"O choro infantil pode deixar os pais loucos". Especialista explica porque choram os bebés e como se deve reagir

1 dez 2022, 12:00
Professora Doutora Marian Bakermans-Kranenburg

É uma das maiores dores de cabeça de qualquer pai. Os bebés choram e não vêm acompanhados de um dicionário que os ajude a descodificar-lhes os gritos. A investigadora holandesa Marian Bakermans-Kranenburg é especialista em Psicologia do Desenvolvimento e tem centrado a sua investigação no apego e regulação emocional de pais e filhos. Esteve em Lisboa, onde deu uma conferência sobre o tema e falou à CNN Portugal sobre os significados, a eficácia e os objetivos do choro que ajuda a promover a sobrevivência da espécie

Chorar é uma espécie de inevitabilidade nos bebés. É assim que a investigadora holandesa Marian Bakermans-Kranenburg, investigadora da Universidade Vrije, em Amsterdão, encara o problema que atormenta muitos pais, sobretudo os de primeira viagem.

A especialista esteve em Portugal, onde moderou uma conferência sobre o tema, intitulada “Moved to tears?”, no ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada), em Lisboa. Em entrevista à CNN Portugal, Marian Bakermans-Kranenburg explicou porque é que chorar é um instrumento de sobrevivência da espécie e um mecanismo de proteção.

Desengane-se quem ache que é possível descodificar com precisão se um bebé chora porque precisa da fralda mudada ou simplesmente porque quer colo. Se é possível tirar algumas ilações pelo tom e pela intensidade do choro, saber exatamente o que pretende a criança é quase um exercício de adivinhação. E confiar nas aplicações que prometem fazer aquilo que muitos pais não são capazes de fazer também não é boa ideia: “É de se duvidar se as aplicações e as tecnologias para interpretação de choro que estão disponíveis hoje em dia fazem melhor trabalho [do que os pais]”.

Marian Bakermans-Kranenburg é uma das investigadoras mais citadas e tem dedicado o seu trabalho ao estudo da importância das relações precoces para o desenvolvimento neurológico e emocional das crianças e ao estudo do impacto da neurobiologia na parentalidade. A especialista lembra que não é imperativo que os pais acorram ao primeiro gemido, já que “as crianças também devem ter a oportunidade de se autorregular". É que, diz, "além da prontidão (ou falta dela), a qualidade da resposta também é importante para a regulação emocional da criança.”

 

CNN Portugal: Por que choram as crianças? Os motivos do choro variam de acordo com a faixa etária? 

Marian Bakermans-Kranenburg: De fato, existem nuances relacionadas à idade no choro das crianças, mas o motivo básico é: elas choram quando estão stressadas e precisam de ajuda. Os recém-nascidos são totalmente dependentes dos adultos para sua sobrevivência e não têm outro meio de comunicar a fome, o frio ou uma doença a não ser o choro. E o choro é eficaz. Na maioria dos casos, ajuda a trazer o cuidador até ao bebé e a resolver sua necessidade. Assim, o choro é herdado como parte de nosso repertório básico: promove a sobrevivência e foi assim selecionado durante a evolução.

 

É possível descodificar o choro dos bebês e saber se choram de uma certa forma porque estão com fome, de outra forma porque querem colo ou de outra forma porque precisam trocar a fralda?

Até certo ponto, é possível distinguir os choros dos bebés. Por exemplo, bebés doentes choram num tom mais alto. Para a maioria dos pais, esse tom mais agudo soa mais urgente, o que, novamente, é útil em termos de sobrevivência. Além disso, os gritos súbitos de dor são mais altos e mais “agudos”, enquanto os gritos de cansaço são mais suaves e eventualmente desaparecem.

Gritos mais agudos, nos bebés, são normalmente sinal de algum problema de saúde.

