Ações, Pedro Nuno Santos e negociações à esquerda. O que se passa com os CTT?

4 jan, 15:41
CTT (Horacio Villalobos/Getty Images)

Entrada do Estado na empresa foi feita em segredo. Parte da razão foi uma negociação com Bloco de Esquerda e PCP para aprovar o Orçamento do Estado para 2021

Há uma grande confusão à volta dos CTT. A empresa de distribuição, que o governo de Pedro Passos Coelho decidiu privatizar, tem, afinal, uma participação pública do Estado. Isso mesmo foi confirmado pela Parpública, que refere uma “posição residual” naquela empresa.

Essa posição residual são 0,25% do capital dos CTT, o que corresponde a cerca de 380 mil ações. Até aqui tudo bem. O problema é que o despacho que fixa a compra destas ações para 2020 e 2021, ordenado pelo ministro das Finanças, à data João Leão, não foi publicado.

Apesar de esta participação não ter sido revelada, esses mesmos 0,25% constam no Relatório e Contas de 2022 dos CTT, na parte dedicada a “outras participações financeiras”, com a indicação “outros”, numa nota que avalia a participação em 1,73 milhões de euros.

A decisão de avançar para a compra de ações coincidiu com exigências do Bloco de Esquerda e PCP para uma reversão da privatização e também com a negociação da nova concessão do serviço postal universal. Em causa estava também a negociação para a aprovação do Orçamento do Estado de 2021.

Segundo apurou o ECO, a intenção do Governo não era a constituição de uma posição maioritária, mas apenas uma participação que permitisse ao Estado ter influência nas decisões da empresa, a única capaz de prestar o serviço postal universal, criando uma situação de dependência para o Estado.

O envolvimento de Pedro Nuno Santos

A estratégia, apesar de ter sido conduzida pelas Finanças, teve também o conhecimento da tutela setorial, o Ministério das Infraestruturas, na altura liderado por Pedro Nuno Santos, atual secretário-geral do PS.

Já esta quinta-feira o líder socialista confirmou que sabia da aquisição das ações, mas reiterou que não foi sua a ordem para a compra das ações. "Eu tutelava a pasta, mas não sou eu que dou orientações ao ministro das Finanças e à Parpública", afirmou Pedro Nuno Santos, acrescentando: "Não há orientação do Ministério das Infraestruturas nem do ministro das Infraestruturas".

Numa declaração a partir do parlamento, Pedro Nuno Santos justificou o segredo mantido na operação com a necessidade de preservar a posição do Estado, tentando não inflacionar as ações, para que o Estado não tivesse de pagar tanto.

O socialista defende ainda que a privatização foi “desastrosa” e “lesou o interesse do Estado e dos portugueses”, pelo que a “participação do Estado na empresa permitia acompanhar o cumprimento do contrato”. Nega ainda ter sido uma “moeda de troca”, numa referência às insinuações de que tinha feito parte das negociações com o Bloco e PCP.

PCP confirma conhecimento

A líder parlamentar do PCP afirmou que o partido foi informado da compra de ações dos CTT pela Parpública, decisão que os comunistas não consideraram relevante, dizendo que "o que se impunha era o controlo público" dos correios.

“Foi-nos dada essa informação, mas como referimos, nunca considerámos relevante, nem nunca considerámos que correspondesse aquilo que é necessário”, afirmou Paula Santos em declarações aos jornalistas no parlamento.

Para o PCP, “o que se impunha é o controlo público dos CTT”.

A líder parlamentar comunista afirmou que "adquirir uma percentagem pequena de ações não garante o controlo público da empresa".

"Se houve alguma sinalização por parte do PS não era certamente para o PCP, porque o PCP o que sempre colocou em cima da mesa foi o controlo público da empresa e a reversão da privatizaçao. Ora, não foi isso que aconteceu", argumentou.

A deputada Paula Santos recordou que, "no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2021, o PCP apresentou uma proposta concreta da reversão da privatizaçao e do controlo público da empresa CTT, que foi rejeitada com os votos contra do PS, PSD, CDS, IL e Chega".

"Portanto, independentemente de diversas declarações proferidas por membros do PS, a verdade é que o PS nunca teve verdadeiramente vontade de assegurar o controlo público dos CTT. E recordo que o contrato de concessão estava a terminar, o PCP apresentou diversas iniciativas na Assembleia da República com esse propósito e foram sistematicamente rejeitadas", referiu Paula Santos.

Bloco desconhece e pede explicação

O Bloco de Esquerda negou ter feito qualquer negociação com o anterior Governo do PS para a compra de ações nos CTT “em troca do voto no Orçamento do Estado para 2021”, deixando críticas a PSD e Chega.

“É manifestamente falso, é absolutamente falso que o BE tivesse negociado quaisquer compras de ações minoritárias nos CTT com o Governo do PS em troca do voto para o Orçamento do Estado para 2021", o líder parlamentar dos bloquistas, Pedro Filipe Soares, no parlamento, considerando que "não faz sentido nenhum essa insinuação, essa mentira ser propalada, porque ela não tem qualquer adesão à realidade”.

