Morreu o poeta e escritor Eduardo Pitta

Agência Lusa , FG
25 jul 2023, 14:59
Eduardo Pitta (Facebook)

Tinha 73 anos

O poeta Eduardo Pitta, que morreu esta terça-feira, aos 73 anos, fez da identidade homossexual matéria da sua criação literária, pugnando sempre pela importância de uma literatura ‘gay’ e de os intelectuais homossexuais se assumirem publicamente.

O poeta, que também foi ensaísta e crítico, nasceu em Lourenço Marques, atual Maputo, a 9 de agosto de 1949, tendo vivido em Moçambique até novembro de 1975.

Começou a escrever em 1967 e a colaborar assiduamente em suplementos literários de jornais (Notícias, A Tribuna, A Voz de Moçambique e Notícias da Beira), mas foi em 1974 que publicou a sua primeira obra, o livro de poesia “Sílaba a sílaba”.

Contudo, foi em Portugal que a sua obra atingiu a maturidade, primeiro como poeta, depois como ensaísta e crítico de poesia, e mais tarde como ficcionista, estreando-se com a trilogia de contos “Persona” (2000).

De acordo com a biografia disponível no ‘site’ da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), estes contos expõem o lado oculto da guerra colonial, com a singularidade, nas letras portuguesas, de articular o universo colonial moçambicano com a prática de uma identidade ‘gay’ que faz do homossexual um epítome da decadência do Império.

Ao todo, Eduardo Pitta publicou dez livros de poesia, um romance, duas coletâneas de contos, quatro volumes de ensaio e crítica, duas recolhas de crónicas, dois diários de viagem e o livro de memórias “Um Rapaz a Arder” (2013).

Há 20 anos, publicou o ensaio “Fratura” (2003), sobre homossexualidade na literatura portuguesa contemporânea, no qual defendia que Portugal não tinha a chamada literatura ‘gay’, como existe nos meios literários britânico e americano, com histórias e protagonistas a desenvolverem-se em torno de orientações sexuais minoritárias.

Numa entrevista concedida ao jornal Observador em 2019, ou seja, quinze anos após a publicação do ensaio, Eduardo Pitta revelou que continuava a pensar exatamente o mesmo e que reconhecia nos outros autores falta de coragem, alertando mesmo para a existência de uma “regressão conservadora” nas novas gerações.

Naquele mesmo ano, Eduardo Pitta participou numa palestra na Feira do Livro do Porto, na qual abordou este tema, a partir da questão “A literatura portuguesa continua no armário?”, assinalando que a ficção ‘gay’ portuguesa estava praticamente circunscrita aos seus livros e a algumas obras de Frederico Lourenço e Guilherme de Melo.

A propósito do seu ensaio “Fractura”, Mark Sabine, professor da Universidade de Nottingham, registou estar-se perante a primeira história da homossexualidade literária portuguesa, ao passo que Fernando Cascais considerou que o ensaio “teve o mérito de iniciar […] a um nível de inquestionável qualidade” o debate sobre a existência de literatura ‘gay’ em Portugal, segundo a DGLAB.

Identificado com a geração dos anos de 1970, o seu estilo de escrita tem sido classificado como violento e cortante, com uma visão pulsional e agreste da existência, de ritmo acelerado e cariz autobiográfico, e com narrador centrado na identidade sexual do sujeito.

Em 2010, Eduardo Pitta casou-se com Jorge Neves, seu companheiro desde 1972.

Manteve, desde 2005, o blogue Da Literatura, cuja última entrada data de 04 de abril de 2022.

Em 2021, foi o escritor homenageado na Alvalade Capital da Leitura, ano em que publicou a sua última obra, o livro de contos “Devastação”.

Os seus poemas encontram-se traduzidos em inglês, castelhano, italiano, francês e hebraico.

Tem poemas, contos e ensaios dispersos por revistas literárias de Portugal, Reino Unido, Brasil, Colômbia, Espanha, França e Estados Unidos.

Participou também em congressos, seminários e festivais de poesia em Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia e Colômbia.

Eduardo Pitta estava internado numa unidade de cuidados continuados, em Torres Vedras, devido a complicações de saúde, em consequência de AVC (Acidentes Vasculares Cerebrais) sofridos nos últimos anos, como disse à Lusa fonte da família.

Na página de Facebook do escritor e crítico, podem ler-se versos seus, numa publicação que dá conta da morte: “A vida é uma ferida?/ O coração lateja?/ O sangue é uma parede cega?/ E se tudo, de repente?”.

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