"O Papa Francisco caiu do céu para Rui Pinto". Como um arguido acusado de 90 crimes escapa com uma pena suspensa de quatro anos

CNN Portugal , AM com Lusa
11 set 2023, 22:00

Rui Pinto, condenado esta segunda-feira a quatro anos de pena suspensa, beneficiou da lei da amnistia, aplicada a 79 dos 90 crimes que lhe tinham sido imputados. O hacker português não esperava ficar em liberdade, porque não negou os crimes, mas acreditava que o "serviço público" que considera ter prestado fosse tido em conta pela Justiça

Rui Pinto foi condenado esta segunda-feira a uma pena única de quatro anos de prisão, suspensa na execução. O tribunal considerou o fundador do Football Leaks culpado dos crimes de tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen, de três crimes de violação de correspondência agravado aos advogados João Medeiros, Rui Costa Pereira e Inês Almeida Costa e cinco de acesso ilegítimo a Doyen, Sporting, Federação Portuguesa de Futebol, sociedade de advogados PLMJ e Procuradoria-Geral da República.

À saída do tribunal as opiniões dividiam-se. Enquanto o advogado da Federação Portuguesa de Futebol mostrava-se satisfeito com a sentença, a defesa de Rui Pinto considerou haver aspetos do acórdão que precisam de uma análise mais profunda antes de decidir se recorre ou não da sentença, e o ex-CEO da Doyen defendeu que a "pena deveria ter sido mais severa”.

No entanto, a pergunta principal no final do julgamento continuava a ser apenas uma: como é que um arguido acusado de 90 crimes escapa com uma pena suspensa de quatro anos?

Em análise na CNN Portugal, o editor de Sociedade Henrique Machado afirmou que "o Papa Francisco caiu do céu para Rui Pinto", uma vez que o impacto da lei da amnistia aprovada no âmbito da vinda do Papa a Portugal resultou na sua aplicação a 79 dos 90 crimes que tinham sido imputados a Rui Pinto.

"O Papa Francisco caiu do céu para Rui Pinto porque foi a presença do Papa em Portugal e a amnistia a propósito da vinda do Papa na Jornada Mundial da Juventude que permitiu que Rui Pinto, apesar de terem sido dados como provados praticamente todos os factos que constavam da acusação, acabou por não ser condenado por eles. Porque em 79 dessas situações, apesar de dados como provados, Rui Pinto foi amnistiado e acaba por não ter de pagar, não ser condenado pela prática desses crimes. Porque se o fosse, muito dificilmente o tribunal conseguiria, por mais que quisesse, sustentar uma medida de pena tão baixa. Ou seja, Rui Pinto não poderia ser condenado apenas a quatro anos de prisão", afirmou Henrique Machado, lembrando ainda que se a pena fosse superior a cinco anos teria de ser efetiva.

Para o editor de Sociedade da CNN Portugal, a defesa de Rui Pinto "está satisfeita" com a sentença, uma vez que "Rui Pinto não volta à prisão, no sentido em que não terá de cumprir pena". Um cenário que só mudará caso "o Ministério Público recorra [da decisão] e o Tribunal da Relação reverta, no sentido de entender que estes anos são para cumprir do ponto de vista de prisão efetiva ou aumentar a medida da pena".

"Mas, para já, Rui Pinto está salvaguardado pela amnistia que o Papa lhe concedeu e o mesmo se aplica, é importante referir, não só a este caso, mas também a outros processos que correm contra Rui Pinto, por outras intrusões informáticas contra altas figuras da Justiça e também relacionados com intrusões informáticas aos servidores do Benfica. Em relação a isso, também beneficiará da amnistia, porque são factos que remontam mais ou menos à mesma época temporal, portanto são factos anteriores à vinda do Papa e Rui Pinto beneficia do facto que são crimes com as mesmas molduras penais."

Henrique Machado lembrou ainda que Rui Pinto teve "uma postura cooperante de colaboração com a Justiça", o que também terá servido de atenuante na altura do tribunal determinar a pena. "Rui Pinto não negou os crimes, porque efetivamente a prova física destas intrusões estava lá, a prova pericial, e o próprio admite que fez intrusões informáticas. Portanto, quando é assim, o Tribunal não pode absolver as pessoas. O Tribunal pode é condenar as pessoas com especiais atenuantes que permitem levar a este desfecho que hoje aqui assistimos de uma pena suspensa."

Também o advogado Rogério Alves, comentador CNN Portugal, considerou que "o Tribunal sancionou com coragem" os crimes cometidos por Rui Pinto e demonstrou que "a conduta do arguido foi uma conduta errada". 

Para o advogado, a juíza presidente do processo tomou a decisão correta ao esperar pela publicação da Amnistia uma vez que "não faria nenhum sentido estar a fazer uma sentença que tinha de ser alterada dois meses depois". "Foi uma atitude correta, sensata e adequada e, evidentemente, a Amnistia varreu, perdoou uma série de crimes e apenas refletiu isso mesmo", observou, acrescentando que "a condenação ficou muito caracterizada e muito afetada pela Amnistia".

Defesa deixa recurso em aberto

À saída do tribunal, Francisco Teixeira da Mota, advogado de Rui Pinto, disse que apesar de já se saber que a sentença seria afetada pela amnistia, não podia afirmar que "a decisão era expectável", uma vez que o próprio arguido assumiu a culpa dos seus atos.

"Não é uma decisão expectável, isso não posso dizer, haveria pessoas que se preparavam para que fosse assim, outras pessoas que se preparavam de outra maneira. (...) Rui Pinto não contava ser absolvido naturalmente porque ele próprio tinha reconhecido ter cometido ilegalidades e tinha mostrado o seu arrependimento. O que ele esperava é que fosse tido em conta também o serviço público que prestou e creio que esta decisão reconhece a existência de um serviço público", justificou o advogado, acrescentando que "é um sinal positivo para o trabalho que o Rui Pinto desenvolveu em termos de defesa do interesse público, que não haja qualquer condenação em prisão efetiva, que era sempre um risco possível em termos legais".

Teixeira da Mota afirmou ainda que considera sempre "simpático" as amnistias, mas que só agora é que vai analisar se a mesma foi ou não bem aplicada.

"Eu acho sempre simpáticas as amnistias, como acho sempre simpática a vinda do Papa cá, acho sempre uma coisa positiva, porque eu entendo que o cumprimento das penas de prisão é muitas vezes excessivo. Nos Estados Unidos da América as amnistias são feitas meramente para desimpedir as prisões, para tirar pessoas, se estão pessoas a mais, fazem uma amnistia. Nós cá temos a ideia de que a amnistia é um perigo muito grande, porque há uma lógica muito repressiva. Portanto, quanto à aplicação da amnistia, agora é que vamos estudar, não estudámos já. Antes também me perguntavam o que é que eu entendia, quer dizer, nós íamos ver e agora daqui ou concordamos ou não", assumiu, deixando em aberto a possibilidade de recorrer da sentença.

Já o ex-CEO do fundo de investimento Doyen considerou que a pena suspensa de quatro anos de prisão aplicada a Rui Pinto “podia ter sido mais severa”.

“Durante muito tempo muita gente colocou em causa aquilo que dizíamos e que, efetivamente, houve tentativa de extorsão e não foi conseguida, porque nós também nunca tivemos intenção de pagar. Queríamos procurar os criminosos e levá-los à justiça. O tribunal acolheu na sua plenitude a nossa versão dos factos. Foi punido e muito bem, acho que podia ter sido uma pena mais severa, mas foi o que o tribunal entendeu”, lamentou Nélio Lucas.

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