Da comichão ao cancro. O que são as doenças sexualmente transmissíveis e quais as consequências

30 abr 2022, 15:00
Em 2020, um estudo do Instituto de Saúde Pública da U.Porto (ISPUP), publicado na revista Sexually Transmitted Diseases, concluiu que a clamídia, a gonorreia e a sífilis são as doenças sexualmente transmissíveis mais comuns entre homens jovens e heterossexuais. (Pexels)

O sexo protegido, os rastreios e, em alguns casos, a vacinação (HPV e hepatite B), por exemplo, são as formas mais eficazes de prevenir uma doença sexualmente transmissível.

Tal como o nome indica, as doenças sexualmente transmissíveis (DST) são aquelas cujo contágio acontece durante o ato sexual. Na sua origem estão bactérias, vírus e parasitas que podem estar no sangue, sémen ou outros fluídos corporais. Estes agentes infecciosos podem ainda estar à superfície, na pele ou nas mucosas da zona genital, o que aumenta o risco de transmissão mesmo que não haja penetração.

“As doenças sexualmente transmissíveis podem originar cancro, podem levar a uma perda de qualidade de vida, podem levar a infertilidade”, diz Ana Meirinha, médica urologista e andrologista no Hospital Lusíadas Lisboa, quando questionada sobre um recente estudo que mostra como os jovens estão a deixar de usar tanto o preservativo e à "falsa sensação de segurança" em relação às DST.

“Há doenças [sexualmente transmissíveis] que são só incomodativas, as pessoas têm comichões, uma dor e pouco passa disso, mas há outras que a longo prazo podem levar à infertilidade e apertos da uretra, que é chatíssimo de tratar e, em alguns casos, não se trata e as pessoas acabam com um tubinho na barriga para fazer chichi. Outras podem ser doenças crónicas, a sífilis, por exemplo, pode evoluir para neurosífilis, com afeção da parte cognitiva”, explica Ana Meirinha.

Segundo os dados mais recentes, e que são referentes a 2018, foram reportadas 663 casos de clamídia, 976 casos de gonorreia, 179 casos de hepatite B (embora esta possa ser transmissível também com a partilha de objetos e não apenas por via sexual) e 996 casos de sífilis não congénita. Estes dados constam no Portal da Transparência, que apresenta dados relativos às Doenças de Declaração Obrigatória - nas quais se incluem algumas DST.

Em 2020, um estudo do Instituto de Saúde Pública da U.Porto (ISPUP), publicado na revista Sexually Transmitted Diseases, concluiu que a clamídia, a gonorreia e a sífilis são as doenças sexualmente transmissíveis mais comuns entre homens jovens e heterossexuais e que as as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto são as zonas com uma maior taxa de notificação destas três DST.

O sexo protegido, os rastreios e, em alguns casos, a vacinação (HPV e hepatite B), por exemplo, são as formas mais eficazes de prevenir uma doença sexualmente transmissível.

Segundo a Associação para o Planeamento da Família (APF), são 11 as doenças sexualmente transmissíveis mais comuns, sendo as três primeiras as mais frequentes em Portugal.

Sífilis

O que é? Doença infecto-contagiosa, venérea, provocada pela bactéria Treponema pallidum. O período de contágio pode ser de dois anos.

Quais as consequências? A doença manifesta-se em diferentes lesões (feridas na zona genital ou boca e manchas vermelhas, por exemplo) e pode afetar o sistema nervoso e o coração, por exemplo. A sífilis “pode evoluir para neurosífilis, com afeção da parte cognitiva”, explica Ana Meirinha.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Sim. “As mulheres grávidas também podem transmitir a infeção ao feto ocasionando aborto, parto prematuro ou doença grave do recém-nascido”, explica a APF. Neste caso, está-se perante a sífilis congénita.

Como se trata? Por norma, através de injeções de penicilina, mas cada caso é um caso. 

Clamídia

O que é? Doença causada pela bactéria Chlamydia trachomatis. Esta bactéria pode aparecer nos órgãos genitais, ânus e boca.

Quais as consequências? “No caso dos homens pode causar uretrite (infeção da uretra), nas mulheres cervicite (infeção do colo do útero) e em ambos os géneros proctite (infeção do reto)”, explica a APF.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Sim, da mãe para o feto durante a gravidez ou o recém-nascido durante o parto.

Como se trata? A toma de antibióticos é o tratamento padrão.

Gonorreia 

O que é? Doença causada pela bactéria Neisseria gonorrhoeae.

