Quão protegidos estamos contra a covid-19? Cientistas procuram um teste para medir a imunidade

CNN , Tasnim Ahmed
23 mar 2022, 16:30
Milhões de pessoas questionam-se sobre a sua proteção após um inverno de doses de reforço e infeções por Ómicron. Foto: Valerie Macon/AFP/Getty Images

Não há uma maneira consensual de calcular como um determinado nível de anticorpos protege alguém de infeções ou de doenças graves. Os cientistas estão a tentar preencher essa lacuna de conhecimento

Em 2010, os médicos disseram a Ben Sobieck, agora com 37 anos, que os rins dele estavam a entrar em falência, inexplicavelmente. Pouco depois, ele fez um transplante e começou a tomar medicação, que será para toda a vida, mas que lhe enfraquece o sistema imunitário, no sentido de impedir que o corpo rejeite o órgão transplantado. Nunca descobriram o que causou a insuficiência renal de Sobieck. Mas, uma década depois, ele enfrentou outra ameaça à sua saúde: a pandemia de covid-19.

“Estou a tomar imunossupressores que me tornam mais vulnerável às complicações graves da covid”, disse Sobieck, de 37 anos, que mora no Minnesota. “Se estamos imunocomprometidos, podemos não ter uma resposta muito boa à vacina [da covid-19]”.

Em busca de evidências de que o seu sistema imunológico estava a funcionar como devia, Sobieck fez um pedido invulgar: pediu ao seu nefrologista que fizesse uma análise sanguínea que mostra uma medida aproximada de anticorpos, um tipo de proteína que o corpo cria em resposta a uma infeção ou a uma vacina. Os valores revelam a concentração de um anticorpo específico encontrado no sangue de alguém.

Milhões de americanos – não apenas aqueles com um sistema imunológico debilitado – questionam-se sobre a sua proteção após um inverno de doses de reforço e infeções por Ómicron. À medida que as obrigações do uso de máscara são suspensas e as restrições levantadas, num passo em direção à normalidade, um teste para medir a imunidade seria uma ferramenta poderosa para medir o risco de cada um.

“A maior razão pela qual eu queria verificar a minha contagem de anticorpos é porque não sei como avaliar o risco”, disse Sobieck. “Quem é imunocomprometido, desde o início desta pandemia até hoje, tem muito poucas ferramentas para avaliar o risco: se vai sair de casa, quando vai sair de casa, como interagir com as outras pessoas, que situações são razoáveis…”

Sobieck verificou os níveis de anticorpos após a segunda, a terceira e a quarta doses da vacina da Moderna contra a covid-19. Cada resultado mostrou que ele tinha mais do que o número máximo de anticorpos que o teste conseguia detetar, indicando uma sólida resposta imunitária.

Embora não haja uma orientação específica sobre como interpretar estes resultados para descobrir o nível de proteção contra as infeções ou as doenças, Sobieck sentiu-se seguro de que o seu sistema imunológico estava a fazer o seu trabalho.

“Mais de 50% dos pacientes transplantados não têm uma resposta imune suficiente para estarem protegidos, mesmo que recebam não duas, mas três doses da vacina que usamos na população em geral”, disse o Dr. Dorry Segev, professor de cirurgia da Universidade Langone de Nova Iorque. “Para estas pessoas, [uma contagem de anticorpos] é um indicador particularmente importante para saberem se têm alguma proteção.”

Segev, cirurgião de transplantes, defende o uso de testes que medem os anticorpos como forma de verificar a proteção imunológica em pessoas imunocomprometidas.

Sobieck diz que os resultados do teste permitiram que ele tomasse decisões para ele e para a família.

“Saber que eu tinha aquela resposta de anticorpos, significava que o meu filho podia frequentar o ensino presencial. Isso é fantástico”, disse ele.

