A sombra de Putin sobre a reeleição de Macron (opinião)

CNN , Opinião de David A. Andelman
9 abr 2022, 20:00
Putin e Macron em agosto de 2019. Gerard Julien, Pool via AP

Ele entrou na arena abobadada, nos arredores de Paris, com os aplausos de uma multidão de 30 mil pessoas, como um lutador que vai defender o seu título perante um público que o adora.

Num vasto palco branco, com milhares de paus luminosos a brilhar na escuridão da multidão, o presidente francês, Emmanuel Macron, estava no seu elemento. Este era o seu momento. E, durante duas horas, no sábado passado, manteve os seus apoiantes enfeitiçados ao recitar as suas conquistas dos últimos cinco anos e as suas esperanças e sonhos para um segundo mandato.

Durante grande parte dos quatro meses da corrida à presidência, Macron parecia ter todas as condições para se tornar o primeiro presidente francês, em 20 anos, a vencer uma reeleição. Agora, a sua liderança já não é assim tão confortável.

De repente, Marine Le Pen, do Reunião Nacional, de extrema-direita, na sua terceira tentativa à presidência, está a subir nas sondagens e Macron parece preocupado. As sondagens mais recentes mostram que a margem entre os dois candidatos foi reduzida para apenas 5% dos votos.

Mas o mais preocupante são as notícias de que cerca de 30% do eleitorado pode simplesmente ficar em casa no domingo, na primeira volta das eleições presidenciais francesas. Os dois candidatos com o maior número dos votos irão defrontar-se numa volta final, a 24 de abril.

Apesar de Macron ter permanecido na liderança durante toda a sua campanha eleitoral, o candidato mais provável de o enfrentar tem sido menos óbvio. No início da corrida, três mulheres dos principais eixos do espectro político esforçavam-se para se tornarem a primeira mulher presidente de França.

Elas eram Anne Hidalgo para os socialistas de centro-esquerda, Valérie Pécresse para os republicanos de centro-direita e Le Pen. As duas primeiras desapareceram repentinamente em sondagens recentes, ameaçando derrubar também os dois partidos que representam e que têm sido os principais pilares da política francesa, durante grande parte da era pós-Segunda Guerra Mundial.

Basicamente, apenas Le Pen tem mantido a sua posição e é o foco da atenção da comunicação social e dos receios do partido de Macron.

A confiança inicial de Macron começou a mudar quando a crise da Ucrânia eclodiu, no preciso momento em que França assumiu a liderança rotativa de seis meses da União Europeia. Macron tinha-se considerado, e com razão, o encantador de Putin do Ocidente, uma figura insubstituível que poderia manter o Kremlin à distância ou, pelo menos, o único recurso fiável para compreender o ditador russo.

Macron esperava conseguir um segundo mandato nesse papel, reconstruindo a Europa à imagem francesa e tornando-se o seu líder poderoso e centrado, na sequência da reforma da chanceler alemã, Angela Merkel. Nada disto funcionou como ele esperava.

Em vez disso, a Europa mergulhou no pior conflito do continente desde a Segunda Guerra Mundial. Primeiro nos seus esforços hercúleos para evitar uma invasão russa e, depois, nas tentativas igualmente desgastantes de unir a Europa para apoiar as sanções, enquanto arranjava forma de conseguir um cessar-fogo, Macron desviou a sua atenção nas semanas cruciais em que a campanha presidencial atingiu o auge na sua ausência.

Entretanto, em casa, Le Pen estava discretamente a focar-se nos problemas que mais preocupam as famílias francesas, especialmente a inflação, que passou agora dos 4,5%, mais do que o triplo do ano passado.

Sem sugerir como arranjaria os fundos, Le Pen quer baixar o IVA dos atuais 20% para 5,5% (zero para bens essenciais, como massa e fraldas) e a isenção do imposto sobre rendimento para os que têm menos de 30 anos.