Quais as consequências? Nas mulheres, “nos casos mais graves a doença pode causar complicações severas como endometrite, salpingite, doença inflamatória pélvica (DIP), infertilidade e gravidez ectópica”, diz a associação, que adianta que, nos homens, “a infeção da próstata (prostatite) ou do epidídimo (epididimite)” são as complicações.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Sim, no momento do parto a mãe pode contagiar o recém-nascido, mas é a via sexual a forma mais comum de contágio.

Como se trata? A toma de antibióticos é o tratamento padrão.

VIH/Sida

O que é? A sida é uma doença causada pela infeção pelo VIH e que se caracteriza pela diminuição ou destruição de reações imunitárias do organismo, as chamadas defesas. “São poucas as pessoas que evoluem para sida, mas é [um vírus] muito inibitório nas relações e na própria maternidade, a mulher pensa muito se quer ter uma criança, apesar de haver formas de prevenir, mas não são eficazes a 100%”, adianta a médica, que destaca ainda que “os primos do VIH levam a formas de leucemia e linfoma”.

Quais as consequências? “Febre, manchas avermelhadas com relevo dispersas pela pele ou na cavidade oral, gânglios inchados na zona lateral do pescoço e axilas, dores musculares e/ou nas articulações, dor de garganta e/ou amígdalas inchadas, cansaço, perda de peso” são os primeiros sinais de infeção, que se não for tratada pode escalar para doença (sida) e comprometer todo o sistema imunitário.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Sim. “O vírus VIH encontra-se principalmente no sangue, no sémen, no líquido pré-ejaculatório, nos fluidos vaginais de pessoas infetadas e também no leite materno”, diz a APF. Deste modo, a troca de objetos com uma pessoa infetada - como seringas - é também um fator de contágio.

Como se trata? Não há cura para a sida, mas hoje em dia é possível viver com o vírus sem grande impacto para a saúde e qualidade de vida. Os medicamentos antirretrovirais são usados para baixar a quantidade de vírus para valores mínimos, mas sem serem capazes de o fazer desaparecer do organismo.

Vírus do Papiloma Humano-HPV

O que é? “O vírus do papiloma humano (HPV) é responsável por um elevado número de infeções que na maioria das vezes não apresentam sintomas e são de regressão espontânea. Esta é uma das infeções de transmissão sexual mais comuns a nível mundial", destaca a Direção-Geral da Saúde no seu site. Segundo o organismo, o vírus do papiloma humano "engloba mais de 200 vírus relacionados”.  

Quais as consequências? No caso de HPV transmitido por via sexual, há o de baixo risco que não causa cancro, mas pode causar verrugas nos órgãos genitais e ânus - "os tipos 6 e 11 do HPV são os mais frequentes", diz a DGS -, e o de alto risco, que pode originar uma doença oncológica, "cerca de 12 tipos de HPV de alto risco foram identificados, de entre os quais, os tipos 16 e 18 do HPV", segundo a DGS. Nos homens, o HPV pode levar ainda “a lesões desfigurantes dos genitais, lesões que podem resultar em lesões malignas”, alerta Ana Meirinha.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Sim, pode ser transmitido no parto, embora a via sexual seja a forma de contágio mais recorrente. 

Como se trata? “Existe tratamento para as lesões (verrugas) provocadas pela infeção por HPV, de acordo com a orientação médica. Pode variar entre eletrocoagulação, laser, crioterapia ou excisão cirúrgica”, lê-se no site da DGS.

Hepatite B

O que é? O VHB é o vírus que causa a hepatite B, uma inflamação do fígado que pode ser aguda ou grave.

Quais as consequências? Cirrose e cancro no fígado são duas das consequências. O site do Serviço Nacional de Saúde avança com mais: “nos casos mais graves pode ocorrer insuficiência hepática (falência do funcionamento do fígado), caracterizada por icterícia, acumulação de líquidos e confusão mental”.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Sim, pode ser também transmitido de mãe para filho e através de partilha de objetos que possam conter sangue contaminado (e que vão de seringas, a agulhas e até escovas de dentes).

Como se trata? A vacinação é uma forma de proteção e, por norma, em casos de hepatite aguda, o sistema imunitário consegue controlar o vírus em seis meses, sem que seja necessário um tratamento. “Na hepatite B crónica, a terapia antiviral está muitas vezes recomendada, atingindo-se o controlo do vírus na grande maioria dos casos”, lê-se na página do SNS.

