F.C. Porto em retiro espiritual

18 jan 2001, 19:25

Blackout por assumir Ninguém assume, mas o blackout é efectivo. O F.C. Porto voltou esta tarde ao trabalho, mudo e escondido num estádio interdito até a sócios com as quotas em dia. As informações básicas estão agora vedadas e até o horário dos treinos tem de ser descoberto num meticuloso processo de investigação.

Um retiro espiritual a encobrir um blackout efectivo, rígido, incontornável. O F.C. Porto não assume o encerramento de todos os canais informativos, proura rótulos menos carregados, mas não divulga nada do seu trabalho diário. Nem sequer o horário dos treinos ou o boletim clínico. Esta tarde, no regresso às Antas depois do empate na Luz para a Taça de Portugal, nada foi comunicado pelas relações externas aos jornalistas, que quase encheram a sala de Imprensa. O apronto foi interdito a sócios e comunicação social, mas desta vez os repórteres de imagem não tiveram oportunidade de registar os dez minutos iniciais, procedimento normal sempre que os portões do estádio se encerram. 

Fala-se insistentemente de retiro espiritual, método que tende a reforçar a concentração num período competitivo exigente. É uma espécie de contenção pouco maleável, que não abre excepções, que condiciona a própria atitude dos futebolistas. Romeu, dos primeiros a deixar o estádio, depois de ter participado na sessão aligeirada proposta aos titulares com o Benfica, chegou a ameaçar quebrar a regra, nitidamente para evitar ser rude, acedendo a um aceno capaz de lhe deter o movimento. «Estivemos bem na Luz», arriscava entre dentes, num tom tímido. «Agora vamos ter dois jogos ainda mais difíceis». O avançado estava prestes a assumir uma análise de ritmo constante, mas recordava o recado interno que recebera. «A que horas é o treino amanhã? Isso anda não sei...». Romeu retornava à contenção. 

Ricardo Silva, nessa altura, já seguia a caminho de casa, conduzindo o jipe com dificuldade, preparando um descanso doloroso. O defesa não treinou esta tarde e resumiu a presença no estádio a uma visita ao departamento médico. Uma entrada de Escalona, na margem da violência, deixara-o com o joelho direito em mau estado, a requerer observação médica minuciosa. Ricardo estava a jogar bem, num regresso ao onze que esperava proveitoso e definitivo. Hoje, abandonou as Antas a mancar, com o rosto dominado pela desilusão, e amanhã será altura de fazer exames e conhecer o diagnóstico. Para já, mesmo que ninguém o confirme, Ricardo Silva é mais uma dúvida para o desafio de domingo, novamente com o Benfica. 

Os jogadores foram abandonando um a um as instalações do F.C. Porto. O passo, anormalmente acelerado, raramente era interrompido, os cumprimentos tornavam-se inaudíveis, os sorrisos amerelados substituiam as palavras. Os que arriscavam comunicar, limitavam os diálogos às interjeições. Alenitchev, afável, garantia que o último lance da partida de ontem «foi mesmo falta», mas não autorizava mais abordagens. Rubens Júnior, dos mais faladores do plantel, ria mais que todos os outros, mas encolhia os ombros no instante em que cumprimentava os jornalistas. «Estou proibido de falar hoje», justificava, confirmando a mordaça invisível. 

Estava claro. Era mesmo blackout. Dos mais rígidos. Pinto da Costa assistiu à labuta da equipa e saiu do departamento do futebol minutos após o regresso do plantel ao balneário. O presidente interromperia a marcha da viatura por segundos, a pedido dos jornalistas, prontos a registar qualquer descuido verbal. Pediam-lhe uma reacção às declarações de Carlos Valente sobre as nomeações do Conselho de Arbitragem da FPF. Nessa altura, a primeira do Opel Omega já estava engrenada. «Quem é o Carlos Valente?». Não deu tempo para responder... 

O F.C. Porto, deu para apurar, trabalha novamente amanhã, a partir das 10 horas. Já se disse que ninguém do F.C. Porto anunciou o apronto. Nem face à maior das insistênsias. Os jornalistas apuraram o horário por um jogador, que quase agradeceu a pergunta, uma vez que não sabia mesmo a que horas se devia apresentar nas Antas. Teve de voltar para trás, para confirmar no quadro afixado na cabina. Será que alguém se esqueceu de o avisar?

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