Querem travar a violência obstétrica, humanizar os partos, respeitar as grávidas. Como é ser doula em Portugal

10 set 2023, 08:00
Doula (Getty Images)

As histórias de Carla e Luísa cruzam-se na primeira vez em que foram mães: cesarianas inesperadas, uma expectativa defraudada e um mergulho num mundo de questões sobre a experiência do parto. E isso bastou para fazê-las parar, pensar e mudar. Carla Silveira trabalhou na área da comunicação e Luísa Condeço ensinava inglês. Hoje, são das mais antigas doulas em Portugal e querem dar às grávidas e aos casais todas as ferramentas para que a chegada de um filho seja um marco positivo - ferramentas essas que dizem não ter tido. Nesta luta está também Mia Negrão, a advogada que também é doula e que levanta a voz contra a violência obstétrica. Mas este nem sempre é um mundo encantado

“Aquilo que era só uma segunda-feira no [hospital] Amadora-Sintra, era o corriqueiro, até para muitas mães e pais. Mas bati num sítio que não conhecia, senti uma revolta interna que não sabia explicar. À minha volta diziam ‘estás viva, o bebé está vivo, porque pensas nisso?’. Não tinha com quem falar do assunto”. 

Carla Silveira, de 50 anos, foi mãe pela primeira vez em 2003 e sentia-se confiante, pronta para o momento. “As mulheres pariram durante tantos séculos, então estou preparada para isto”, dizia para si mesma, alimentando uma confiança que achava ter e ser suficiente para o que aí vinha. Mas as coisas não correram como planeado: foi “surpreendida com uma cesariana” contra a sua vontade e isso acabou por transformar o momento do parto num marco negativo na sua vida. 

“Suspeitava-se que a minha filha tinha mais de cinco quilos, eu tinha a certeza de que nem tinha quatro, tinha feito várias ecografias, mas houve uma espécie de coação do género ‘se quer que o seu bebé morra e que você fique incapacitada o resto da vida, a decisão é sua’. A minha filha nasceu com 3.800 quilos”, conta-nos.

Depois de um parto que em nada se assemelhava ao que desejava ou acreditava ser coerente, Carla entrou numa espiral de questões: porque é que a sua vontade não foi respeitada?, porque é que a preparação para o parto não a preparou devidamente para a realidade?, porque é que se sentia e estava tão sozinha? Hoje já consegue responder a essas questões - “na altura, o curso de preparação para o parto que era muito mais uma forma de nos comportamos como pacientes obedientes do que uma exploração da fisiologia e do que facilita o parto”, atira -, mas foram necessários anos de busca por informação e formação sobre um tema ainda tabu. 

Comecei à procura de informação sobre isto e comecei a encontrar sites internacionais que falavam de doulas e de partos humanizados. Pensei: ‘não estou totalmente louca’. Não há aqui muita informação, mas isto está a acontecer”, recorda. E apenas três anos depois estava a fazer a sua primeira formação de doula e dava início a uma mudança de vida.

Carla Silveira  fundou a MaterLua. Além de doula e formadora, é Rebirthing desde 2014.(Cortesia: Susana Pereira)

O mundo das doulas chegou a Portugal há sensivelmente duas décadas, de uma forma bastante tímida. Ainda hoje o é. Fala-se mais do assunto e facilmente uma pesquisa em redes sociais nos leva a uma doula ou há sempre alguém próximo que conhece uma doula. Porém, o estigma e as dúvidas sobre o que de facto fazem estes profissionais ainda existem. 

Quem se dedica a esta tarefa, que agora é para muitos uma profissão a tempo inteiro, fá-lo sobretudo porque, tal como Carla, entrou num mundo muito diferente daquele que pensaria ser o seu no momento do parto. Há uma necessidade de sarar o seu próprio parto. E foi isso o que aconteceu também a Luísa Condeço, de 52 anos. 

“O meu primeiro filho nasceu há 24 anos. Tinha feito a preparação para o parto com uma enfermeira especialista em Évora, onde vivia e vivo. O meu médico assistente ofereceu-me um parto induzido às 39 semanas porque apenas fazia partos às terças-feiras. Mas a indução não correu tão bem como o esperado, foi longa e difícil em termos físicos, pela dor, emoção, isolamento e solidão. Foi uma cesariana. A experiência [do parto] foi muito dolorosa em muitos aspetos”.

