O Titan ou outras "aventuras" pelo mundo ou pelo espaço: "Não há atalhos possíveis porque há vidas humanas em risco" (entrevista)

9 jul 2023, 22:00
Detritos espaciais (Foto: NASA/Unsplash)

Engenheira aeroespacial, ex-vice-administradora da NASA e ex-diretora do Programa MIT Portugal, Dava J. Newman diz que um eventual fim das parcerias entre o Governo português e as universidades norte-americanas seria um retrocesso na internacionalização da ciência em Portugal. Entrevistámos Dava J. Newman em Matosinhos, no Centro de Engenharia e Desenvolvimento (CEiiA), sobre os vários projetos de engenharia espacial que estão a ser desenvolvidos em território nacional, incluindo o primeiro nanosatélite que vai ter desenho, fabrico e estações terrestres totalmente desenvolvidos por cá. A especialista sublinha ainda a importância da segurança e da regulação, para evitar casos como o do submersível Titan

O que está a fazer em Portugal, algum projeto interessante?

Sim, absolutamente. Vim para a QSP Summit. Foi fantástico termos uma sessão e uma discussão sobre a economia espacial e como Portugal pode aproveitar a oportunidade, tirar partido disso e participar neste futuro novo e fascinante de acesso ao Espaço para todos. E claro, também comunicar com os colegas do "Programa MIT Portugal" e olhar para os resultados fantásticos que temos tido nos nossos programas, desde um sensor de exploração do fundo do mar - um trabalho muito importante na economia azul de Portugal -, e também o projeto do AEROS "CubSat", que vai ter sensores muito avançados para monitorizar e medir o oceano, em todos os projetos de mobilidade urbana que estão aqui no CEiiA e a olhar para todas as plataformas de mobilidade

Tudo isto está a ser desenvolvido aqui?

As parcerias no âmbito do "Programa MIT Portugal" existem em todo o país: estamos aqui no Porto, o que é fantástico, no CEiiA, também trabalhamos com colegas da Universidade do Minho, com colegas em Lisboa, tanto do Instituto Superior Técnico como da Universidade Nova, e ainda em Coimbra. Por isso, realmente conectamos o país todo.

De todos estes projetos, qual merece maior destaque?

Há várias colaborações de investigação muito entusiasmantes que temos com os nossos colegas portugueses e uma é um satélite, um "CubSat" (nanosatélite) para ir ao Espaço. Vai ser lançado no próximo ano, em 2024. O importante é que isto acontece em colaboração com o "Programa MIT Portugal", com a FCT e com outros laboratórios de investigação associados. E é a primeira vez que Portugal desenha um satélite, desenvolve o seu hardware e todas as estações terrestres, ou seja, todas as operações de controlo da missão, tudo é feito aqui em Portugal.

Como é que Portugal pode aproveitar oportunidades nesta área da exploração Espacial?

É uma colaboração entre parcerias públicas e privadas. Tem de haver definitivamente investimento do Governo. O investimento do Governo tem ajudado o setor privado e também a colaboração bilateral entre Portugal e os Estados Unidos - o MIT, por exemplo, mas há três grandes parcerias com a academia. Por isso, é muito o Governo, a indústria, tanto as empresas que já existem como as que estão a surgir, e a academia. As parcerias envolvem estes três elementos: academia, indústria e Governo. E é fantástico porque toda a gente tem um papel a desempenhar, toda a gente vai com os seus pontos fortes. A academia com a ciência e a tecnologia, a indústria com os negócios, as start-ups, temos 85 startups a sair do Programa MIT Portugal, o que é muito importante para a economia portuguesa, formar os novos líderes empresariais, os líderes da Ciência e da Tecnologia do futuro, e isto é assente no apoio do Governo. Por isso, o apoio constante do Governo, um financiamento a longo prazo na ciência, na tecnologia e na inovação é crítico. É uma aliança importante entre estes três setores. 

Vou aproveitar que falou no apoio do Governo para a questionar sobre o eventual fim das parcerias entre o Estado português e as universidades norte-americanas como o MIT. O Governo português já admitiu que as parcerias estão a ser "avaliadas", como recebeu essa notícia?

