Ontem milhares nas ruas, hoje um ministro atingido com tinta. Sem soluções, ativistas portugueses "estão a ficar mais radicalizados"

26 set 2023, 22:00
"Sem futuro não há paz": ativistas interrompem evento e atacam Duarte Cordeiro com tinta verde

O protesto ocorreu durante a manhã desta terça-feira numa conferência organizada pela CNN Portugal sobre o tema da energia verde. Poucos minutos depois de iniciar a sua intervenção, o ministro do Ambiente e da Ação Climática foi visado por ativistas da Greve Climática Estudantil que o atingiram com tinta verde. Mais tarde, viriam a justificar a ação pelo facto de o governante comparecer num evento patrocinado pela EDP e pela Galp. Para Duarte Cordeiro, “a intolerância não é caminho para lado nenhum"

O ataque com tinta de que o ministro do Ambiente Duarte Cordeiro foi alvo durante a conferência da CNN Portugal desta terça-feira foi visto com repúdio por parte de vários ambientalistas, sociólogos, empresários e políticos que defendem “outras formas de protesto mais apropriadas” para discutir a urgência climática que o mundo enfrenta. Mas os especialistas ouvidos pela CNN também assumem que estes atos, tidos como radicais, acabam por ter um efeito mais eficaz a vincar as alterações climáticas na agenda mediática.

“Estou solidário com o ministro nesta situação”, começa por salientar o investigador e professor associado na Universidade Nova, João Joanaz de Melo, referindo, no entanto, que a atenção dada por Duarte Cordeiro às matérias relativas às alterações climáticas “tem sido insuficiente”. Por outro lado, lamenta que “quaisquer ações em defesa do clima” que “não vandalizem nada, mas que chamem atenção para o estado altamente preocupante do nosso meio ambiente”, recebam "menos atenção do que esta”.

E há uma explicação para esta tendência no fenómeno das “minorias ativas” popularizado pelo psicólogo social romeno Serge Moscovici. A teoria é a de que estas forças procuram cimentar fricções com o poder político para chegar a uma solução alternativa, insistindo na produção de conflitos ou manifestações mais transgressivas que são facilmente mediatizadas. Exemplo: atirar ovos com tinta a um ministro, mostrar partes íntimas durante o 50.º aniversário do PS ou bloquear a entrada no Conselho de Ministros.

Para José Carochinho, especialista em psicologia social e professor na Universidade Lusófona, este tipo de ações realizadas por ativistas pelo clima pode “encaixar” na determinação de Moscovici. Isto porque, numa conjuntura política favorável ao protesto - desenhada e contornada pela inflação, aumento do custo de vida, baixos salários e carência na habitação - há “uma grande dificuldade em criar grandes aglomerados de pessoas que alimentem os movimentos sociais”, pelo que, “qualquer movimento reivindicativo para ser visível carece de ser mais intrusivo e mais transgressivo e, assim sendo, adquirem o efeito mediático pretendido: uma imagem para as redes sociais, um vídeo para todos os telejornais dos diferentes canais de TV - e essas imagens perpetuam-se no tempo e podem ser repetidas à exaustão”.

E embora a ideia que estes movimentos têm de que quanto mais disruptiva for a ação de protesto maior será a adesão da sociedade civil, o ambientalista Francisco Ferreira, líder da associação Zero, sublinha que outras organizações a nível internacional descobriram, a seu tempo, que protestos violentos e invasivos podem ser contraproducentes. “À escala internacional deixámos de ver museus com quadros a serem atingidos por tinta, ou mesmo bloqueios de estradas no centro de Londres e esta foi uma opção feita depois de uma reflexão por parte desses elementos, simplesmente porque não estavam a conseguir chegar a um consenso junto das populações”, aponta.

Na mesma linha, João Joanaz de Melo observa que estas ações, ainda que “não esvaziem a mensagem, mancham-nas, porque dão um colorido de extremismo e de atitudes pouco cívicas a uma matéria que, por excelência, é de altíssima importância e que a sociedade civil em geral há muitos anos que trabalha para alterar”.

O problema, ressalva Carlos Barracho, politólogo e investigador em psicologia social, é que, como estes movimentos tendem a nascer de um distanciamento elevado entre a política e o cidadão, enquanto o Governo não aceder às exigências deste grupo de ativistas, “estes elementos tendem a ficar mais radicalizados”. “Há que dar respostas”, constata, destacando que o que é importante é o poder político sair do altar”, sob pena de “progressivamente assistirmos a atos mais violentos”.

 

Duarte Cordeiro na CNN Portugal Summit "A nova energia é verde" (Foto: Rodrigo Cabrita)

Sendo certo que, como aponta João Joanaz de Melo, “há muitas formas alternativas e mais pacíficas de discussão” sobre a emergência climática, a verdade é que, lamenta este investigador, “muitas organizações ambientais têm feito várias propostas concretas sobre este tema, nomeadamente relativas à fiscalização ambiental”, mas “o Governo não se mostra interessado em discuti-las”.

“​​Nós estamos muito aquém da ação”, constata, por seu lado Francisco Ferreira. “O caminho que estamos a realizar em Portugal, que é ambicioso, tem erros que nós temos vindo a denunciar.” Entre esses erros apontados pelo ambientalista está a “insistência no gasoduto para hidrogénio no centro de Portugal, quando a entidade reguladora diz que esse não é o caminho a seguir”. “Continuamos a querer que a Europa financie este projeto que nos vai obrigar a investir na exportação de hidrogénio, precisando nós de ainda mais renováveis que vão criar ainda mais conflitos, quando nós em Portugal precisamos de hidrogénio.”

"A minha geração herdou este problema, diz-me como saímos disto?"

As manifestações contra o ataque de que foi alvo o ministro do Ambiente surgiram também da classe empresarial e política, com o presidente da Assembleia da República a destacar que “agredir pessoas, sejam elas quais forem, impedi-las de falar e defender as suas opções, é sempre um ato condenável”. “Invocar a causa ambiental para tentar justificá-lo é um péssimo serviço prestado a essa causa, que bem precisa da nossa ação - democrática, consistente e efetiva”, escreveu Augusto Santos Silva na rede social X.

Já num painel na mesma conferência onde ocorreu o incidente, Miguel Stilwell de Andrade, presidente executivo da EDP, sublinhou que não se sente “de todo um alvo”, pedindo ao mesmo tempo que o debate seja feito "de forma construtiva", num comentário às ações dos ativistas. 

Filipe Silva, CEO da Galp, com quem Stillwell partilhava o painel, admitiu que "há muita frustação", sobretudo entre as gerações mais novas, com o aumento da temperatura do planeta. "Recordo que 83% da energia primária do mundo é fóssil, o problema que temos entre mãos é muito grande e demora tempo. E as alternativas são ainda mais caras", observou. "Quando vejo estes jovens a fazer o que fizeram, gostava de perguntar: 'diz-me, em que te posso ajudar, a minha geração herdou este problema, diz-me como saímos disto'", questionou o presidente executivo da Galp.

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