Seis meses depois de dar à luz, e ainda a sentir-se “defraudada, frustrada, assustada”, Luísa questionava-se sobre o que tinha acontecido e sobre o que sentia. Mas questionava-se, sobretudo, se era suposto ter tantas questões. “Em conversa com uma amiga minha com acesso à internet, que eu não tinha, ela falou-me da profissão de doula, de pessoas que ofereciam informação e que davam apoio a mulheres na gravidez, parto e pós-parto. Percebi imediatamente que era isso o que queria fazer”.

“Na altura, tornei-me autodidata, não havia ainda formação em Portugal. Três anos [2001] depois fiz a minha primeira formação com Michel Odent [médico obstetra francês] que faz formação para doulas há 40 anos”, conta. Mas do autoconhecimento à dádiva de conhecimento a outros foram apenas necessários quatro anos: “em 2005, com amigas, criámos a Associação de Doulas de Portugal, a primeira no país”.

Não se sabe ao certo quantas doulas há em Portugal, nem tão pouco estamos a falar de uma profissão regulamentada, mas tanto Carla como Luísa garantem que há cada vez mais quem procure ser doula ou, pelo menos, mesmo não querendo dedicar-se em pleno a esta função, procure saber mais sobre o conceito e até levá-lo para o seu dia-a-dia, para a sua área profissional, para o seu leque de pessoas mais próximas. E aqui incluem-se profissionais de saúde - como médicos, enfermeiros e psicólogos - que procuram as formações de doula não para mudarem de carreira, mas para tornarem os partos mais humanizados, menos mecânicos, acabando até por fazer parte das várias associações que existem.

Afinal, o que é ser doula? 

Por definição, doula é a mulher que dá apoio e formação a outra mulher durante a gravidez, no parto e após o parto. E quem diz mulher, diz homem - como o Mário - e quem diz grávida, diz mulher que quer engravidar, diz casal. “Há muita pressão no companheiro para ser o coach da mulher e esquecemo-nos muitas vezes que está ali alguém que vai acabar por nascer também. Estamos muitas vezes focados na pessoa que vai parir, mas esquecemo-nos que há outra pessoa naquele papel que precisa de apoio, suporte, de ser vista, reconhecida”, adianta Luísa Condeço.

Ao contrário do que se pensa, a doula não é uma parteira e, por isso, não faz partos. Nem tão pouco é única e exclusivamente defensora de partos em casa. Ou de partos dentro de água. Pode estar presente neste tipo de escolha da gestante ou dos pais, mas dá apenas apoio emocional, toda a ação médica é do profissional de saúde. “Há tantos mitos, de que só fazemos partos, comemos placenta e andamos nuas à lua”, diz-nos, em risos, Luísa Condeço, apesar de admitir que ainda há um longo caminho pela frente contra o estigma sobre o que é ser doula.

A doula apenas cumpre desejos, é a “mulher que serve”, como sugere a palavra em dúle, de onde vem o termo. A doula também não faz as vezes do(a) companheiro(a), nem opina sobre os procedimentos médicos necessários para um parto seguro. Pode lembrar o médico e a equipa do que consta no plano de parto, como explica Carla Silveira, que reconhece que, embora o conceito de doula caminhe na direção do conhecimento e apoio à grávida e casal, há ainda quem adote caminhos mais fundamentalistas, aquilo que diz ser um risco e que coloca em causa a confiança perante o conceito de doula.

“Tivemos muitas colegas a assumirem um lugar que não era o delas. Aqui, o médico está no direito de tirar a doula de lá [do momento do parto]”, afirma Carla Silveira, sem hesitar. Da mesma opinião é Luísa Condeço, que considera que “o que acontece ainda é o medo de profissionais de saúde de que as nossas profissões se cruzem”.

Na Rede Portuguesa de Doulas, que ajudou a fundar, há “um código de ética sobre atos médicos, de diagnóstico, há uma série de coisas que a doula não pode nem deve fazer”, adianta.

Luísa Condenço é uma das fundadoras da Rede Portuguesa de Doulas. Em mais de 20 anos, já acompanhou mais de 1.500 famílias (Cortesia da própria)

Há doulas que trabalham mais o lado espiritual da gestante e/ou do casal, e há aquelas que se focam mais no físico, no corpo da mulher, no corpo do bebé, naquilo que a ciência diz sobre um parto saudável. Há quem alie o melhor de ambos os mundos e há quem seja apenas procurado para dar apoio logístico, aquela “mãozinha” que muitos casais precisam sobretudo no pós-parto: “podemos aparecer com uma sopa quente, roupa lavada e passada a ferro, fazemos um banho de ervas, passeamos um cão, há mil e uma tarefas que podem ser feitas por uma doula no pós-parto”, explica Luísa.

