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Diretor executivo CNN Portugal

“Ó senhor deputado, desculpe lá: não é assim que funciona a vida”

16 jun 2023, 19:55
Pedro Nuno Santos ouvido na CPI à gestão da TAP (Miguel A. Lopes/Lusa)

Balanço da CPI à TAP? Nega até haver provas. Age apenas se fores apanhado. Não abuses da mentira, abusa da omissão (variação: quem perde a memória não mente). Nada existe até ser notícia. Não há erros políticos, só erros de comunicação. Combate fogos com contra-fogos, levanta polémicas paralelas. Se queres sair bem, sê convicto como um leão e humilde como um cordeiro, santifica vítimas e culpabiliza opositores, antecessores e assessores - e não dramatizes os erros, dramatiza as circunstâncias do que, afinal, se calhar até foi só azar, populismo e falta de notícias.

A frase do título é de Pedro Nuno Santos – e encerra algumas ilações desta Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. É uma espécie de “A Vida Como Ela É”, para glosar o escandaloso Nelson Rodrigues. "Não te apresses a perdoar”, recomendava ele, “a misericórdia também corrompe”. Também dava para título desta crónica:

Primeiro, apressámo-nos a culpar. Depois, apressámo-nos a perdoar.

1. Demite-te depressa e acabarás aclamado

Pedro Nuno Santos “regressa em grande”, Alexandra Reis “é competentíssima”, Christine Ourmières Widener “teve lucros”, Hugo Santos Mendes “é leal” e Manuel Beja “…quem?” É mais ou menos este o comentário dominante sobre aqueles cujas cabeças rolaram por causa da indemnização à administradora da TAP.

Muitos destes magnânimos estão agora a lavar os dentes com que antes esquartejaram estes mesmo cinco decapitados. Mas o que retiro da CPI nem é isso. É a ter percebido que a amnésia é contagiosa.

Manuel Beja e Christine Ourmiéres Widerner assinaram uma indemnização ilegal, que foi declarada nula pela Inspecção-Geral de Finanças. Alexandra Reis aceitou ser presidente da NAV sem devolver a indemnização recebida na TAP, como por lei tinha de fazer. Hugo Santos Mendes, além de emails infanto-juvenis, aprovou uma indemnização que continuou a defender. Pedro Nuno Santos, além de perdas de memória, demitiu-se porque “não correu bem”. O que é que não correu bem? Uma indemnização de meio milhão que ele aprovara e que seria considerada “nula” e “uma ilegalidade grave”? Não: “verdadeiramente, o motivo foi a reação que houve à dimensão da indemnização”. Portanto, o problema foi o chinfrim. Até porque – alerta momento ridículo – estávamos no fim de ano e havia poucas notícias.

Primeiro, apressámo-nos a culpar. Depois, apressámo-nos a perdoar. 

Pedro Nuno Santos “regressa em grande” depois da travessia de um minideserto e eu aplaudo, o país idolatra homens carismáticos e os jornalistas embevecem-se com machos alfa. Ainda assim, em respeito à falta de memória dele abdicamos da falta de memória nossa.

“Há verdades mais inverosímeis que mentiras”, antecipou-se Pedro Nuno Santos, e a verdade é que ele conheceu as condições de saída de Alexandra Reis, que dias antes de ser corrida a peso meio-milionário até pôs o cargo à disposição. Mas sem memória, sem tempo para responder a emails ou falar com o presidente da TAP, o ministro só se lembrou que tinha sabido por escrito da indemnização depois da presidente CEO da TAP dizer que disso tinha provas escritas. Eis a verdade inverosímil.

E assim concluímos as “consequências políticas”: os que se demitiram são gigantes porque assumiram responsabilidades; o primeiro-ministro passou ao largo e manteve João Galamba no governo como pinhata, para levar paulada política até se despedaçar em forma de rebuçados pelo ar.  

Por isto, está de parabéns o PS. Aliás, os dois PS.

