Foi numa tarde de Maio...

19 mai 2001, 16:16

Benfica - 40 anos depois de Berna A 31 de Maio de 1961, o Benfica surpreendia a Europa. O futebol português conseguia, pela primeira vez na sua história, conquistar uma Taça dos Campeões Europeus, saindo do anonimato. Frente ao poderoso Barcelona de Kocsis, Czibor e Kubala, os «encarnados» protagonizaram um jogo típico e recheado de incidentes e drama. Recorde aqui o início da década de ouro do futebol português.

No dia 31 de Maio de 1961 o Benfica escreveu a primeira página de ouro do futebol português. O «onze» comandado por Bella Guttmann venceu a final da Taça dos Campeões Europeus da época 1960-61, alcançando um feito inédito ¿ e de certa forma inesperado - na história da modalidade em Portugal. 

O Estádio Wankdorf, na cidade suíça de Berna, foi palco de um espectáculo protagonizado por uma das melhores equipas portuguesas de sempre. Frente a um Barcelona em que se destacava o poderoso trio húngaro formado por Kocsis, Czibor e Kubala, que tinha eliminado o pentacampeão europeu Real Madrid, o Benfica entrou em campo moralizado com sete vitórias em oito jogos nas eliminatórias e recente conquista de mais um título de campeão nacional. 

O percurso do Barcelona não era tão animador. Apesar de ter eliminado o seu «eterno» rival de Madrid, tinha sido derrotado pela mesmo equipa em jogo da Liga espanhola, e eliminado e da Taça do Generalíssimo (agora Taça do Rei de Espanha). 

Chegar à final da Taça dos Campeões Europeus já constituía uma vitória para os portugueses. A equipa encarnada passou os escoceses do Hearts of Midlothian, os húngaros do Upjest, os dinamarqueses do Aarhus e os austríacos do Rapid Viena, contabilizando 23 golos marcados contra apenas 8 sofridos. 

No panorama do futebol nos anos 60, menos inflacionado por grandes jogos e transmissões televisivas, o encontro constituía então um espectáculo imperdível para os adeptos de futebol. No estádio marcaram presença cerca de 30 mil pessoas, entre os quais mais de 300 jornalistas oriundos de todos os pontos do globo. De Portugal viajaram várias centenas de pessoas para apoiar a equipa, que se juntaram aos inúmeros emigrantes portugueses que viviam na Suíça e em países vizinhos.  

No final de uma tarde fria de quarta-feira, o árbitro suíço Gottfried Dienst deu início à partida. O Benfica não entrou bem no jogo. Evidenciando algum nervosismo, consentiu o primeiro golo aos 20 minutos, num lance protagonizado por Kocsis. Vérges surgiu do lado esquerdo do ataque catalão, levou a bola até à linha final, onde cruzou para a cabeça do húngaro que, a cerca de três metros da baliza, bateu Costa Pereira. 

Mas a equipa orientada por Bella Guttmann não desanimou e, em apenas dois minutos, passou para a frente do marcador. Decorria meia hora de jogo quando José Águas, o goleador e capitão da equipa, fez o primeiro golo do Benfica. O lance começou em Coluna, que lançou Cavém em profundidade e este cruzou rasteiro para a grande-área, onde Águas não perdoou. 

No minuto seguinte começou a «maré de azar» dos catalães. Neto, junto à linha de fundo, cruzou novamente para a grande-área, onde Santana saltou em conjunto com Vérges. O guarda-redes Ramallets tentou cortar o lance mas acabou por desviar a bola na direcção da própria baliza. Ainda bateu no poste e deslizou pela linha, antes de ser afastada mas o árbitro Dienst não teve dúvidas e assinalou golo para o Benfica. Aos 32 minutos os portugueses estavam em vantagem no marcador. 

Os «encarnados» entraram no segundo tempo em vantagem. Sem mostrar superioridade em relação à equipa catalã, que criava os lances mais perigosos e atacava de forma avassaladora, o Benfica ampliou o avanço aos 55 minutos, desta feita por intermédio de Coluna. 

