Acordo com Governo divide médicos e sindicatos. "Grande parte dos colegas que estavam filiados no SIM estão zangados e já houve pessoas que se desvincularam"

29 nov 2023, 13:00
Coronavírus

FNAM considera que acordo "não vai permitir fixar médicos no Serviço Nacional de Saúde" e que apresenta uma "tabela salarial que não é justa, não é digna". Já o movimento "Médicos em Luta" promete que se vai continuar a fazer ouvir uma vez que "o acordo não os satisfaz em absoluto"

O Governo chegou esta terça-feira a acordo apenas com o Sindicato Independente dos Médicos. À saída do encontro, Joana Bordalo e Sá, presidente da Comissão Executiva da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) foi peremptória: "A Federação Nacional dos Médicos não aceita a proposta que nos foi feita pelo Ministério da Saúde, uma vez que isto é um mau acordo para os médicos".

A presidente da FNAM diz mesmo que a proposta do Ministério da Saúde é "um mau acordo para o Serviço Nacional de Saúde e não vai permitir fixar médicos no Serviço Nacional de Saúde". O sindicato defende que os "termos de remuneração base para todos os médicos" pedidos no acordo apresentado não foram tidos em conta e considera que "o que o Governo apresentou foi um aumento completamente discricionário consoante os diferentes tipos de médicos".

"Os médicos de 40 horas iam ter um certo tipo de atualização, os médicos de 42 horas a dedicação exclusiva muito menos, os de 35 horas ainda menos, portanto, isto é absolutamente inaceitável", afirmou Joana Bordalo e Sá, lembrando que a Federação entrou na reunião de terça-feira "com uma proposta de atualização de 30%" que foi baixada "para 22%, 23% no sentido de ir um bocado mais ao encontro" do que entendiam "ser possível e estar orçamentado pelo Estado, tendo em conta a tabela que já está publicada em Diário da República".

"No entanto, não é possível. Não houve esta flexibilidade, não houve este encontro por parte do Governo relativamente às reivindicações da Federação Nacional dos Médicos, portanto, a Federação Nacional dos Médicos não assinou este acordo. O acordo que nos foi proposto foi um mau acordo para os médicos e foi um mau acordo para o Serviço Nacional de Saúde e a Federação Nacional dos Médicos não pode ser responsável por um mau acordo que vai fazer com que os médicos que ainda estão no Serviço Nacional de Saúde saiam ainda mais e que os novos médicos não fiquem, porque o que os novos médicos têm para aceitar".

A FNAM vai ainda mais longe e diz mesmo que a "tabela salarial que não é justa, não é digna" , assim como o novo regime de dedicação plena, que consideram "ilegal e que tem matérias inconstitucionais que obriga o aumento das horas extraordinárias para 250 horas".

"O que se segue agora é que nós vamos, obviamente, informar os médicos desta situação, mas continuamos aqui a nossa luta. Nós vamos sempre continuar a lutar por melhores condições de trabalho e também pela justa atualização salarial, seja com este Governo, seja com o próximo. O Sindicato Independente Médicos verbalizou que teria aceitado estas condições. Para a Federação Nacional dos Médicos não serve, isto não serve os médicos, mas acima de tudo isto não serve, é um mau acordo para a população, é um mau acordo para termos médicos no Serviço Nacional de Saúde".

Posição semelhante tem o movimento "Médicos em Luta" que diz que "o acordo não os satisfaz em absoluto" por se tratar de "um acordo discriminatório, perfeitamente assimétrico, e que não envolve todos os médicos".

"Além de que havia outras propostas em cima da mesa que eram propostas incontornáveis para nós podermos chegar a acordo e entendemos que, efetivamente, há aqui uma manobra política importante, tendo em vista as próximas eleições e uma falta de seriedade muito grande por parte do Governo. Portanto nós não concordamos com o acordo", afirma Susana Costa, do movimento.

A porta-voz dos "Médicos em Luta" diz mesmo que depois do acordo ter sido alcançado entre a Tutela e o SIM, muitos profissionais se têm manifestado "muito insatisfeitos e que a grande maioria mantém a indisponibilidade". 

"Estimamos cerca de 2.800 a 2.900 minutas atualmente, de acordo com as respostas que nos têm chegado, 25% das quais só terá efeito nas escalas do mês de dezembro. Sabemos que a partir do mês de janeiro haverá um retomar da atividade mais ou menos normal, mas naturalmente que atendendo a este mau acordo, os colegas que tinham alguma dúvida e que estavam ainda esperançosos - no sentido de permanecerem no Serviço Nacional de Saúde -, estão já a fazer contas para deixar, e os colegas que faziam ainda horário extraordinário, apesar de estarem livres de os fazer por uma questão de idade ou por outra contingência, mas que ainda faziam porque ainda investiam no Serviço Nacional de Saúde, percebendo o desinvestimento por parte da tutela e o desinteresse por parte da tutela, vão decidir não fazer as horas extraordinárias porque não têm de as fazer. Portanto, haverá sempre um recuo do número de colegas disponíveis para realizarem horas extraordinárias a partir do mês de janeiro", explica.

Segundo Susana Costa, a posição do Sindicato Independente dos Médicos gerou desconforto no seio da classe e "grande parte dos colegas que estavam filiados no SIM estão zangados e já houve pessoas que se desvincularam ao longo deste movimento".

"E, pelos vistos de ontem para hoje, tem havido vários colegas que anunciaram a sua desvinculação do SIM e a sua associação à FNAM. Portanto, da nossa leitura, vai haver um grande enfraquecimento desse sindicato porque havia realmente algumas linhas vermelhas que não podiam ser ultrapassadas e era aquilo que os médicos tinham vinculado e admitimos que o sindicato perca a adesão de muitos colegas que se sentiram traídos com este acordo".

No entanto, a porta-voz lembra que o ponto mais importante na luta dos médicos "é salvar o Serviço Nacional de Saúde e manter a sua qualidade" e por isso mesmo, tendo em conta que o acordo alcançado é também um acordo transitório de um Governo em fim de funções, os "Médicos em Luta" apelam aos candidatos a primeiro-ministro que a proposta para o SNS "seja muito clara" e que seja "debatida no programa eleitoral"

"Sabemos que, no que respeita ao poder central, há uma pressão muito grande dos grupos privados para que a grande maioria dos cuidados de saúde passe para o privado, mas sabemos também que a saúde tal como ela é, o Serviço Nacional de Saúde presta cuidados de qualidade a muito baixos preços e quando isso mudar, naturalmente que esse preço se vai elevar e os portugueses não têm condição de pagar a sua própria saúde. Portanto, isso é um ponto de ciência e acho que todos os portugueses serão muito recetivos naquilo que respeita à proposta de cada partido em relação à sua saúde e ao seu Serviço Nacional de Saúde", afirma, acrescentando que aquilo "nenhum português estará de acordo com o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde".

Até porque, como lembra, "o Serviço Nacional de Saúde é provavelmente um dos serviços mais importantes na nossa sociedade e tem de se manter e manter com a qualidade que tem e que tem adquirido ao longo destes anos" e é para que isso aconteça que o movimento "não pactua [com o acordo] e se vai continuar a fazer ouvir".

"Claro que vai ter que haver efetivamente propostas e um repensar muito sério daquilo que são as condições no Serviço Nacional de Saúde de forma que haja alguma resposta isso vai ser absolutamente inevitável na próxima governação porque senão realmente o Serviço Nacional de Saúde vai ser espoliado pelos profissionais", reitera, lembrado que desistência dos médicos especialistas no último concurso "foi um cartão vermelho" aquilo que se está a passar no SNS.

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