Correlatos da proteção

Cerca de 95% dos norte-americanos com 16 anos ou mais tinham, até dezembro, anticorpos contra a covid-19. Essa é a data mais recente com dados disponíveis, segundo as estimativas dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, que usam informações dos dadores de sangue.

Mas uma coisa é medir os níveis de anticorpos. Outra coisa é medir como nos protegem contra a covid-19.

A Administração Federal dos Medicamentos dos EUA não recomenda a verificação dos níveis de anticorpos porque não há uma maneira consensual de calcular como um determinado nível de anticorpos protege alguém de infeções ou de doenças graves. Também pode dar uma falsa sensação de segurança, diz a agência.

“Não há bons correlatos de proteção - algo que diz que esta é a medida necessária para saber o quão bem estão as pessoas protegidas”, disse Mehul Suthar, virologista da Universidade Emory.

Os cientistas estão a tentar preencher essa lacuna de conhecimento. Os estudos medem os níveis médios de anticorpos numa população para verificar a eficácia da vacina, geralmente usando os níveis de anticorpos meses após a vacinação para determinar a necessidade de um reforço. Um estudo em pessoas que receberam a vacina da Moderna descobriu que os níveis mais altos de anticorpos após a vacinação estavam associados a um menor risco de infeção por covid-19.

Mas nem todos os anticorpos são criados da mesma forma. De todos os anticorpos que o corpo pode produzir após uma infeção ou vacinação, apenas uma fração é considerada “anticorpos neutralizantes”, ou seja, anticorpos que podem prevenir ativamente a infeção.

Os testes para medir anticorpos podem ser quantitativos ou qualitativos. Os testes quantitativos fornecem um número específico, até certo ponto, de anticorpos no sangue. Os testes qualitativos indicarão apenas se determinados anticorpos foram detetados. Os resultados dos testes qualitativos são positivos, negativos ou indeterminados para anticorpos neutralizantes.

Quando se trata de medir anticorpos neutralizantes, especificamente, há apenas um tipo de teste que recebeu a autorização de emergência da FDA para detetá-los, e esse é um teste qualitativo.

Vários estudos demonstraram que os anticorpos neutralizantes têm uma forte correlação com a proteção contra a infeção sintomática com covid-19 e as suas variantes, com os reforços a aumentarem a neutralização.

Peter Gilbert, professor de vacinas e doenças infecciosas do Centro de Investigação Oncológica Fred Hutchinson e principal autor do estudo da Moderna, diz que essas correlações são úteis para serem aplicadas em grandes grupos. Por exemplo, os cientistas podem usar dados de estudos maiores sobre a correlação entre os níveis de anticorpos e a eficácia da vacina em adultos, para fazer uma previsão sobre a eficácia da vacina em crianças.

No entanto, chegar a conclusões com base nos níveis de anticorpos de uma pessoa é muito mais limitado. Gilbert compara a contagem de anticorpos individuais com a vareta de óleo de um carro.

“O nível de óleo de um carro em particular está baixo? Nesse caso, é preciso ir comprar óleo novo", ou, neste caso, “tomar outra dose da vacina”, disse ele. “Para esse fim, os marcadores não são tão bons.”

Isso deve-se em grande parte à forma como os níveis de anticorpos variam de pessoa para pessoa. Essa correlação de proteção também muda ao longo do tempo e com as diferentes variantes do coronavírus, o que torna difícil definir um limite para os níveis de anticorpos acima dos quais os cientistas podem dizer com confiança que alguém está protegido contra a covid-19.

Imunidade natural vs. adquirida com a vacina

Há uma diferença fundamental na forma como os níveis de anticorpos se podem comparar em pessoas que foram vacinadas contra a covid-19 versus aquelas que foram infetadas com o coronavírus.

“Enquanto que, numa resposta à vacina, podemos ter todos os indivíduos que receberam a vacina com anticorpos altos que depois diminuem com o tempo… com a infeção, é notavelmente heterogéneo. Teremos vários indivíduos com respostas muito baixas e indivíduos com respostas de anticorpos muito altas”, disse Suthar.