Eu espero que o Governo analise que tivemos uma longa parceria, penso que os resultados falam por si, em termos das centenas de alunos que formámos. É uma formação multidisciplinar e revolucionária, dar aos alunos uma visão global dos sistemas nas áreas mais importantes em que estão a trabalhar, para o clima, para o Espaço, que mencionámos, para os oceanos, a olhar para a mobilidade urbana e para os transportes, para a energia, para a engenharia aeroespacial, o desenho e o fabrico, estes são os setores que potencialmente terão mais crescimento para a economia. Por isso, acho que são muito importantes investimentos dos dois lados, de Portugal, do Governo português, que tem sido fantástico, e também o investimento reverso, posso falar pelo MIT Programme e tem sido 50/50. Aliás, mais de 50% do nosso dinheiro tem sido gasto aqui em Portugal, algum também nos Estados Unidos claro. Nós vimos aqui em visitas, mas também fazemos investigação. E os estudantes vêm cá. Temos troca de pessoal e isso é um dos pontos mais valiosos, trabalhar nos sistemas uns dos outros. É uma ótima parceria, que se transformou em amizades para a vida e colaborações para a vida. Estamos aqui no CEiiA a falar do futuro em colaborações e no que podemos fazer todos juntos.

Mas, tenho de insistir, no caso de o Governo português terminar essa parceria, acha que isso seria um retrocesso na internacionalização da ciência em Portugal?

Absolutamente. Seria uma pena. Vamos fazer tudo o que pudermos para continuar este trabalho científico e tecnológico tão necessário para o futuro, que representa criar novos postos de trabalho, formar estudantes de forma diferente, formar novos líderes, muitos dos nossos alunos estão agora a liderar start-ups, estão na academia, estão a liderar aqui em Portugal e a dar também uma grande contribuição a nível internacional. Um dos objetivos era também internacionalizar a formação académica por isso tivemos alunos no MIT Programme de 45 países diferentes e isso era um objetivo. Porque o mundo é global e, por isso, todos os líderes destas gerações precisam de se encontrar-  eles são líderes mundiais e todos têm de trabalhar juntos, de saber colaborar, essas são as oportunidades. E se o programa for descontinuado acho que haverá muitas oportunidades que serão perdidas. Queremos assegurar que Portugal é muito competitivo, tanto na Europa como no mundo.

Quais são as principais diferenças que nota nesta área desde que aqui chegou e até agora?

Primeiro, a internacionalização. Nós realmente fizemos misturas, é fantástico. Atraímos pessoas a nível internacional, os melhores dos mais brilhantes, estudantes de doutoramento, estudantes de Massachusetts. Isso tem sido fantástico. E a inovação, o enfâse na inovação, nas start-ups, no desenvolvimento económico é completamente diferente. É muito inspirador. Temos mostrado resultados fantásticos em termos de novas formas de fazer negócio, de haver competitividade nos negócios. E isto é para esta geração de novos líderes que, como eu disse, são os novos líderes, os novos académicos, tiveram oportunidades incríveis e oxalá possamos continuar a ter essas oportunidades.

A nível global, quais são, atualmente, os maiores desafios na área da engenharia espacial?

Penso que a maior preocupação atual e de toda a humanidade é agora a guerra na Ucrânia, que causa incerteza para toda a gente. E também como é que nós, o mundo, pode trabalhar em colaboração porque nós somos sempre melhores se trabalharmos juntos. A relação bilateral entre os Estados Unidos e Portugal é muito especial, nós temos uma relação muito forte e temos de a fomentar. Portugal tem um papel muito importante a desempenhar na Europa Ocidental, na liderança. É mesmo o farol da Europa agora, olhem para todo o turismo que existe agora. É um país incrível para visitar e só posso dizer coisas boas de Portugal e da natureza do seu acolhimento. E também da estabilidade, da paz e da liderança que atualmente está a sair de Portugal para a Europa e para o mundo. É muito importante, é um grande exemplo. É por isso que estou otimista em relação ao futuro. Podemos todos trabalhar juntos e perceber o que queremos: desenvolvimento económico, altos níveis de educação, liderança na ciência e na tecnologia.

Nos últimos dias, a implosão do submarino Titan gerou atenção mundial e discussão sobre a importância destas novas tecnologias passarem por vários testes, serem certificadas. Como olha para este caso?

Como engenheira, fico fascinada com a tecnologia mais avançada, mas os programas que desenvolvemos no MIT Programme, os sistemas, temos de pensar sempre primeiro como é que a tecnologia será usada. A tecnologia é usada para benefício da humanidade, para trazer mais emprego, aumentar postos de trabalho, o trabalho do futuro. Agora, toda a gente está preocupada com a Inteligência Artificial e temos de pensar se haverá um uso responsável da Inteligência Artificial, se esta é de confiança. Com educação multidisciplinar e financiamento de outras investigações trazemos toda a gente para o debate, não só engenheiros e cientistas, mas também os políticos, os advogados. Temos de nos sentar todos à mesa da discussão e a nossa formação é baseada nisso, é muito holística, garantindo que temos uma perspetiva dos sistemas no que toca a segurança. E, especialmente no que toca à segurança, não há atalhos possíveis porque há vidas humanas em risco. Por isso, é preciso que toda a segurança e regulação estejam sempre implementadas.

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