Federal no sentido de manter as taxas de juro inalteradas ao longo de 2024 poderia forçar o BCE a seguir um rumo no mesmo sentido. Esta visão teve até um papel preponderante na redução das expetativas de cortes do BCE em 2024, com os mercados a evoluírem de um ponto em que atribuíam uma probabilidade próxima de 50% a um quarto corte no ano corrente, para neste momento verem essa possibilidade como relativamente improvável. Há no entanto vários problemas com essa ideia, sendo o mais óbvio o fato de ser simplesmente errado considerar que o BCE e a Reserva Federal estão sempre em sintonia. Na verdade, há vários episódios históricos de divergência significativa. E mesmo quando os dois bancos centrais estão em alinhamento na direção de viagem, o momento ótimo para os pivots da sua política monetária raramente é exatamente o mesmo. Outros argumentos a considerar são as diferenças claras na performance recente e esperada das economias e respetivas inflações da zona euro e Estados Unidos. Há também um certo viés na deliberação do mercado em dar demasiado importância ao efeito positivo que um euro mais fraco teria na inflação da zona euro, mas não considerar o efeito negativo na inflação originado por uma política monetária mais restritiva por parte da reserva federal.

Olhando mais além, continua a ser bastante incerto a que ponto o BCE irá considerar que as taxas de juro já desceram o suficiente. Na Oxford Economics continuamos a identificar razões para esperar taxas de juro relativamente baixas na zona euro, nomeadamente devido ao envelhecimento demográfico e baixa produtividade. Porém, a normalisação das expetativas de inflação após valores extremamente baixos na última década apontam para taxas de juro nominais acima do que foi norma nessa época. A nossa expectativa é que a taxa de juro de referência BCE irá, a prazo, atingir níveis perto dos 2%, que sendo longe das taxas negativas em vigor num passado não muito distante, implicaria uma redução sólida dos 4% atuais. Estas são as boas notícias, sendo as más o fato de perspetivarmos uma maior frequência das chamadas disruções do lado da oferta, causadas por alterações climáticas e incerteza geopolítica. Como os últimos anos mostraram, essa volatilidade deverá ser acompanhada por maior volatilidade também nas taxas de juro, com os bancos centrais a terem de reagir mesmo perante choques transitórios do lado da oferta de forma a defender a credibilidade do seu objectivo para a inflação e manter as expetativas de inflação ancoradas.

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