Mas, afinal, o que faz uma doula? Muita coisa, na verdade. “A doula traz mais informação, um apoio prático e efetivo no parto e traz apoio emocional”, explica Carla Silveira, dizendo que esse apoio emocional chega a ser determinante nos casos de mães solteiras, mulheres que por vontade própria ou força das circunstâncias abraçam a maternidade sozinhas, ou simplesmente em casais que se sentem inseguros e ansiosos, sobretudo numa fase crítica para os serviços de obstetrícia de alguns hospitais portugueses. O foco é muitas vezes o momento do parto, mas o acompanhamento pode também acontecer já quando o bebé nasceu. E quando não nasceu.

Carla Silvério, fundadora do MaterLua, diz ainda que a doula pode ser uma “almofada emocional” nos casos de perda gestacional ou na interrupção voluntária da gravidez (IVG). Naquele que nem sempre é o lado cor-de-rosa da maternidade.

“A principal mais-valia que o meu apoio traz é esta compreensão de que a mãe e o pai têm do lado deles a informação que os deixa livres e com autonomia para tomarem a melhor escolha para aquele momento”, esclarece. E essa informação diz respeito à fisiologia do parto, da mãe e do bebé, à importância de respeitar a vontade da mãe, “os tempos e ritmos” da mãe e do bebé. “Esse respeito é fundamental para que tudo tenha o seu tempo e espaço de acontecer”, continua.

Embora muitos casais procurem uma doula para a preparação do parto, é no pós-parto, quando as emoções ainda estão à flor da pele, as hormonas a estabilizar, que a doula pode também ser uma aliada. Por vezes, é ela que percebe que a mulher já não está apenas na fase de baby blues - embora esteja presente, sai facilmente fora da ‘bolha’ da maternidade que a mulher e/ou o casal vive, consegue ter o distanciamento necessário para perceber que algo não está bem. O suporte emocional, continua Carla Silveira, “traz muito mais calma, uma possibilidade real de olhar para aquele evento para além de uma questão de sobrevivência”. 

A doula é a profissional cujo objetivo é trazer o bem-estar dentro das regras da outra pessoa, às vezes nem os familiares e amigos conseguem essa distância. Cabe-nos perguntar: ‘o que vocês querem mesmo?’”, continua Luísa Condeço.

Na MaterLua, por exemplo, é dada uma formação que “é de espectro total, inclui tudo o que pode acontecer na vida da mulher”, incluindo a interrupção voluntária da gravidez (IVG) ou a perda gestacional. “Preparamo-nos para isso e oferecemos isso às nossas formandas”. 

Nos casos de aborto, apesar de o procedimento ser legal em Portugal, Carla reconhece que o “caminho” que a mulher tem de fazer “é muitas vezes sinuoso”, sobretudo se estiver sozinha e a doula pode ser a companhia que muitas vezes falta. “O que a doula pode oferecer, além do conforto emocional, é facilitar esse caminho, estar presente no momento da IGV, ser um amortecedor emocional numa decisão que por muito segura que esteja, não é fácil”.

Mais do que apoio emocional, há também a procura de informação

Atualmente, quem procura uma doula é sobretudo o casal ou a mulher “com algum poder económico, formação académica superior e bom acesso a informação”, diz Carla Silveira, que adianta que a maioria dos casais que a procuram são “estrangeiros que vivem cá”. “Mais de metade do meu trabalho é com casais estrangeiros, estão muito mais habituados a que seja uma realidade no país de origem, e cá não têm família perto, um amigo próximo, querem ter um acompanhamento deste género”. 

Mas há também quem queira uma doula ou até fazer formação pela “curiosidade de perceber que não tem de levar com a violência obstétrica, que não tem de chegar ao hospital a dizer sim a tudo”, diz Carla Silveira, que acredita que “quando as pessoas começam a fazer perguntas é provável que cheguem a doulas e queiram ter uma doula”. 

Um recente estudo veio revelar que as grávidas portuguesas são das mais submetidas a práticas não recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). E foi (e é) toda esta questão da violência obstétrica que levou Mia Negrão, de 32 anos, ao mundo das doulas. Advogada de profissão, foi “através de grupos de Facebook” que começou “a perceber que havia muitas injustiças na obstétrica e percebi que as doulas tinham informação essencial sobre a fisiologia do parto”. Em 2016 fez um curso de doula focado na fisiologia do parto, “mas não na ótica de querer ser doula, só queria recolher informação, queria ter informação enquanto advogada”. 

