"Uma pessoa que tenha um milhão de euros de património não faz a vida de rico que achávamos": dois fiscalistas analisam a proposta dos ricos que querem pagar mais impostos

6 set 2023, 11:00
Dinheiro quadro pintura

Cerca de 300 pessoas, incluindo milionários, escreveram ao G20 para dizer o seguinte: estão disponíveis para pagar mais impostos porque a riqueza "corrói". Fiscalistas ouvidos pela CNN Portugal defendem que antes de discutir tudo isto convém definir exatamente o que é ser-se rico e quem é que os governos consideram ricos

“Estes níveis acentuados de desigualdade minam a força de praticamente todos os nossos sistemas globais e devem ser enfrentados de frente”, afirma um conjunto de cerca de 300 signatários que se dividem entre diferentes classes - uns são milionários, outros economistas e há também representantes políticos - entre eles os eurodeputados Marisa Matias e José Gusmão. Fizeram-no numa carta aberta dirigida aos países membros do G20. O objetivo? Aumentar os impostos sobre os indivíduos mais ricos e “impedir que a riqueza extrema corroa”.

O fiscalista Tiago Caiado Guerreiro considera este pedido “uma desculpa para os governos incompetentes e demasiado castradores”. Defende que aquilo que os governos que qualificam como “mais ricos” é a classe média, o grupo que acredita que iria ser o mais afetado pelo sugerido aumento de impostos. “Mesmo que incidam sobre os mais ricos, em capital têm grande mobilidade. Podem mudar de país com grande facilidade, o que significa que esses impostos, na prática, vão incidir sobre a classe média.”

O problema, indica Luís Leon, fiscalista e cofundador da consultora Ilya, é que atualmente "uma pessoa que tenha um milhão de euros de património não faz a vida de rico que achávamos". "Nós já não estamos em 1940 nem em 1950." Luis Leon refere que, mesmo que um milhão de euros tenha rentabilidade, uma taxa anual de 5% reflete-se em 50 mil euros por ano. "Se aplicarmos imposto sobre aquilo, são pouco mais de três mil euros por mês. É rico? Acho que não."

Posto isto, faz uma pequena correção, referenciando os milionários noticiados nesta carta enviada ao G20: "Não são milionários, são bilionários". "Aquilo que surge sempre é a conversa sobre os 'Elon Musks', 'Bezos' ou 'Mark Zuckerbergs' da vida, que têm empresas que valem milhões e pagam poucos impostos. Não têm salários, portanto não pagam IRS sobre os salários, ou então não recebem dividendos e pagam impostos relativamente baixos comparados com a riqueza que apresentam."

Por outro lado, Luis Leon acredita que há "um certo marketing associado a estas políticas internacionais" e que é tudo "muito focado nos EUA". "É talvez o país ocidental mais anacrónico porque não tem um sistema nacional de saúde ao nível da Europa, não tem um sistema de Educação decente e gasta barbaridades anuais no Ministério da Defesa." 

E Portugal?

E como é que Portugal se deve posicionar neste tema de aumentar os impostos dos mais ricos? "Nós já somos o 6.º país com maiores impostos da União Europeia e o 9.º da OCDE", argumenta Tiago Caiado Guerreiro, acrescentando que Portugal possui "uma tradição de grande subida de impostos". Por consequência, reitera que são classificadas "pessoas com rendimentos relativamente baixos como fazendo parte dos ricos". 

Luís Leon questiona se, de facto, o aumento da carga fiscal sobre os ricos seria a solução ideal. "Temos uma carga fiscal que, desde 2008 até hoje, aumentou cerca de dois pontos percentuais", observa. "O que é que, do ponto de vista dos nossos impostos, nas últimas décadas fizemos enquanto país?"

Divulgado em abril, o relatório da OCDE diz que Portugal aplica impostos de forma arbitrária e sugere a adoção de políticas que suavizem os efeitos do agravamento fiscal. Espanha — que pertence ao G20 através da União Europeia e não como país individual — avançou este ano com um novo “imposto de solidariedade” sobre as grandes fortunas superiores a três milhões de euros, que vigora pelo menos até 2024 e que o executivo espanhol justifica com a necessidade de financiamento da resposta à crise gerada pela guerra na Ucrânia e à inflação.

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