Segundo Marion Pepper, professora associada de Imunologia da Universidade de Washington, a localização é importante, especialmente para o sistema imunológico.

“Existem diferentes ambientes imunológicos no nosso corpo... Quando vemos uma resposta imune no braço, os protagonistas são diferentes daqueles que existem numa resposta imune nos pulmões”, disse Pepper.

O sistema imunológico “é como muitos bairros diferentes, e cada um tem uma onda diferente”, dependendo de como um indivíduo é exposto ao coronavírus, seja através de uma vacina injetada no braço ou por uma infeção do sistema respiratório.

O CDC cita um estudo, que está em pré-impressão e ainda não foi revisto pelos pares, que descobriu que os valores de anticorpos diminuíram mais depressa em pessoas vacinadas do que em pessoas que foram infetadas. Isso pode ajudar a explicar a crescente evidência de uma eficácia da vacina mais forte e prolongada em pessoas que têm imunidade tanto por terem tido a doença como por terem sido vacinadas, a chamada imunidade híbrida.

Embora possam não fornecer a melhor maneira de dizer o quão alguém está protegido, os anticorpos são úteis para entender como comparamos pessoas com imunidade natural com aquelas com imunidade adquirida através da vacina.

“Sabemos que as pessoas que têm essa imunidade híbrida estão mais protegidas... Então, também nos podemos perguntar, ‘qual desses parâmetros está associado a essa proteção?’”, disse Pepper, que lidera um laboratório que estuda a imunidade híbrida.

Observar os valores de células imunes e anticorpos à medida que mudam, ao longo do tempo, em diferentes grupos de pessoas, pode ajudar os cientistas a aprender como criar vacinas e reforços para imitar a força da imunidade híbrida, sem as infeções reais.

Apenas uma peça do puzzle da imunidade

Os valores de anticorpos são apenas uma parte da história da imunidade. Existem também as células T, um tipo de glóbulos brancos que ajuda a combater a infeção matando as células que foram infetadas com um vírus ou ajudando outro tipo de glóbulos brancos, as células B, a criar anticorpos.

Então, porque nos concentramos tanto nos anticorpos? “Um aspeto é que os anticorpos são provavelmente dos elementos mais fáceis de medir em laboratório”, disse Suthar.

“Acho que quando partimos para ensaios baseados em células T, vemos que apresentam um desafio muito maior”, explicou ele. “Cada indivíduo tem diferentes tipos de HLA, que aumentam o desafio de entender quão bem as células T respondem a esse vírus.”q

Ao contrário dos anticorpos, que são responsáveis por prevenir uma infeção, as células T são responsáveis por destruir as células que já estão infetadas. As células T podem desempenhar um grande papel na eficácia da vacina contra doenças graves resultantes das variantes do coronavírus mais transmissíveis, como a Ómicron.

Um estudo mostrou que, embora a Ómicron, uma variante de elevada mutação, conseguisse evitar os anteriores anticorpos neutralizantes, as células T mantiveram uma resposta forte.

“Uma célula de memória B é uma célula B que pode ser reativada para produzir anticorpos. Geralmente, não o faz, a menos que receba indicações de uma célula T para o fazer, portanto, estudar as células T será muito importante para entender essa proteção imunológica”, disse Pepper.

No entanto, ela disse que a complexidade de medir as células T significa que não haverá um teste rápido para medi-las tão cedo.

O surto de Ómicron demonstrou que as taxas de infeção ainda podem ser altas, mesmo após uma vacina ou uma infeção anterior. Com a possibilidade de formação de mais variantes, a covid-19 tornou-se um alvo em movimento, exigindo uma compreensão em constante evolução desses correlatos de proteção.

“A maior dúvida que tenho, e acho que toda a gente tem, é saber que valores de anticorpos proporcionam uma proteção contra as complicações graves da covid?”, disse Sobieck.

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