Como ter um sistema imunitário eficaz durante o inverno? Três especialistas explicam

4 dez 2021, 18:00
Doente

Três especialistas explicam o que está ao alcance de cada pessoa para ter um sistema imunitário mais competente durante os meses mais frios

Com uma pandemia que parece não querer dar tréguas e com o inverno e a descida das temperaturas, aumentam as preocupações em ter um sistema imunitário pronto a agir. Embora a ciência tenha vindo a afirmar que carece a evidência de que, de facto, é possível reforçar a eficácia do sistema imunitário através de determinados alimentos e da suplementação de multivitamínicos, a verdade é que há estratégias que, dizem os especialistas entrevistados pela CNN Portugal, podem manter o sistema imunitário em pleno funcionamento e tornar a pessoa imunocompetente perante eventuais ameaças à saúde.

Seguir uma alimentação saudável, equilibrada e variada, praticar exercício físico, mesmo durante o inverno, descansar adequadamente, não fumar, moderar o consumo de álcool e evitar as dietas ocidentais – ricas em gorduras e açúcar – são estratégias a ter em conta para o bom funcionamento deste sistema de estruturas e processos biológicos que protege o corpo. No entanto, há outros aspetos que podem fazer a diferença e que requerem uma especial atenção.

O primeiro passo é cuidar da saúde intestinal

O intestino assume-se cada vez mais como a máquina central do corpo humano, a peça-chave para o funcionamento harmonioso do organismo. E o sistema imunitário também fica a ganhar quando a saúde intestinal é cuidada.

“O intestino tem muita importância no sistema imunitário, é o local de barreira. Em todos os locais de barreira existem bactérias para fazer de defesa e a conversa entre microrganismo e sistema imunitário é muito importante, é um exército que está a dizer ao sistema imunitário onde e quando agir”, começa por explicar Conceição Calhau, investigadora do Cintesis e professora na NOVA Medical School.

Para a investigadora, as alterações no estilo de vida – sobretudo quando em causa está o sedentarismo ou a alimentação desadequada, por excesso ou por defeito – “têm impacto na microbiota intestinal e isso tem uma influência muito grande na resposta imunitária” face a agentes patogénicos (qualquer organismo que possa causar uma doença, como é o caso de bactérias, vírus, parasitas ou fungos).

Entre os alimentos aliados da boa saúde intestinal estão aqueles que são ricos em probióticos (como o iogurte e o kefir) e em prebióticos (como a aveia, a maçã e a chicória, que contêm fibra que serve de alimento para as bactérias intestinais).

O papel dos nutrientes

É certo que não há alimentos milagrosos, mas a endocrinologista Isabel do Carmo não hesita em dizer que seguir uma alimentação saudável é a chave do sucesso. “É sustentado que aquilo a que se chama alimentação saudável, frutas, vegetais e mais peixe do que carne, é bom para a imunidade”, explica a também professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. No que diz respeito ao peixe, esclarece a médica, “parece que certas populações com um maior consumo de peixe, de ómega 3, e com uma alimentação saudável, são mais resistentes aos vírus”.

Para Conceição Calhau, mais do que alimentos específicos, importa olhar para o conjunto que compõe o plano alimentar diario, uma vez que “não levar muito a sério a rotina alimentar torna-nos menos capazes para lidar com o ambiente em que vivemos, ou respondemos de forma exagerada ou nem sequer respondemos”.

“A alimentação serve para que o sistema imunitário funciona adequadamente”, esclarece João Rodrigues, nutricionista e docente na Universidade do Porto, no Instituto Politécnico do Porto e no Instituto Politécnico de Viana do Castelo, destacando que “há nutrientes que sabemos que são importantes para o sistema imunitário”, como é o a vitamina C (presente em citrinos, na castanha, no nabo e na alcachofra, por exemplo, e que tem poder antioxidante e a capacidade de regenerar outros antioxidantes) e a vitamina D, sendo que esta última, diz, tem a “desvantagem” de não ser de tão fácil acesso no inverno.