No entanto, gritos de fome ou fraldas sujas ou desejo de proximidade podem ser difíceis de distinguir. Um dos primeiros estudos experimentais testando a capacidade de adultos em adivinhar o motivo do choro de bebés foi publicado em 1928, mostrando que essa é uma questão que sempre intrigou investigadores e pais. Infelizmente, os adultos no estudo não tiveram um desempenho melhor do que o nível de adivinhação. E é de se duvidar se as aplicações e as tecnologias para interpretação de choro que estão disponíveis hoje em dia fazem melhor trabalho.

 

Devemos deixar um bebé chorar sozinho para dormir? É um conselho que muitas vezes é dado aos pais jovens…

Esse é um bom exemplo de situação em que é importante levar em consideração o tipo de choro. Se for urgente, uma resposta imediata é adequada. Alguns bebés choram quando estão cansados, com intensidade decrescente na transição para o adormecimento. Então pode ser melhor esperar e ver o que acontece. Um estudo israelita mostrou que os pais de bebés com problemas de sono tinham menor tolerância ao choro do bebé e atribuíam mais sofrimento à criança do que casais de controle e casais sem filhos. Eles tendiam a responder sempre que o bebé chorava, independentemente da intensidade do choro.

 

E que efeito esse ato de deixá-los chorar para se autorregularem ou aprenderem a adormecer sozinhos pode ter na formação da personalidade dos bebés?

O estudo israelita mencionado acima parece sugerir que as respostas indiscriminadas dos pais a todo choro podem criar, em vez de resolver, problemas de sono. De fato, as crianças também devem ter a oportunidade de se autorregular. Mas além da prontidão (ou falta dela), a qualidade da resposta também é importante para a regulação emocional da criança.

 

Então, qual é o papel dos pais na regulação do choro das crianças? Como devem agir ou reagir os pais?

O ótimo está no meio-termo: os pais não devem blindar-se para o choro dos filhos, nem deixar-se abater por ele. Pais competentes confortam seus filhos, mas permanecem calmos, falando com uma voz que os tranquiliza. Fazendo isso, ajudam a conter as emoções do bebé: são empáticos, mas estão no comando. A criança pode sentir-se compreendida e segura, e aprende que a angústia pode ser tratada. Isso ajuda o bebé a lidar com problemas futuros.

Atingir um equilíbrio entre "blindar-se ao choro dos filhos e deixar-se abater por ele" é o segredo para reagir ao choro dos bebés.

Mas atingir esse equilíbrio nem sempre é fácil para os pais; o choro infantil pode deixar os pais loucos. Um parceiro, uma rede de apoio ou o apoio profissional dos pais podem ajudar sobretudo os casais mais jovens a sobreviver ao período intenso com um bebé a chorar.

 

Não devemos então, por exemplo, agir antes mesmo de a criança chorar… O pai e a mãe devem agir preventivamente, em vez de reativamente?

Claro que é útil evitar desconforto desnecessário (por exemplo, verificar a temperatura de uma bolsa de água quente, manter os mosquitos longe do bebé…). Mas nenhum bebé crescerá sem angústia ou sem chorar. Pesquisas transculturais mostram que carregar o bebé ao colo o dia todo diminui a duração do choro, mas não a frequência.

Os gritos de cansaço "são mais suaves" e tendem a desaparecer

 

Como acalmar uma criança que chora compulsivamente?

Quando é possível excluir uma razão médica para o choro, a maioria dos bebés acalma-se quando está em contato físico e em movimento (por exemplo, em um carrinho de bebé macio). Quando são transportados num carrinho, por exemplo, podem ouvir os batimentos cardíacos e a respiração de seus pais, eventualmente acompanhados pela voz deles. Isso é reconfortante e geralmente reduz a intensidade e a duração do choro.

 

Quando é que o choro de uma criança deve realmente preocupar os pais ao ponto de procurarem ajuda profissional?

Quando os pais estiverem preocupados, sobrecarregados ou exaustos com o choro de uma criança, procure ajuda profissional. Ter um bebé não é fácil e muitos pais precisam ajustar suas expectativas otimistas, mas o apoio aos pais pode ajudá-los num período difícil e fazer com que vejam os momentos divertidos e felizes novamente.

Além disso, quando achar que existe uma razão médica para o choro intenso da criança, procure ajuda profissional.

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