A plataforma de gelo que sustenta o glaciar Doomsday poderá quebrar nos próximos cinco anos, alertam os cientistas

CNN , Rachel Ramirez
22 jan 2022, 07:45
Imagens de satélite recolhidas em novembro sugerem que a plataforma de gelo poderá quebrar nos próximos três a cinco anos. Foto: NASA

O glaciar Doomsday ou o glaciar do Juízo Final já largou milhares de milhões de toneladas de gelo no mar, e o seu desaparecimento poderá levar a mudanças irreversíveis em todo o planeta

À medida que o aquecimento rápido do planeta altera a paisagem da região árctica no norte, os cientistas descobriram sinais alarmantes e perturbadores na extremidade sul do planeta, sobretudo numa das plataformas de gelo que salvaguardam o chamado glaciar Doomsday da Antártida.

Imagens de satélite recolhidas em novembro, que os investigadores revelaram no encontro anual da União Geofísica Americana, sugerem que a plataforma de gelo que sustenta o glaciar Thwaites no ocidente da Antártida – uma defesa importante contra o aumento global do nível do mar – poderá quebrar nos próximos três a cinco anos.

O glaciar Thwaites da Antártida é conhecido como Doomsday ou o glaciar do Juízo Final, devido ao grave risco que representa durante o seu processo de degelo. Já largou milhares de milhões de toneladas de gelo no mar, e o seu desaparecimento poderá levar a mudanças irreversíveis em todo o planeta.

O glaciar, equivalente ao tamanho da Florida ou da Grã-Bretanha, já é responsável por cerca de 4% do aumento anual global do nível do mar. Perde cerca de 50 mil milhões de toneladas de gelo por ano, e está a tornar-se altamente vulnerável à crise climática. A queda da plataforma de gelo pode levar ao colapso iminente deste glaciar crítico para a Antártica.

Se o Thwaites colapsar, este fenómeno poderia elevar os níveis do mar em vários metros, segundo os investigadores, colocando as comunidades costeiras, bem como as nações insulares de baixa altitude em grave risco.

Mas Ted Scambos, glaciólogo da Universidade de Colorado Boulder e coordenador da International Thwaites Glacier Collaboration, diz que só daqui a umas décadas o mundo verá uma verdadeira aceleração e um aumento adicional da subida do nível do mar.

"O que nos chama a atenção no Thwaites é que a mudança vai acontecer com com resultados bastante drásticos e consideráveis, nas próximas décadas", disse Scambos à CNN.

Por enquanto, o glaciar está a ser contido por uma platafoma de gelo crítica.

"O mais preocupante nos resultados mais recentes é que tudo aponta para o colapso da plataforma de gelo, uma espécie de faixa protetora que sustenta o gelo no solo", disse Peter Davis, oceanógrafo da British Antarctic Survey, à CNN. "Se perdermos esta plataforma, o glaciar vai lançar-se no oceano com maior rapidez, contribuindo para a subida da água do mar."

O aquecimento das águas do oceano tem um papel fulcral na rapidez da deterioração. Um estudo de 2020 da International Thwaites Glacier Collaboration, que atualmente lidera a investigação em curso à Antártida, concluiu que o fundo do mar é mais profundo do que os cientistas pensavam, contendo passagens profundas que deixam que a água oceânica mais quente derreta a parte inferior do gelo.

As observações mostram que a plataforma de gelo crítica que sustenta o Thwaites está a perder força na montanha sumbersa, ou monte submarino, que atua como reforço e evita que o rio de gelo corra para o oceano quente. Os investigadores também concluíram que a chamada "língua de gelo" do glaciar Thwaites é agora apenas um "aglomerado de icebergues soltos", que já não influencia a parte estável da plataforma de gelo oriental.

A água quente também ameaça a chamada "zona da base", onde o gelo encontra o fundo do mar. Davis e a sua equipa usaram água quente para fazer orifícios de acesso, a partir da superfície da plataforma de gelo até à cavidade oceânica por baixo. Ao fazê-lo, descobriram não só que a água do oceano na linha da costa é quente, pelos padrões polares, como também é salgada, preparando a paisagem para uma maior erosão.

Peter Washam, investigador auxiliar na Universidade de Cornell, disse que as características físicas da zona da base mostram sinais de caos, tal como água quente, gelo irregular, e um fundo marinho com um forte declive, que permite à água derreter rapidamente o manto de gelo por baixo.

O gelo do mar flutua, visto da aeronave de investigação da Operação IceBridge da NASA, na região da Península Antártica, a 4 de novembro de 2017, sobre a Antártida. Foto: Mario Tama/Getty Images


 
"Nos próximos anos, esperamos que a linha da base do Thwaites na região recue lentamente, enquanto o oceano quente for ganhando terreno na parte inferior", disse Washam à CNN. A equipa dele usou um veículo subaquático chamado Icefin, que facilita o estudo do gelo e da água em redor e debaixo das plataformas de gelo.

O ponto principal, segundo Davis, é que o glaciar Thwaites está a deteriorar-se rapidamente. A água quente do oceano está a eliminar aos poucos o gelo da parte inferior, fazendo com que a água corra mais depressa, fraturando mais o gelo e acelerando o processo do colapso.

"A partir dos dados do satélite, vemos grandes fraturas que se estendem ao longo da superfície da plataforma de gelo, enfraquecendo o “tecido do gelo”. É um  pouco como uma rachadura no para-brisas", diz ele. "Está a aumentar lentamente ao longo da plataforma de gelo e acabará por se estilhaçar em pedaços muito pequenos."

Segundo Scambos, embora o processo seja extremamente moroso e o seu impacto só se sinta várias décadas depois, é quase impossível impedi-lo.

"Este é um processo geológico, que ocorre quase durante o tempo de uma vida humana", diz ele. "Enquanto fenómeno natural, é um processo extremamente lento. O melhor é tentar abrandar as forças que empurram o gelo nesta direção."

E enquanto as ramificações da crise climática chegam a todo o planeta, os investigadores dizem que expandir a investigação científica para entender as mudanças no Ártico e Antártico é crucial para planear estratégias de mitigação, tal como defesas costeiras em comunidades vulneráveis.

"Não podemos fazer nada para impedir que isto aconteça", além de tentar abrandar o processo, afirma Davis. "A forma como lidámos com as nossas emissões de carbono até agora, fez com que estas mudanças acontecessem. E estamos a sofrer as consequências daquilo que emitimos nas duas últimas décadas ou mais ainda."

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