"Estás com o Pedro?" As últimas horas do Parlamento antes de Marcelo deitá-lo abaixo

10 nov 2023, 08:15
Assembleia da República no dia do anúncio da dissolução

Estes últimos dias foram uma "maluquice"

Quando entramos na Assembleia da República, pouco depois das cinco da tarde, ouve-se o desabafo de uma funcionária. “A que horas é a decisão do senhor Presidente? A ver se saio cedo e vejo em casa”. É que os últimos dias, acaba por explicar, foram uma maluquice. Porquê? As comissões, onde se debate o Orçamento do Estado para 2024, têm-se arrastado. Nada tem a ver com a crise política que, entretanto, se instalou no país.

Esta quinta-feira, quem defende o documento é a ministra da Habitação, Marina Gonçalves. Num hemiciclo praticamente vazio, acaba por dizer que é preciso esperar “que as medidas entrem em vigor” para se sentirem os efeitos. Ainda na incerteza se Marcelo Rebelo de Sousa dará o tempo necessário, antes de dissolver o Parlamento, para a sua aprovação.

À volta deste debate, os corredores vivem um dia frio. Vazios. Ouvimos a madeira a ressoar com os próprios passos perante tal ausência de gente. O único som a encher o nada é o da única televisão ligada. O bar junto ao plenário está fechado. Os jornalistas e as câmaras esperam nos Passos Perdidos por momentos mais agitados.

A porta do grupo parlamentar socialista mantém-se quase sempre fechada durante a tarde. Na maioria das vezes, é o assessor de imprensa quem a abre. Numa das vezes vem com o antigo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, que tem marcada uma entrevista com jornalistas espanholas.

Mas o futuro do PS também se debate cá fora, ao telefone. Para falar de crise política é ao telefone. Um deputado do PS abandona o hemiciclo e, no meio da conversa, faz esta pergunta ao interlocutor. “Estás com o Pedro?”. Não é certo que o Pedro seja Pedro Nuno Santos, o colega de partido que, horas antes, confirmou que seria candidato à liderança do mesmo – e visto por muitos, dentro do PS, como o nome mais forte para ir às urnas. Mas o tom com que o diz dá margem a essa interpretação.

Também ao telefone, outro deputado do PS, minutos depois, sai do gabinete. “Dissolução do Parlamento só em dezembro. Agora é esperar para ver”. Di-lo ainda antes de o Presidente da República fazer esse anúncio.

Outro dos socialistas que passa a tarde no Parlamento é o líder parlamentar Eurico Brilhante Dias. Sai do edifício, de casaco posto, pelas 19:25. Cinco minutos depois, no hemiciclo, Marina Gonçalves distribui cumprimentos aos colegas de partido. Os trabalhos terminam. E, quem ainda resiste, apressa-se também para a saída.

19:57. Ecoa a voz de Marcelo Rebelo de Sousa no Parlamento. Confirma que a dissolução será apenas em dezembro, salvando o Orçamento do Estado para 2024. Como fez esta quinta-feira, o PS vai ter de continuar a defendê-lo. À frente do ecrã estão apenas jornalistas. Nos corredores à volta, ninguém. Não havia ninguém no Parlamento para vê-lo, oficialmente, a cair. Pelo menos, fora do conforto dos gabinetes.

Monta-se a rotina jornalística para as reações nos Passos Perdidos. Duas funcionárias da limpeza, uma delas com um carrinho de compras, passam no local. Preparam-se para limpar o hemiciclo. O bloquista Pedro Filipe Soares é o primeiro a dirigir-se para o local. Faz-se um compasso de espera porque Luís Montenegro fala na sede nacional do partido. André Ventura aproxima-se. E, quando o social-democrata se cala, dirige-se ao microfone. Apercebe-se que o líder parlamentar do Bloco estava primeiro, o outro dá-lhe sinal para avançar.

Quem ouviu as palavras de Marcelo na Assembleia da República foi também o seu presidente. No meio do jogo das reações, Augusto Santos Silva passa, escoltado pela segurança, até ao elevador que o leva à saída.

A saída mais próxima de toda esta agitação é a escadaria por onde António Costa, tantas vezes, ao longo dos últimos oito anos entrou no Parlamento para defender o seu Governo e as suas medidas. É a escadaria que leva diretamente a São Bento, a residência oficial onde as autoridades encontram mais de 75 mil euros em dinheiro no gabinete do chefe de gabinete Vítor Escária.

Estas escadas, neste final de tarde, cheiram a tinta. A porta onde ela termina está tapada por andaimes do lado de fora. “Acesso Condicionado”, lê-se no aviso. Há obras a decorrer. Não vão ser as únicas mudanças por estas bandas nos próximos tempos. Há 230 lugares para preencher de novo. Que o digam os partidos que, em poucos minutos de reação, erguem verdadeiramente o arranque da campanha eleitoral. Promessas de baixas de impostos, revisões de orçamentos, disponibilidade para apresentar mais medidas fundamentais.

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