Herpes genital

O que é? Doença de transmissão sexual que afeta a zona genital e que é causada pelo vírus Herpes simplex. Segundo o site da CUF, “existem dois tipos de vírus Herpes simplex (VHS-1 e VHS-2). O VHS-2 costuma transmitir-se por via sexual e o VHS-1 em geral infeta a região oral, nasal ou, mais raramente, os olhos. Ambos os tipos podem atingir os órgãos genitais e a pele que rodeia o reto ou as mãos (especialmente os leitos das unhas) e podem ser transmitidos a outras partes do corpo”.

Quais as consequências? “Na maioria das vezes, o herpes não causa sintomas. Noutros casos provoca episódios mais ou menos frequentes de lesões, que em cada surto se localizam na mesma área genital. O intervalo entre os episódios de lesões é muito variável e imprevisível”, explica a Associação para o Planeamento da Família.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? O sexo oral, vaginal e anal é a forma de contágio, mas pode ser transmitido de mãe para recém-nascido, sendo a cesariana uma forma de evitar.

Como se trata? Não há cura para o herpes, mas terapêuticas com aciclovir ou os fármacos antivirais ajudam a controlar o vírus, mas não impedem que este volte a ‘atacar’.

Tricomoníase

O que é? “A tricomoníase é uma infeção dos aparelhos genital e urinário, provocada por um protozoário flagelado chamado Trichomonas vaginalis. Nos adultos, esta infeção é transmissível exclusivamente por via sexual”, explica a página METIS, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Quais as consequências? Corrimento, prurido e sensação de necessidade de urinar são os sintomas e consequências mais comuns tanto em homens como em mulheres.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Segundo a METIS, “nos adultos esta infeção é transmissível exclusivamente por via sexual sendo, por isso, considerada uma infeção sexualmente transmissível (IST). As mulheres podem adquirir a doença de outras mulheres, mas os homens geralmente não transmitem a infeção a outros homens. A coexistência de Trichomonas vaginalis e de agentes patogénicos da vaginose bacteriana é comum, com taxas de co-infecção (presença das duas infeções) de 60 a 80%”.

Como se trata? Não há cura e o tratamento passa por antibióticos. “Os parceiros sexuais devem ser tratados ao mesmo tempo e só devem voltar a ter relações após o tratamento e quando já não houver manifestação de sintomas”, diz a associação.

Pediculose Púbica

O que é? “Doença contagiosa que resulta da infeção por um parasita, o Phthirus pubis (chatos), que infeta os pelos do púbis e coxas, podendo atingir outros pelos do corpo como os das axilas, tronco, barba ou mesmo pestanas”, escreve a APF.

Quais as consequências? Comichão e manchas são os sintomas e o tratamento ajuda a que não haja consequências para lá disso.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Sim, pode haver transmissão pela partilha de roupas contaminadas.

Como se trata? O uso de medicamentos tópicos inseticidas, loções ou cremes, próprios faz parte do tratamento.

Escabiose

O que é? A escabiose, diz o SNS, “vulgarmente conhecida por sarna, é uma infestação cutânea contagiosa, que resulta numa erupção da pele com um padrão característico, causando intensa comichão”. A causa desta doença é o ácaro Sarcoptes scabiei.

Quais as consequências? Borbulhas e pruridos são as principais manifestações e, segundo a APF, “na escabiose não tratada pode ocorrer uma infeção secundária das lesões, por bactérias, o que complica a doença”.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Sim. Tal como a pediculose pública, pode haver transmissão pela partilha de roupas contaminadas.

Como se trata? A aplicação na pele de loções ou cremes inseticidas, que ajudam a matar o parasita, é o tratamento mais comum.

Molusco Contagioso

O que é? Doença causada pelo vírus Poxvirus.

Quais as consequências? “As lesões são geralmente assintomáticas, mas pode existir comichão ou inflamação (por coceira). Nos imunodeprimidos podem estender-se a várias partes da pele e/ou confluir formando massas volumosas”, diz a associação, que lista toda a informação sobre doenças sexualmente transmissíveis.

Transmite-se de outra forma para lá do contacto sexual? Sim, “Pode, muito raramente, ocorrer transmissão através de objetos ou roupa (toalhas) em ambientes húmidos (saunas, piscinas)”, segundo a APF.

Como se trata? Não há um tratamento específico e, por norma, a abordagem inicial passa pelo uso de “produtos corrosivos”, explica a CUF. Estes produtos ajudam a “destruir os moluscos e provocar alguma irritação em volta das lesões”.

 

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