Não está de parabéns a TAP.

2. O “nosso dinheiro” é um amor tardio

Amadorismo é a palavra que mais se adequa. Os homens da geração dos blogues chegaram ao poder com ímpeto, verve, com sangue a correr nas veias, nimbados de vontade solar, com sedução pela coragem – mas com a imaturidade de quem, se pudesse, resolvia tudo ao murro e à metáfora. A virilidade e a testosterona são canalizadas pela imensa experiência política mas esbarram na falta de experiência da vida real. Ou, vá lá, d’ “A vida como ela é”.

Costa manteve João Galamba no governo como pinhata, para levar paulada política até se despedaçar em forma de rebuçados pelo ar. 

Não é assim que funciona a vida: para despedir é preciso indemnizar (meio milhão a Alexandra Reis), para nacionalizar é preciso pagar (55 milhões a Neeleman), para exonerar não basta um telefonema (a Frederico Pinheiro), para resgatar um computador não se chama o SIS (quem o sugeriu?), uma rescisão não é uma renúncia (legalmente), ao mercado não se comunica com palavras albardadas (à CMVM), não se sai incólume de demitir (dois, na verdade três) presidentes em direto na TV (Widener e Beja por Medina e Galamba; Antonoaldo por Pedro Nuno), as decisões políticas precisam de fundamento jurídico quando são empresariais e – sobretudo -, não é verdade que a verdade venha sempre ao de cima, mas não é mentira que, quando sobe, destrói tudo o que a quis desalojar. “Também se tiram lições [sic] disto, nós vamos aprendendo”, disse o ex-ministro. Está coberto de razão.

Mas as lições são diferentes das ilações.

Neste governo parece que se pode fazer tudo desde que não se seja apanhado pelas notícias. 

As lições a tirar são sobre o funcionamento do governo, mais do que a sua composição, e sobre a sua relação com o Estado, incluindo empresas públicas. É isso que António Costa deve retirar desta CPI: não gerir política e empresarialmente uma empresa sem respeito pelos estatutos, órgãos sociais e até credores; não gerir cargos e descargos indemnizando pela calada; não gerir sem transparência, sem contratos e relatórios; não gerir pelo telefone, não fazer pressões políticas.

O discurso minimal-repetitivo da CPI sobre “o dinheiro dos contribuintes” não convence ninguém. Porque houve tanto prejuízo e depois tanto dinheiro que, sem transparência, não dá para fiar nem confiar. Os administradores foram saindo quase todos bem: 13 deles por 8,5 milhões? Não sabemos, é informação classificada. E os trabalhadores? Despedidos, alguns por um quarto de milhão, outros recontratados.

3. O cúmulo da comunicação

Não são, no entanto, aquelas as ilações. A principal ilação é de que neste governo parece que se pode fazer tudo desde que não se seja apanhado pelas notícias. É esse o manual político de hoje, de que tudo é uma questão de comunicação. Mas é a partir desta filosofia de instrumentalização do Estado, de manipulação do espaço mediático e de infantilização dos portugueses que chegamos onde chegámos: ao fim de uma CPI em que somos vencidos pelo cansaço.

Balanço desta CPI? Ausência de pensamento político, mas um robusto manual não escrito de regras de conduta política:  

Nega até haver provas. Age apenas se fores apanhado. Não abuses da mentira, abusa da omissão (variação: quem perde a memória não mente). Nada existe até ser notícia. Não há erros políticos, só erros de comunicação. Combate fogos com contra-fogos, levanta polémicas paralelas. Não há traições, há lealdades intermitentes. Se queres sair bem, sê convicto como um leão e humilde como um cordeiro, santifica vítimas e culpabiliza opositores, antecessores e assessores - e não dramatizes os erros, dramatiza as circunstâncias do que, afinal, se calhar até foi só azar, populismo e falta de notícias.

Ó senhores deputados, desculpem lá: não é assim que funciona a vida.

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