É uma das maiores dores de cabeça de qualquer pai. Os bebés choram e não vêm acompanhados de um dicionário que os ajude a descodificar-lhes os gritos. A investigadora holandesa Marian Bakermans-Kranenburg é especialista em Psicologia do Desenvolvimento e tem centrado a sua investigação no apego e regulação emocional de pais e filhos. Esteve em Lisboa, onde deu uma conferência sobre o tema e falou à CNN Portugal sobre os significados, a eficácia e os objetivos do choro que ajuda a promover a sobrevivência da espécie
Chorar é uma espécie de inevitabilidade nos bebés. É assim que a investigadora holandesa Marian Bakermans-Kranenburg, investigadora da Universidade Vrije, em Amsterdão, encara o problema que atormenta muitos pais, sobretudo os de primeira viagem.
A especialista esteve em Portugal, onde moderou uma conferência sobre o tema, intitulada “Moved to tears?”, no ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada), em Lisboa. Em entrevista à CNN Portugal, Marian Bakermans-Kranenburg explicou porque é que chorar é um instrumento de sobrevivência da espécie e um mecanismo de proteção.
Desengane-se quem ache que é possível descodificar com precisão se um bebé chora porque precisa da fralda mudada ou simplesmente porque quer colo. Se é possível tirar algumas ilações pelo tom e pela intensidade do choro, saber exatamente o que pretende a criança é quase um exercício de adivinhação. E confiar nas aplicações que prometem fazer aquilo que muitos pais não são capazes de fazer também não é boa ideia: “É de se duvidar se as aplicações e as tecnologias para interpretação de choro que estão disponíveis hoje em dia fazem melhor trabalho [do que os pais]”.
Marian Bakermans-Kranenburg é uma das investigadoras mais citadas e tem dedicado o seu trabalho ao estudo da importância das relações precoces para o desenvolvimento neurológico e emocional das crianças e ao estudo do impacto da neurobiologia na parentalidade. A especialista lembra que não é imperativo que os pais acorram ao primeiro gemido, já que “as crianças também devem ter a oportunidade de se autorregular". É que, diz, "além da prontidão (ou falta dela), a qualidade da resposta também é importante para a regulação emocional da criança.”
CNN Portugal: Por que choram as crianças? Os motivos do choro variam de acordo com a faixa etária?
Marian Bakermans-Kranenburg: De fato, existem nuances relacionadas à idade no choro das crianças, mas o motivo básico é: elas choram quando estão stressadas e precisam de ajuda. Os recém-nascidos são totalmente dependentes dos adultos para sua sobrevivência e não têm outro meio de comunicar a fome, o frio ou uma doença a não ser o choro. E o choro é eficaz. Na maioria dos casos, ajuda a trazer o cuidador até ao bebé e a resolver sua necessidade. Assim, o choro é herdado como parte de nosso repertório básico: promove a sobrevivência e foi assim selecionado durante a evolução.
É possível descodificar o choro dos bebês e saber se choram de uma certa forma porque estão com fome, de outra forma porque querem colo ou de outra forma porque precisam trocar a fralda?
Até certo ponto, é possível distinguir os choros dos bebés. Por exemplo, bebés doentes choram num tom mais alto. Para a maioria dos pais, esse tom mais agudo soa mais urgente, o que, novamente, é útil em termos de sobrevivência. Além disso, os gritos súbitos de dor são mais altos e mais “agudos”, enquanto os gritos de cansaço são mais suaves e eventualmente desaparecem.
No entanto, gritos de fome ou fraldas sujas ou desejo de proximidade podem ser difíceis de distinguir. Um dos primeiros estudos experimentais testando a capacidade de adultos em adivinhar o motivo do choro de bebés foi publicado em 1928, mostrando que essa é uma questão que sempre intrigou investigadores e pais. Infelizmente, os adultos no estudo não tiveram um desempenho melhor do que o nível de adivinhação. E é de se duvidar se as aplicações e as tecnologias para interpretação de choro que estão disponíveis hoje em dia fazem melhor trabalho.
Devemos deixar um bebé chorar sozinho para dormir? É um conselho que muitas vezes é dado aos pais jovens…
Esse é um bom exemplo de situação em que é importante levar em consideração o tipo de choro. Se for urgente, uma resposta imediata é adequada. Alguns bebés choram quando estão cansados, com intensidade decrescente na transição para o adormecimento. Então pode ser melhor esperar e ver o que acontece. Um estudo israelita mostrou que os pais de bebés com problemas de sono tinham menor tolerância ao choro do bebé e atribuíam mais sofrimento à criança do que casais de controle e casais sem filhos. Eles tendiam a responder sempre que o bebé chorava, independentemente da intensidade do choro.
E que efeito esse ato de deixá-los chorar para se autorregularem ou aprenderem a adormecer sozinhos pode ter na formação da personalidade dos bebés?
O estudo israelita mencionado acima parece sugerir que as respostas indiscriminadas dos pais a todo choro podem criar, em vez de resolver, problemas de sono. De fato, as crianças também devem ter a oportunidade de se autorregular. Mas além da prontidão (ou falta dela), a qualidade da resposta também é importante para a regulação emocional da criança.
Então, qual é o papel dos pais na regulação do choro das crianças? Como devem agir ou reagir os pais?
O ótimo está no meio-termo: os pais não devem blindar-se para o choro dos filhos, nem deixar-se abater por ele. Pais competentes confortam seus filhos, mas permanecem calmos, falando com uma voz que os tranquiliza. Fazendo isso, ajudam a conter as emoções do bebé: são empáticos, mas estão no comando. A criança pode sentir-se compreendida e segura, e aprende que a angústia pode ser tratada. Isso ajuda o bebé a lidar com problemas futuros.
Mas atingir esse equilíbrio nem sempre é fácil para os pais; o choro infantil pode deixar os pais loucos. Um parceiro, uma rede de apoio ou o apoio profissional dos pais podem ajudar sobretudo os casais mais jovens a sobreviver ao período intenso com um bebé a chorar.
Não devemos então, por exemplo, agir antes mesmo de a criança chorar… O pai e a mãe devem agir preventivamente, em vez de reativamente?
Claro que é útil evitar desconforto desnecessário (por exemplo, verificar a temperatura de uma bolsa de água quente, manter os mosquitos longe do bebé…). Mas nenhum bebé crescerá sem angústia ou sem chorar. Pesquisas transculturais mostram que carregar o bebé ao colo o dia todo diminui a duração do choro, mas não a frequência.
Como acalmar uma criança que chora compulsivamente?
Quando é possível excluir uma razão médica para o choro, a maioria dos bebés acalma-se quando está em contato físico e em movimento (por exemplo, em um carrinho de bebé macio). Quando são transportados num carrinho, por exemplo, podem ouvir os batimentos cardíacos e a respiração de seus pais, eventualmente acompanhados pela voz deles. Isso é reconfortante e geralmente reduz a intensidade e a duração do choro.
Quando é que o choro de uma criança deve realmente preocupar os pais ao ponto de procurarem ajuda profissional?
Quando os pais estiverem preocupados, sobrecarregados ou exaustos com o choro de uma criança, procure ajuda profissional. Ter um bebé não é fácil e muitos pais precisam ajustar suas expectativas otimistas, mas o apoio aos pais pode ajudá-los num período difícil e fazer com que vejam os momentos divertidos e felizes novamente.
Além disso, quando achar que existe uma razão médica para o choro intenso da criança, procure ajuda profissional.