“Mas a vida trocou-me as voltas. Uma amiga minha engravidou e disse que me queria como doula, ainda a tentei convencer a não ser eu a doula dela, mas ela disse que só queria se fosse comigo. E lá aceitei, acompanhei o primeiro parto e adorei”, conta-nos, dizendo que foi a partir desse momento que começou a conciliar a vida de advogada com a de doula.

Para a criadora da página Nascer com Direitos, que nasceu com o objetivo de “promover as boas práticas clínicas e prevenir a violência obstétrica, mas também atuar na resolução dos conflitos que possam surgir nesse âmbito”, ser doula “é um trabalho muito gratificante”, sobretudo pela informação que dão às grávidas. 

A doula não toma decisões por ninguém nem leva as grávidas a tomar decisões, a doula está sempre com um suporte informativo e emocional ao garantir que há espaço para ter dúvidas e inseguras. Acolhe todos esses medos e insegurança para que o parto seja mais favor da sua vontade”, explica Mia Negrão.

E parte da informação que Mia partilha com as suas clientes diz respeito à violência obstétrica, aos limites que a grávida pode colocar no momento do parto, ao que pode ou não aceitar. E essa informação e preparação que dão, muitas vezes, acabam por ser uma barreira nos hospitais portugueses, embora essa barreira, assegura, seja cada vez mais ténue.

“As doulas ainda não são bem vistas pela maioria dos profissionais de saúde. Muitas vezes, o médico anestesista pede ao acompanhante para sair para fazer a epidural, assim como num parto instrumentado. Mas as coisas têm estado a mudar, não apenas pela força da lei, mas pela pressão que os casais fazem”, diz, vincando que “a pandemia foi um catalisador desta mudança, antes havia este problema, os acompanhantes não poderiam estar presentes, mesmo com a lei a permiti-lo desde 2019”.

“Durante a pandemia, como viram muitos direitos a serem restringidos, os casais começaram a questionar-se se a mulher vinha para parir completamente sozinha, começaram a fazer reclamações” e, sobretudo, a procurar mais informação e apoios.

Mia Negrão é advogada, doula e formadora. Criou a página Nascer com Direitos para dar informação e prevenir a violência obstétrica (cortesia da própria)

Um apoio que pode custar umas boas centenas de euros, mas que não quer deixar ninguém de fora

Ainda antes da nossa conversa telefónica para este artigo, Carla deixou o aviso que poderíamos ter de adiar a entrevista, uma vez que estava previsto ter um parto próximo da data combinada. Ser doula é dedicar-se em pleno à mulher ou casal que acompanha, é estar ligada e disponível 24 horas por dia, sete dias por semana. “É o ir jantar fora e olhar para o telemóvel 20 vezes a noite inteira e certificar se tenho rede”, exemplifica, em risos, Luísa, que já acompanhou cerca de 500 partos e deu apoio a 1.500 famílias.

“O trabalho mais difícil da doula é estar on-call. Tenho um parto para outubro, o meu marido faz anos dois dias depois da previsão de parto, não posso fazer uma viagem, tirar férias. Tenho de garantir a minha disponibilidade para essas alturas”, explica Mia Negrão.

Esta necessidade de estar ligada sempre faz com que muitas pessoas não consigam conciliar a vida profissional com a profissão de doula - a própria Mia sentiu a necessidade de parar três anos para se dedicar apenas à advocacia. Mas quem opta por ser apenas doula acaba por encontrar algumas barreiras financeiras.

“O que nós recebemos não nos permite pagar as contas”, reconhece Carla Silveira. Embora se dedique a tempo inteiro à profissão de doula e de formadora de doulas após longos anos no jornalismo e na comunicação, Carla diz que este é um trabalho de proximidade e a proximidade limita, sobretudo financeiramente. “Não posso acompanhar 30 mulheres por mês, duas a três no máximo e datas de parto não podem coincidir”, explica.

“Faço sessões só de gravidez, também sessões avulsas, mas não é a minha forma preferencial. O acompanhamento da doula é um todo, na gravidez, parto e pós-parto, assim traz mais benefícios”, continua. 

Quanto a preços, fala-nos por alto: “uma sessão só pode ir de 30 a 100 euros, depende do que inclui. Um serviço completo, com sessões pré-parto, pós-parto e presença no parto incluída, mesmo não sabendo quanto tempo demora um parto - se demorar dias não vamos a casa, os nossos filhos ficam com alguém, às vezes temos de pagar isso - depende muito de doula para doula, da minha experiência, varia entre 400 e 800 euros”. Mas diz que há quem cobre mais, o que não condena. “Para sermos justas deveríamos cobrar mais, estamos sempre on-call, é um compromisso muito sério. Para quem tem filhos, eu sou mãe solteira, é complicado arranjar alguém, é uma logística de vida que não é simples. Mas se aumentarmos muito, as pessoas deixam de ter capacidade”, lamenta.

