Com a vitória dos republicanos na Câmara dos Representantes, Joe Biden vai ver a sua capacidade de governar muito limitada, mas Donald Trump também não fica com a vida facilitada na corrida ao segundo mandato
Os próximos dois anos de Joe Biden na presidência dos EUA não serão fáceis, mas a vitória dos republicanos na Câmara dos Representantes também não significa que Donald Trump vá ter a vida facilitada na corrida ao segundo mandato presidencial. É que destas eleições intercalares poderá ter emergido um putativo opositor de Trump - e isso não é bom nem para o antigo presidente nem para o atual.
A vitória dos republicanos na Câmara dos Representantes vem confirmar o que já parece ser regra na política norte-americana, de que o partido do presidente seja derrotado nas intercalares, como explicam os comentadores da CNN Portugal, especialistas em relações internacionais.
Com a confirmação da maioria republicana no Congresso, Joe Biden vai ver a sua capacidade de governar muito limitada, uma vez que os republicanos "vão dificultar a ratificação dos pacotes legais" que o presidente quiser fazer avançar. "Não será fácil, porque qualquer pacote de apoio à economia ou qualquer medida que tenha uma implicação financeira tem de passar pela Câmara dos Representantes", lembra a investigadora Helena Ferro Gouveia.
Isto significa que, "a partir de agora, vamos ver um bloqueio sistemático das políticas de Joe Biden", sublinha a investigadora Diana Soller.
A maioria (ainda que curta) dos republicanos na Câmara dos Representantes permite-lhes iniciar investigações à administração Biden e aos negócios da família do atual presidente, algo que Donald Trump sempre incitou. Nesse contexto, "é expectável que seja aberta uma investigação aos negócios do filho [Hunter Biden] para atacar o pai", admite Helena Ferro Gouveia.
Trump também sai fragilizado
Mas não é só Biden que sai mais fragilizado destas eleições intercalares - ainda que o resultado tenha sido bastante mais favorável do que as sondagens perspectivavam. Muitos dos candidatos apoiados por Donald Trump nestas eleições (muitos deles candidatos à Câmara dos Representantes, mas também a senadores, governadores e cargos locais) acabaram por não ser aprovados pelos eleitores, o que mostra que "o toque de Midas de Trump não resultou", acrescenta a especialista.
Ainda assim, isso não demoveu Donald Trump de anunciar formalmente que está na corrida para ser o candidato do Partido Republicano às eleições presidenciais de 2024. Na perspetiva de Diana Soller, este anúncio mais não é do que "um erro de cálculo" do antigo presidente norte-americano, porque ele próprio já tinha prometido ainda antes das intercalares que iria fazer "um grande anúncio" no dia 15 de novembro. De acordo com a investigadora, este anúncio surgiu "muito cedo".
"Normalmente, este tipo de anúncios surge cerca de um ano antes das eleições [presidenciais], porque a campanha das primárias é quase tão cansativa ou até mais cansativa do que a campanha para as presidenciais. Estamos a falar de mais de um ano de campanha eleitoral [para as primárias]", salienta.
Por isso, no entender da investigadora, só há duas razões que explicam este adiantamento por parte de Donald Trump: "Estava à espera de ter uma vitória muito mais expressiva nas eleições intercalares, nas quais se envolveu pessoalmente como líder informal do Partido Republicano, e acreditava que poderia aproveitar esse momento de vitória para anunciar a sua candidatura. Portanto, estou convencida que se tratou acima de tudo de um erro de cálculo, no sentido em que achava que ia ter uma vitória muito expressiva, que não teve."
A outra razão é o mediatismo, acrescenta Diana Soller. "Trump tem uma capacidade enorme de captar a atenção dos media e esta antecipação permite-lhe ser o candidato único durante algum tempo. Portanto, nos próximos meses, Trump vai ter os holofotes virados para si em tudo o que for relacionado com os republicanos, o que lhe permite uma atenção mediática que teria de dividir com outros candidatos caso o anúncio fosse feito mais tarde."
O "adversário de peso" que coloca Trump em risco
Porém, além das suas expectativas de uma "onda vermelha" terem sido defraudadas, Trump também não contava com a emergência de potenciais rivais dentro do próprio partido, como o governador da Florida, Ron DeSantis, que obteve a vitória mais expressiva entre os republicanos nestas eleições. "Depois desta vitória do governador da Florida, Donald Trump passa a ter um adversário de peso. Ele candidatou-se, mas ainda tem de ter o aval do seu partido", recorda Helena Ferro Gouveia.
É certo que Ron DeSantis ainda não se pronunciou em relação a uma eventual candidatura à corrida presidencial, mas, segundo Diana Soller, a verdade é que o governador parece ter "uma base de apoio que lhe permite disputar as primárias com Donald Trump".
"A tentação de DeSantis é, provavelmente, ir a jogo, porque isto é um grande momento na sua carreira", acrescenta a investigadora. Por outro lado, o governador da Florida é bastante mais novo do que Donald Trump (o antigo presidente tem 76 anos, DeSantis tem 44), pelo que "poderá optar por deixar este ciclo eleitoral para Trump ou para outro candidato". "Até porque Donald Trump não é propriamente o adversário mais apetecível de ninguém. Sabemos que o jogo de campanha eleitoral de Donald Trump muitas vezes é sujo e tem influência na imagem dos outros candidatos, portanto não sabemos se DeSantis vai a jogo."
Com o jogo ainda em aberto, o comentador da CNN Portugal Azeredo Lopes considera que, face aos putativos candidatos à corrida presidencial do lado republicano, Joe Biden possa preferir disputar a reeleição para o segundo mandato com Donald Trump.
"Acredito que Biden preferisse que fosse Trump o novo candidato [republicano], mas ele sabe que o Partido Republicano está a mostrar mais capacidade de regeneração do que seria de esperar, com DeSantis ou Mike Pence."
Para Azeredo Lopes, uma das questões que poderá ser afetada pela maioria republicana na Câmara dos Representantes são os apoios dirigidos à Ucrânia. "Biden sabe que vai ter muito mais questões com que se preocupar. Sabe, aliás, que tendencialmente os republicanos são menos adeptos de um apoio até ao fim, custe o custar, no conflito ucraniano, e não quer chegar daqui a dois anos ainda com o assunto ucraniano por resolver."
Na perspetiva de Helena Ferro Gouveia, porém, a ajuda à Ucrânia "está assegurada" pelo menos durante o próximo ano, tendo em conta as contribuições financeiras prometidas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. A grande questão é depois de 2023. "Há aqui um ano para se resolver a questão da Ucrânia, que é o ano de 2023, porque a partir desse ano será difícil para o presidente dos EUA voltar a fazer aprovar pacotes de apoio tão maciços como aqueles que têm vindo a ser aprovados, quer de ajuda militar, quer de ajuda financeira financeira."