Numa jogada em tudo semelhante ao primeiro golo dos portugueses, Coluna lançou Cavém do lado esquerdo, mas um defesa espanhol interceptou o lance de cabeça. O médio moçambicano, à entrada da área e de frente para a baliza, recebeu a bola e, sem a deixar tocar no chão, desferiu um potente remate colocando a bola junto ao poste direito da baliza de Ramallets, num tento espectacular.  

Mas o Barcelona não desistiu. Aos 75 minutos começou o quarto de hora de sofrimento dos «encarnados». A defesa do Benfica começou por ceder um canto aos «catalães». Na sequência do lance, Czibor, à entrada da área, disferiu um potente remate, não dando hipóteses de defesa a Costa Pereira. Estava estabelecido o resultado final, 3-2.  

Até ao apito final do árbitro o Benfica tentou resistir à pressão do Barcelona... e conseguiu. Mérito para os portugueses já que, segundo rezam as crónicas da época, os catalães estiveram ao seu melhor nível, enviando dois remates aos postes nos últimos minutos e criando oportunidade atrás de oportunidade. 

Kocsis e Czibor, que sete anos antes, nesse mesmo estádio, tinham perdido a final do Mundial-54 frente à Alemanha, pelo mesmo resultado, em circunstâncias igualmente dramáticas, não queriam acreditar no que lhes sucedia. O sentimento de incredulidade estendia-se aos jornalistas espanhóis. Um deles escreveu mesmo, para ilustrar até que ponto os deuses do futebol tinham virado as costas ao Barcelona: «Se por acaso tivesse havido um penalty contra o Benfica, por certo um passarinho desceria dos céus levando a bola no bico antes de a falta ser marcada». 

No final do encontro, os benfiquistas presentes no estádio invadiram o relvado para festejar a vitória com os jogadores. Apesar da cerimónia de consagração dos portugueses ter sido alterada, já que a invasão de campo impediu a entrega de medalhas aos jogadores, José Águas ergeu a Taça perante a euforia geral. 

Do lado do Barcelona a desilusão estava estampada no rosto dos jogadores. O brasileiro Evaristo era um dos mais inconformados, atribuindo a derrota à «má sorte» e aos «dois frangos de Ramallets». «Culpo-o sem hesitar. Ele desculpa-se com o sol, mas não acredito», desabafou o jogador na ressaca do desaire. 

O guarda-redes dos catalães foi o principal visado da derrota. Numa tarde que começou cinzenta, Ramallets culpava o sol pelo fracasso da sua exibição, numa versão partilhada por alguns dos jornais da especialidade.  

Os suíços do «Semaine Sportive», por exemplo, intitulavam a crónica de jogo com «O sol venceu os espanhóis». «Ficou provado que o Estádio Wankdorf contém um monumental erro de construção. Quando um desafio se desenrola depois das seis horas da tarde, apenas uma equipa tem o sol nos olhos, enquanto nos outros estádios o Sol se põe sempre atrás das tribunas. Esta foi a base da vitória do Benfica, porque o Sol desta última tarde de Maio apareceu apenas durante uns dez minutos, o suficiente para permitir a Ramallets cometer os dois maiores erros da sua longa carreira.» 

O inconformismo originado pela derrota reinava por toda a Espanha. O país vizinho, que até então se tinha sagrado vencedor de todas as edições da prova através do Real Madrid, via fugir pela primeira vez o mais importante título europeu. «O Benfica venceu o Barcelona num jogo tristemente memorável. A sua vitória foi ajudada, decisivamente, pela desgraça dos espanhóis, alguns erros da defesa e um golo fantasma concedido pelo árbitro», comentava o jornalista do diário desportivo «Marca» na crónica de jogo. 

Em Portugal tudo era diferente. As primeiras páginas dos jornais não poupavam elogios ao «onze» campeão e a Bella Guttmann. Os editoriais agradeciam ao clube da Luz o feito histórico e classificavam os jogadores como os «melhores de sempre». Coluna, patrão do meio-campo e senhor de uma personalidade contagiante, e Germano, a grande referência defensiva, eram, com toda a justiça, os mais elogiados. 

No aeroporto da Portela, a equipa foi recebida por centenas de pessoas, em apoteose. Com direito a ransmissão televisiva, adeptos de todos os clubes festejavam o feito alcançado pelo Benfica que, pela primeira vez, tinha escrito o nome de Portugal no livro de história do futebol mundial.

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