Mas a capacidade financeira não tem de ser um entrave, assegura Carla Silveira, que diz estar a trabalhar “num programa de doulas voluntárias para mulheres em situação vulnerável”, assim como já faz no Centro Português de Refugiados. “Vamos abrir a outros programas com reclusas, toxicodependentes, mulheres em casas de acolhimento, situações em que as mulheres já estão a ser acompanhadas através de alguma instituição e faremos uma parceria com essa instituição. Isto é situações em que as mulheres estão a parir sozinhas, precisam de alguém ao lado, sem julgamento”.

A doula pode fazer apenas o acompanhamento da gravidez, como também estar presente no parto e prestar auxílio - emocional ou logístico - no pós-parto. Informar, ouvir e apoiar são as suas principais funções (Freepik)

Formar para cuidar (muitas vezes delas próprias)

Luísa Condeço deu durante anos formações de doula na Associação de Doulas de Portugal, mas aos poucos percebeu que mais do que estar preparadas para o parto e para a maternidade, muitas mulheres procuravam sarar feridas e traumas, tal como a própria precisou. 

“Na altura comecei a ter consciência de quem chegava para ter formação estava claramente traumatizada e sem ter consciência disso, procurava informação e validação da sua dor física e emocional. Estive lá [na Associação de Doulas de Portugal] até 2010 e apercebi-me que não poderíamos dar uma formação única e simplesmente baseada em ciência, precisávamos de cuidar do lado humano, dar aporte e suporte emocional a quem vinha fazer formação”. E foi assim que, há 13 anos, conta-nos, nasceu a Rede Portuguesa de Doulas, tendo, até então, formado cerca de 800 pessoas, “mas nem todas estão a trabalhar, muitas fazem a formação por si mesmas”. 

Carla Silveira diz que já acompanhou cerca de “300 e poucas” mulheres grávidas, mas adianta-se a dizer que este número não “contabiliza só os partos” a que assistiu, “muitas vezes não assistimos ao parto, podemos não chegar a tempo, podem não nos deixar entrar, a mulher pode não ter querido a nossa presença lá”.  Atualmente, Carla dedica-se mais à função de formadora e desde 2018, quando fundou a associação MaterLua, já deu sete formação de doulas de parto e quatro de doulas pós-parto. “Já formamos cerca de 100 doulas”, enumera. Mas nem todas as pessoas formadas entram ou querem entrar neste mundo.

“Há muitas doulas formadas em Portugal, mas muito poucas a trabalhar com consistência. É um grande desafio trabalhar como doula. Da minha formação [inicial], éramos 30, devemos continuar no mercado duas ou três e nem todas a trabalhar só com isto”, diz. Além disso, continua, muitas querem apenas ter ferramentas para si mesmas.

“Há muitas mulheres que vêm fazer a formação sem o intuito de trabalhar como doula, vêm para curar a sua história de parto, ter mais informação para quando forem mães. Temos cada vez mais jovens entre 22 e 25 anos que dizem ‘quando for mãe já quero ter esta informação’. Chegam muito pelo desenvolvimento pessoal, há também muitas enfermeiras e médicas, para humanizar mais a experiência da grávida”, diz Carla Silveira.

E o mesmo acontece na Rede Portuguesa de Doulas: “temos no nosso leque de pessoas que tiveram formação connosco pessoas sem profissão, mães a tempo inteiro, duas cirurgiãs, três obstetras, muitas médicas, muitas enfermeiras especialistas e não especialistas, professores”, conta Luísa, que diz que são os profissionais de saúde aqueles que têm mostrado mais interesse: “muitos da área da Medicina chegam até nós porque sentem que falta alguma coisa a nível humano na sua formação”.

Embora a presença de doulas nos hospitais públicos portugueses sejam ainda uma questão não consensual, há unidades, como a da Póvoa do Varzim, e profissionais de saúde, que olham para as doulas como um complemento ao parto, como uma presença bem-vinda. É, pelo menos, isso o que Luísa tem vindo a sentir ao longo destes anos,

“Sinto que somos cada vez mais aceites pelos profissionais de saúde, que começam a entender que é uma mais-valia. Aliás, mais de um terço das doulas da RPD são profissionais de saúde”.

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