Há estudantes que fazem centenas de quilómetros todos os dias porque é mais barato do que arrendar um quarto perto da faculdade. Movimento Habitação de Abril monta tendas na Cidade Universitária

21 abr 2023, 13:09
Universidade de Lisboa - Faculdade de Direito

Protesto pretende denunciar a falta de medidas concretas para a habitação estudantil, mas também a falta de fiscalização que faz com que haja senhorios a recusar um recibo que é devido por lei

Telma Valadas aproveita cada minuto da viagem de hora e meia, entre Évora e Lisboa, para estudar, pôr as conversas em dia ou… dormir. Todos os dias, três horas da sua vida são gastas na viagem de e para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. É precisamente no (des)conforto do autocarro que a traz da casa dos pais que fala com a CNN Portugal.

“Há um passe de comboio que fica muito mais barato do que alugar um quarto em Lisboa. Custa cerca de 200 e tal euros e a Câmara de Évora paga 40%. Muito mais barato do que os 400 euros que, em média, custa um quarto em Lisboa”, contabiliza.

Telma está no terceiro ano de Direito. Viver em Lisboa nunca foi uma opção ou sequer uma possibilidade. Perante os preços da habitação na capital, durante dois anos ficou a viver de favor em casa de um familiar, no Barreiro. Todos os dias apanhava um autocarro, um barco e duas linhas de Metro até chegar à faculdade. E, depois das aulas, o percurso contrário. Fez as contas e concluiu que demoraria o mesmo tempo de comboio ou autocarro de e até casa dos pais, em Évora. “Não sou a única a ir e voltar diariamente. Tenho colegas de Torres Vedras ou de Setúbal que tomaram a mesma opção porque não conseguem pagar um quarto em Lisboa.”

A jovem lamenta que isso lhe roube tempo para estudar com colegas ou viver a vida académica em pleno. Não é que seja grande noctívaga, assegura, mas as saídas à noite com os amigos ficam praticamente limitadas a zero. Até porque esta vida de viajante tem um grande inconveniente: o número de comboios ou autocarros é muito limitado e não permite regressos a casa mais tardios.

Um salário para um quarto

Basta fazer uma pesquisa num portal de imobiliário para perceber as opções de Telma. Se pesquisarmos quartos para arrendar perto da Cidade Universitária, vemos que o mais barato custa 375€. E nem sequer fica realmente perto da Cidade Universitária. Depois, há quartos em Benfica, Campo Grande, Olivais, Lumiar ou até já fora de Lisboa, como por exemplo na Amadora, com preços a ultrapassar os 500€, os 600€ ou até os 700€.

Se tivermos em conta que o salário mínimo em Portugal é de 760€ e que o salário médio ronda os 1400€ brutos (pouco mais de mil euros líquidos), um quarto em Lisboa pode facilmente chegar ao valor de um salário. São, por isso, um luxo para a maioria das famílias portuguesas. Muitas, além do preço da habitação dos filhos em Lisboa, têm de suportar os custos com outros filhos a estudar fora e com a habitação habitual da família.

Foi por exemplos como o de Telma que nasceu o movimento Habitação de Abril, um movimento estudantil que pretende precisamente alertar para a falta de habitação a preços acessíveis. A primeira ação do Habitação de Abril está marcada para esta segunda-feira. Os estudantes vão montar tendas na alameda da Cidade Universitária e receber a madrugada dos 50 anos do 25 de Abril a acampar. O lema é “Não consegui pagar a última renda e mudei-me para a alameda da Cidade Universitária”.

Preços mais acessíveis e mais fiscalização

“Queremos alertar para a forma como o Governo tem gerido a crise habitacional. As casas para estudantes são cada vez mais caras de ano para ano. Há cada vez mais estudantes que ponderam desistir do curso, que já desistiram do curso e estudantes que tinham notas para vir para Lisboa e não vêm porque os pais não podem pagar um quarto aqui”, justifica José Afonso Garcia, presidente da Associação de Estudantes da Universidade de Lisboa e um dos fundadores do movimento Habitação de Abril.

Em declarações à CNN Portugal, José Afonso Garcia revela que o email criado pela associação de estudantes durante a pandemia continua a receber pedidos de ajuda. Mais: diz mesmo que esses pedidos de ajuda até têm aumentado. São estudantes que não conseguem suportar o preço da habitação mas há também jovens que, para pagar o quarto, deixam de poder comprar bens alimentares, cujos aumentos de preços também são uma preocupação.

O movimento Habitação de Abril pede “medidas efetivas” para a habitação, sobretudo para a habitação dos estudantes. “Queremos o aumento do número de residências públicas e também melhorias das acessibilidades que facilitem a vida dos estudantes que se veem obrigados a permanecer em casa dos pais ou de familiares a centenas de quilómetros da faculdade - e que vão e vêm todos os dias. São, no fundo, estudantes duplamente deslocados. Mas pedimos também mais fiscalização. Há muitos senhorios que não passam recibo e isso faz com que muitos estudantes que pretendem recorrer ao apoio habitacional não o possam fazer porque esse apoio exige a apresentação de recibo”, explica José Afonso Garcia.

Além do acampamento, o movimento Habitação de Abril organizou um debate para o qual convidaram todos os partidos com assento parlamentar. Terão também montado um palanque onde, à semelhança das lutas estudantis de 1968, os estudantes podem ir discursar, apresentando sugestões ou denunciando situações concretas.

O movimento, com poucas semanas de vida, conta já com o apoio de várias instituições.

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