A coordenadora do Bloco de Esquerda disse desconhecer a compra de ações dos CTT pela Parpública por ordem do Governo para satisfazer alegadas exigências dos bloquistas para viabilizar o Orçamento do Estado para 2021.

“(…) Essa ideia de que o Bloco defende a nacionalização dos CTT é pública, já apresentámos na Assembleia da República, já a levámos a votos. Em particular esta operação de compra, nós desconhecíamo-la, não tinha conhecimento dessa operação de compra”, afirmou aos jornalistas Mariana Mortágua, em Porto de Mós (Leiria).

Mais tarde, a coordenadora bloquista defendeu que o Governo, incluindo o primeiro-ministro, deve explicar a compra de ações dos CTT e o interesse de uma “mini participação” na empresa, apontando “má-fé” à direita por continuar a envolver os bloquistas no processo.

No final de uma visita à Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa, Mariana Mortágua foi de novo questionada sobre a polémica.

“Em primeiro lugar, era importante que o Governo explicasse que operação de compra foi esta, qual é o interesse de o Estado em ter uma mini participação de 0,2% nos CTT, que não garante o controlo público, que não cumpre nenhum objetivo e que não se compreende qual é a razão nem para a participação ter sido comprada nem para ter sido mantida em segredo ao longo de todos esses anos”, defendeu.

Segundo Mariana Mortágua, se não é Pedro Nuno Santos, o ministro das Infraestruturas da altura “que o pode explicar” – na véspera negou ter dado orientações para compra de ações de CTT – deve ser o então ministro das Finanças, João Leão, “que tem tutela sobre a Parpública que pode explicar”.

“O primeiro-ministro [António Costa] permanece o mesmo. Certamente saberá porque é que foi comprada uma participação dos CTT e porque é que ela não vale nada nem tem nenhum significado do ponto de vista do controlo público dos CTT, mas essas são explicações que eu não posso dar, terá de ser o Governo a dá-las”, desafiou.

A líder bloquista assegurou que essa “questão não foi negociada com o Bloco de Esquerda”, como foi inicialmente noticiado, e que “a compra da participação não foi comunicada" ao partido.

“O Bloco de Esquerda nunca teve conhecimento que essa participação existia, como o Bloco de Esquerda não pode ter exigido a compra desta participação como contrapartida para aprovar o Orçamento porque não aprovou o Orçamento. O Bloco de Esquerda votou contra esse Orçamento”, enfatizou.

Parpública garante cumprimento

A Parpública afirmou que a compra de ações dos CTT, realizada até outubro de 2021, "ocorreu no cumprimento dos requisitos legais", com despacho do ministro das Finanças da altura, João Leão, e com parecer favorável da UTAM.

Um comunicado da empresa gestora de participações públicas refere que "a compra de ações dos CTT pela Parpública, realizada até outubro de 2021, ocorreu no cumprimento dos requisitos legais, designadamente o despacho do então ministro das Finanças, precedido do parecer prévio da UTAM [Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial]".

"O parecer da UTAM à aquisição de ações dos CTT foi favorável", afirma a parpública, acrescentando na nota que detém "355.126 ações dos CTT que foram adquiridas em bolsa em 2021, o que corresponde a 0,24% do capital da empresa".

No documento da UTAM, disponibilizado pela Parpública, é referido, no entanto, que lhe foi solicitado um parecer, em 18 de fevereiro de 2021, pelo gabinete do secretário de Estado do Tesouro acerca da operação de aquisição pela Parpública "de participação qualificada de até 13% nos CTT – Correios de Portugal".

A UTAM entendeu que estavam "suficientemente demonstrados o interesse e a viabilidade económica e financeira da operação de aquisição de uma participação social correspondente a um máximo de 19.500.000 ações, representativas de até 13% do capital social dos CTT, pela Parpública".

Ainda segundo a Parpública, os documentos agora disponibilizados, nomeadamente o despacho de João Leão, "foram considerados informação reservada pelo Ministério das Finanças, à época" para "evitar perturbações indevidas da cotação" dos títulos no mercado.

O anterior contrato de concessão aos CTT terminava no final de 2020, mas o Governo acabou por estendê-lo durante 12 meses por causa da pandemia. Em novembro de 2020, o líder parlamentar do PS, João Paulo Correia, dizia ao ECO que o PS estava a negociar com o PCP o controlo público dos Correios. Acrescentava, porém, que “o controlo público dos CTT não significa nacionalizar 100% do capital”, mas sim “adquirir ações” para ser o maior acionista. Acabou por não ser esse o caminho seguido pelo Governo.

Os Correios foram privatizados em dezembro de 2013 pelo Executivo de Passos Coelho, com a venda de 70% do capital. Os restantes 30% foram alienados a investidores institucionais em setembro do ano seguinte.

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