Mas está a vir ao de cima o romance duradouro de Le Pen com o regime de Putin e os empréstimos do banco russo para a sua campanha. Já para não falar das suas sugestões de que poderia ser melhor para França se saíssem da União Europeia ou até da NATO.

É certo que Macron não interpretou mal a preocupação dos eleitores franceses com as atrocidades russas na Ucrânia. Mas na mente da maioria dos franceses, esta ainda está muito atrás da preocupação com o "poder de compra".

Aliás, um artigo do principal jornal francês de domingo, Journal du Dimanche, realçou "As 10 pragas que ameaçam Emmanuel Macron", sendo que a primeira é a inflação.

Mas, também no topo da lista, estão as conversas contínuas do presidente com a terceira linha da política francesa, adiando a idade da reforma para os 65 anos. Quando Macron falou disto pela primeira vez, há quase quatro anos, a simples ideia enviou centenas de milhares de manifestantes para as ruas de França. O movimento dos "coletes amarelos" quase destruiu o primeiro mandato de Macron.

Mas este não se deixou intimidar e voltou a falar da questão na plataforma eleitoral deste ano. Entretanto, Le Pen quer baixar a idade da reforma dos 62 para os 60.

Com a contagem decrescente para o dia das eleições, Macron recusou participar nos debates televisivos com os outros 11 candidatos, com quem se vai defrontar na primeira volta, no domingo. Mas concordou fazer um debate frente a frente com o candidato que passar à segunda volta, duas semanas depois.

Ainda assim, se há uma constante muito importante na política francesa, é o facto de os eleitores terem muito em consideração a história, principalmente a sua. A ocupação nazi de França ainda está muito presente no ADN da nação, apesar de já existirem poucos sobreviventes que tenham passado diretamente por esses horrores. Só de pensar em regressar a um regime de extrema-direita é um anátema para muitos.

Os franceses já recusaram várias vezes entregar o seu país a indivíduos que fogem muito ao convencional. Le Pen perdeu há cinco anos contra Macron, na segunda volta. Tal como o seu pai, Jean-Marie Le Pen, perdeu em 2002, nuns impressionantes 11% contra os 82% de Jacques Chirac, numa das cinco vezes em que Le Pen concorreu pelo partido de extrema-direita, Frente Nacional.

Apesar do seu interesse pelos extremos, os franceses acabam sempre por penalizar qualquer político que fuja demasiado ao convencional, prometendo mudanças revolucionárias. Por isso, este ano, o principal candidato de esquerda, Jean-Luc Mélenchon, que sugeriu uma reformulação completa da constituição francesa, continua a definhar no quarto lugar das sondagens.

No final, Macron deverá estar a contar com uma diferença fundamental entre as democracias francesas e norte-americanas: em França, o candidato presidencial com o maior número de votos vence, não existe um Colégio Eleitoral.

Macron sabe-o e é por isso que nas declarações do comício de sábado passado e em várias aparições na campanha, este tem dado o seu melhor para conquistar os votos da extrema-esquerda e da extrema-direita, sabendo que apenas um deles estará na volta final. Ele está a fazer campanha para a segunda volta, antes sequer de acabar a primeira.

Afinal de contas, porque é que os norte-americanos ou qualquer pessoa fora de França se deveria preocupar com isto? Porque se qualquer um dos adversários mais intensos de Macron da esquerda ou da direita ganhar, os próprios pilares da democracia ocidental podem ficar em risco, mais ainda do que no caso de Donald Trump. Le Pen quer mesmo um “Frexit” (a saída da UE) e que França saia da NATO. A questão é quantos franceses o querem arriscar, principalmente com uma guerra que lhes pode bater à porta.

 

Nota do Editor: David A. Andelman, colaborador da CNN, ganhou por duas vezes o Deadline Club Award, é cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra francesa e autor de A Red Line in the Sand: Diplomacy, Strategy, and the History of Wars That Might Still Happen e dos blogues de Andelman Unleashed. Era correspondente do The New York Times e da CBS News, na Europa e na Ásia. Os pontos de vista expressos neste comentário são apenas dele

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