Até ao momento, adiantou o sócio Raúl Rodrigues, não têm conhecimento de qualquer intervenção por parte da Segurança Social, que tem a tutela dos lares
Um grupo de sócios do Lar do Comércio, em Matosinhos, revelou hoje que os idosos lá instalados continuam a ser alvo de maus-tratos, tendo denunciado o caso à Segurança Social e Ministério Público que confirmou a abertura de inquérito.
O lar, o antigo presidente da direção e a ex-diretora de serviços estão a ser julgados por 67 crimes de maus-tratos a idosos por situações ocorridas entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2020, mas, revela agora um dos sócios, que "os maus-tratos nunca deixaram de acontecer".
Sócio desde 1977, Raúl Rodrigues é um dos três signatários da denúncia enviada ao Ministério Público (MP) onde são relatadas situações de negligência e maus-tratos comunicadas há cerca de um ano à Segurança Social.
Segundo Raúl Rodrigues, os signatários reuniram-se com a Segurança Social por duas vezes - uma delas há um ano - já durante o mandato da nova direção que assumiu funções em janeiro de 2021, tendo inclusivamente num desses agendamentos levado como testemunha um funcionário do lar que alberga mais de 100 residentes, mais de 40 acamados ou pessoas não autónomas.
O atual presidente do Lar do Comércio tomou posse em janeiro de 2021, quatro anos depois de se ter despedido do cargo de vice-presidente que ali ocupava por não concordar com "algumas coisas que lá se passavam".
Até ao momento, adiantou o sócio Raúl Rodrigues, não têm conhecimento de qualquer intervenção por parte da Segurança Social, que tem a tutela dos lares.
Questionada pela Lusa, a Segurança Social ainda não emitiu qualquer esclarecimento.
Na denúncia que deu entrada dia 24 de fevereiro no MP de Matosinhos, os signatários e sócios daquela instituição alegam que esta "falta de condições" levou mesmo vários utentes a abandonar o lar.
"Há relatos de residentes que estão a ser sujeitos a maus-tratos traduzidos no fornecimento de comida em pouca e menor quantidade, em tratamentos médicos e medicamentosos deficientes, por ausência de contratação de técnicos para o efeito, e a higiene pessoal dos residentes e acamados tem sido muito deficiente", lê-se na missiva.
No documento, suportado também por registos fotográficos, os sócios denunciam ainda que há utentes com "lesões corporais relevantes resultantes da falta de higiene para com esses utentes".
"Também é visível [nas fotos anexadas à participação] o estado de enorme desânimo e carência dos idosos sentados com aventais a servir de babetes, com copos de plástico vazios e sem qualquer proteção e assessoria de alguém. A sala não tinha qualquer funcionário para acudir a qualquer necessidade que surgisse", alegam.
Estas fotos, preocupam os signatários da denúncia que salientam que o Lar do Comércio "tem meios financeiros para prestar serviços competentes de todo o tipo aos utentes e residentes", solicitando que se investigue, nomeadamente as contas da instituição que responde num processo onde são imputadas acusações idênticas.
Contactada pela Lusa, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou que foi instaurado um inquérito que corre termos no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Matosinhos.
No processo que já chegou à fase de julgamento, o antigo presidente da direção, a ex-diretora de serviços e a própria Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) estão acusados de 67 crimes de maus-tratos, 17 dos quais agravados pelo resultado morte. Na primeira sessão de julgamento, em 14 de fevereiro, os três arguidos remeteram-se ao silêncio.
Na acusação, o MP sustenta que entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2020, os arguidos "violaram os deveres inerentes aos cargos que ocupavam", apesar da instituição dispor de meios financeiros para o fazer, atuando "com a consciência de que a omissão dos cuidados aos utentes poderia causar-lhes a morte, como veio a suceder com 17 dos utentes ali internados".
Naquele ano, o Lar do Comércio chegou mesmo a ser descontaminado pelo Exército Português, teve mais de 100 idosos infetados com covid-19, 24 dos quais acabaram por morrer.
A 19 de outubro de 2020 foi divulgado um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOA), segundo o qual tinham sido detetados indícios de "violação grave" de direitos humanos no Lar do Comércio e o "incumprimento reiterado" de orientações recebidas em vistorias.
A instituição particular de solidariedade Social foi fundada em 26 de junho de 1936 em Matosinhos, no distrito do Porto.
A Lusa questionou o Lar do Comércio mas não obteve resposta até ao momento.