Benfica-Sporting, 2-1 (crónica)

David Marques , Estádio da Luz, Lisboa
12 nov 2023, 23:00

Ter na alma a chama imensa

O dérbi eterno foi aquilo que faz dele, há mais de 100 anos, um jogo apaixonante. Teve alternâncias de ascendente, alta tensão, muita luta, uma expulsão e um final absolutamente caótico, quando o Sporting parecia a caminho de sair da Luz com a liderança reforçada, o estatuto fortalecido de melhor equipa desta Liga e acabou derrotado com dois golos já em tempo de compensação.

O dérbi começou por ser o jogo de desencaixes que Ruben Amorim previu. Porque o Benfica desfez o 3x4x3 do desastroso jogo a meio da semana para a Champions e recuperou o 4x4x2 ao qual, apesar de todas as carências que ele tem, está mais habituado.

Os encarnados foram melhores durante mais tempo na primeira parte. Mais agressivos nos duelos e objetivos com bola. Durante os 20 minutos iniciais, as equipas pareciam a antítese do que os sinais prévios ao dérbi pareciam anteviam. O Benfica uma equipa governada e hiperconfiante; o Sporting a duvidar de si próprio.

João Neves e Florentino superiorizaram-se no meio-campo a Hjulmand e ao regressado Morita, Rafa, a partir da esquerda, mas sempre em busca do espaço, encontrou-o e esteve perto de marcar aos 9 e aos 12 minutos.

Gradualmente, o Sporting estabilizou. Começou a ter mais bola e a ser mais eficaz na pressão, impedindo o Benfica de chegar com a mesma facilidade ao ataque. Depois, duas ocasiões de Diomande e de Pote – ambas negadas por Trubin – mostraram que os leões queriam tanto ganhar o jogo como as águias e agarrar o «seis» que Amorim não se cansara de repetir na conferência da véspera.

E do dérbi começava a sobressair uma evidência. A de que o Benfica deixara de condicionar com a mesma eficácia o Sporting e que havia muito campo aberto para os visitantes no meio-campo ofensivo. Nas subidas a solo de Matheus Reis pela esquerda; nas vezes em que Gyökeres conseguia desencaixar dos defesas e virar-se de frente para a baliza de Trubin; mas, sobretudo, quando Edwards recebia a bola e ultrapassava adversários e servia os companheiros.

Foi dele o soberbo passe que deixou Pote na cara do guarda-redes do Benfica e seria dele, após deixar o lateral-esquerdo Morato para trás de forma brilhante, o lançamento para o golo de Gyökeres na última jogada da primeira parte de um dérbi nervoso e intenso.

O dérbi dos desencaixes mudou aos 51 minutos, quando Gonçalo Inácio foi expulso por acumulação de amarelos após falta sobre Rafa. A partir daí, a bola foi do Benfica e o jogou-se sobretudo nas imediações da área de Antonio Adán.

Mas quase nunca suficientemente perto do guarda-redes espanhol. Amorim ajustou rapidamente, retirando Edwards e colocando St. Juste, e o dérbi passou a ser, com o leão reduzido a dez, um jogo de encaixes. O que dizia muito sobre o governo de uma equipa, mesmo com dez, e o desgoverno de outra.

As substituições de Schmidt, quase todas incompreendidas pelos adeptos, não melhoraram a equipa. Tornaram-na, até, mais facilmente anulável e, até, permeável a contra-ataques.

Até aos derradeiros instantes, altura em que o dérbi ganhou uma dimensão que transcende a lógica que o Futebol insiste em fintar, o melhor que o Benfica tinha feito após ter estado em superioridade foram remates perigosos de João Mário e de Di María, mas os dois de fora da área.

No quarto de seis minutos de compensação dados por Artur Soares Dias, as clareiras que começavam a ver-se nas bancadas da Luz denunciavam a desistência dos adeptos de uma equipa.

Só que a equipa, mesmo com todos os seus (muitos) defeitos, não desistiu. Trubin subiu à área leonina em duas bolas paradas seguidas e, na segunda, o melhor do Benfica na noite elevou-se também à categoria de melhor em campo, repetindo Alvalade na época passada: João Neves.

Aí, acendeu-se a luz da esperança. Acendeu-se também a Luz para segundos finais de absoluta loucura.

E o Benfica frágil tornou-se no Benfica campeão nacional que é. Numa equipa com alma e chama imensa.

No último fôlego do dérbi eterno, os mais de 60 mil adeptos nas bancadas assistiram a um plot-twist digno das melhores produções de ficção de Hollywood. Aursnes, o lateral-direito adaptado, a cruzar para que Tengstedt, o último dos avançados na hierarquia do plantel, fosse herói improvável e decidisse, com o selo do VAR, um dérbi que será lembrado por muito tempo e que terminou com um novo líder do campeonato.

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