De acordo com o site do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direção-Geral da Saúde (DGS), a vitamina D “é importante para densidade mineral óssea, pois promove a absorção de cálcio e mantém as concentrações adequadas de cálcio e fósforo. Para além disso é importante a nível muscular, cardiovascular e no sistema imunitário”. O mesmo organismo diz que “apesar de à data não existir uma relação entre o consumo de determinados alimentos ou suplementos e o reforço do sistema imunitário, sabemos que à semelhança de outras funções fisiológicas do organismo, para garantir o normal funcionamento do sistema imunitário, é necessário uma alimentação equilibrada com a presença de diferentes nutrientes, desde logo os fornecedores de energia (hidratos de carbono, proteínas e lípidos) e vitaminas e minerais (como as vitaminas A, B6, B9, B12, C e D e  o cobre, ferro, selénio, zinco) e água”.

Cogumelos (fonte de cobre e selénio), leguminosas (fonte de ferro não heme), carne vermelha (fonte de ferro heme e zinco), bacalhau (fonte de selénio) e grãos integrais (fonte de zinco) são alguns dos alimentos destacados pelo PNAPS.

A investigadora Conceição Calhau destaca ainda o beneficio do consumo regular de hortofrutícolas, ricos em fibra e fitoquímicos, “que têm um papel muito importante como imunomodelador”. Além disso, reforça ainda a importância de não fugir das gorduras boas, como a do peixe: “os ácidos gordos ómega 3 são também imunomodelador, vão regular o sistema imunitário, e uma deficiência destes ácidos gordos vai ter como consequência respostas desadequadas”.

A professora na NOVA Medical School deixa ainda o aviso de que a forma com se confeciona o peixe diz muito sobre os nutrientes que serão ingeridos na refeição. “As pessoas têm de comer peixe e saber cozinhar o peixe, se grelhar estou a secar, a perder a gordura boa, mas as pessoas têm fobia à gordura, mas estamos a perder vitaminas lipossolúveis, como a A, D e E, que são importantes para todo o organismo”.

A questão da suplementação

As promessas de reforço do sistema imunitário através da suplementação de multivitamímicos não são uma novidade, mas estes produtos podem ficar aquém das expectativas e nem sequer serem necessários numa boa parte dos casos.

A toma de suplementos no inverno é, para algumas pessoas, uma estratégia já sazonal, na esperança de, por exemplo, escapar à gripe, mas João Rodrigues diz que é sempre arriscado quando as pessoas agem “por conta própria”. “A pessoa deve procurar aconselhamento com um profissional de saúde para saber se há algum risco de carência nutricional, pois a suplementação só faz sentido quando não conseguimos agir por via da alimentação”, explica o nutricionista.

Na prática, defendem os especialistas, a alimentação dever ser suficiente para assegurar as vitaminas e minerais necessários para a saúde e bem-estar, mas há uma vitamina em concreto, a vitamina D, que, defendem, merece mais atenção do que aquela que lhe tem vindo a ser dada. 

A exposição solar é a forma mais eficaz de obter vitamina D, mas alimentos como os peixes gordos (salmão, atum, cavala) e óleos de peixe são também fontes deste micronutriente, igualmente presente em alimentos fortificados, como o leite, cereais e bebidas vegetais, por exemplo. “A vitamina D funciona como hormona no organismo e tem um papel determinante na regulação do sistema imunitário, seja o inato ou adquirido”, diz Conceição Calhau, que explica que, apesar de Portugal ser um “país de sol”, os níveis de vitamina D da população tendem a ser baixos.

“Nós temos uma vulnerabilidade maior para ter níveis mais baixos, geneticamente temos características que não nos permitem produzir vitamina D, mesmo apanhando sol. Essa prevalência é o dobro em Portugal quando comparado com a media da população europeia”, esclarece a investigadora, que defende uma política de suplementação – depois de um diagnóstico de carência vitamínica - tal como acontece nos países do norte da Europa. “A vitamina D é um assunto sazonal, mas deveríamos tê-la sempre em consideração pela sua interface com o sistema imunitário”, conclui Conceição Calhau.

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