Maquinistas dizem que estão a ser obrigados a trabalhar horas a mais. "Vários adormecem durante a condução"

7 abr 2022, 07:30
Comboios

Pressionados a fazer trabalho extraordinário sem direito a folgas de compensação, maquinistas chegam a conduzir durante horas seguidas sem poderem descansar

Maquinistas da CP, da ViaPorto (subconcessionária da Metro do Porto) e da Medway dizem sentir-se pressionados pelas empresas para fazer trabalho extraordinário e não pedirem as respetivas folgas de compensação, revela um estudo do Observatório para as Condições de Vida e de Trabalho, da Universidade Nova e Instituto Superior Técnico, divulgado esta quarta-feira.

De acordo com o estudo, que investigou o desgaste profissional dos maquinistas, os inquiridos referem que "as administrações das empresas não contratam o número de trabalhadores suficientes para a realização do trabalho", pelo que "existe uma pressão - por vezes subtil, outras vezes ostensiva - para que os trabalhadores façam trabalho extraordinário e não peçam as respetivas folgas de compensação".

O salário base, que consideram baixo, também contribui para esta sobrecarga de trabalho, uma vez que os maquinistas aceitam fazer horas extra para aumentar o salário ao final do mês. Os autores do estudo salientam, contudo, que "esse aumento de salário é conseguido através da diminuição dos tempos de descanso e de lazer, do seu bem-estar e da sua segurança". 

Os maquinistas dizem ainda sentir-se desprotegidos ou pouco apoiados pela empresa, "que acaba por os 'atirar às feras' quando há um acidente ou um problema", com os autores do estudo a terem "vários relatos de que as empresas penalizam os trabalhadores". “A empresa não se importa que as regras sejam infringidas, desde que não haja problema. Quando há um problema, a responsabilidade é do maquinista”, pode ler-se no estudo, que cita um dos trabalhadores inquiridos.

Os horários de trabalho "irregulares", noturnos ou diurnos também estão entre as preocupações manifestadas pelos maquinistas. No caso da ViaPorto, em particular, "os maquinistas desta empresa têm oito horas completas de condução, praticamente sem pausas no tempo de trabalho". "Isso é considerado excessivo e causador de vários problemas, nomeadamente ao nível da segurança", refere o estudo. 

Ainda em relação aos horários irregulares, os maquinistas admitem que "as poucas horas de sono que certos horários permitem (apenas 3 a 4 horas em alguns acasos)" provocam um estado de sonolência que "inquieta muitos dos motoristas , na medida em que pode provocar acidentes".

"Vários maquinistas descrevem, com preocupação, episódios de ausências temporárias de consciência ou de adormecimento durante o tempo de trabalho (com o comboio parado ou mesmo durante a condução) por 'frações de segundo'", pode ler-se no estudo.

Falta de apoio em acidentes com vítimas mortais

Porém, o "cenário que provoca maior receio e ansiedade" nos maquinistas, de acordo com o estudo, são os acidentes com vítimas mortais, quer por "distração dos transeuntes" ou por outro motivo. "Estes episódios tendem a permanecer na mente dos trabalhadores. Por exemplo, tendem a ser relembrados cada vez que o maquinista passa no local onde ocorreu esse evento", refere-se no estudo, que indica relatos de trabalhadores que já tiveram "mais de dez" acidentes com vítimas mortais ao longo da sua carreira profissional.

"O apoio psicológico para estas situações é relativamente recente e, no caso da CP, os maquinistas têm de se deslocar a Lisboa ou ao Porto para receberem esse acompanhamento. Foi também referido que há situações em que os maquinistas são obrigados a passar por cadáveres (decorrente de colhidas de outros colegas) sem que os corpos das vítimas estejam tapados. Aqui também fica subjacente a pressão que é feita sobre os maquinistas para não aumentar os atrasos na circulação", salienta o estudo.

O estudo foi encomendado pelo SMAQ (Sindicato dos Maquinistas) e desenvolveu-se através de uma análise quantitativa, com um inquérito nacional a 610 trabalhadores, de sete empresas, e uma análise qualitativa, assente em entrevistas a 15 maquinistas da CP, da Operadora Viaporto e da Medway, embora um elemento tenha passado da Takargo para a CP.

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