"Não há previsão do pico de infeções. Estamos em crescimento exponencial"

24 nov 2021, 15:33
Covid-19: Lisboa, uma capital quase deserta

Dois dos especialistas que desde início foram consultores do Governo para as linhas vermelhas da covid-19 revelam à CNN Portugal as previsões de crescimento do número de infetados e explicam o que pode estar na origem da quinta vaga. Esta quinta-feira, Conselho de Ministros avança com novas medidas

“Havia razões para nos preocuparmos”, começa por dizer Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O número de infeções por Sars-Cov-2 tem vindo a crescer nos últimos dias, uma subida que tanto para o matemático como para o epidemiologista Manuel Carmo Gomes era de esperar, mesmo com o sucesso da taxa de vacinação. “Dissemos várias vezes que com o aproximar do outono e do inverno e [com as pessoas] em espaços fechados, era previsível uma subida de casos”, explica Carmo Gomes.

A quinta vaga já se faz sentir na Europa e Portugal atingiu, no dia 17 de novembro, a linha vermelha de infeções. Esta quarta-feira, foram 3773 os novos casos de covid-19 registados, mas os dois especialistas são taxativos na hora de dizer que ainda não é possível prever quando será o pico de casos de covid-19 em Portugal. No entanto, Carlos Antunes deixa claro que “tem de haver uma desaceleração de casos” o mais rápido possível, sob a pena de o número de infeções aumentar ainda mais no final do ano, assim como as hospitalizações, uma vez que “a efetividade vacinal vai caindo com o tempo”, cenário que é de evitar, pois iria sobrecarregar o Serviço Nacional de Saúde, já ele “sobrecarregado com outras patologias”.

“Estamos em crescimento exponencial, mas, neste momento, ninguém consegue dizer quando vai ser o pico. Quando o crescimento desacelerar poderemos ver isso”, garante Manuel Carmo Gomes, também professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

O que está na origem da subida de casos?

Embora os dois especialistas não apontem uma data concreta que possa estar na origem da subida do número de infetados, ambos reconhecem que a terceira fase de desconfinamento pode ter sido determinante para a situação atual. “Desconfinamos a 1 de outubro e vimos imediatamente um aumento nos mais jovens, [aumento] que perdurou ao longo do mês de outubro. Quando chegamos ao fim de outubro vemos uma generalização a todas as idades e agora a subida é generalizada”, afirma Manuel Carmo Gomes.

Para Carlos Antunes, a “abertura de atividades que não houve no ano passado”, como os bares e as discotecas, assim como o regresso da “atividade académica e da praxe”, podem também ter servido de trampolim para a subida do número de infetados entre as faixas etárias “com uma vida social diferente”, como é o caso dos jovens dos 18 aos 24 anos e dos 25 aos 29 anos. No entanto, “agora são todas as idades” as que apresentam uma subida de infeções, “mas dos 0-9 anos tivemos um aumento de infetados, os grupos dos 20-29 e 30-39 anos, por 100 mil [habitantes], são os que têm mais casos de infeção”, refere Carmo Gomes.

O índice de transmissibilidade (Rt) superior a 1 aconteceu “por volta da segunda semana de outubro e nunca mais desceu, assim entramos num crescimento exponencial, é matematicamente demonstrável”, refere o epidemiologista. Mas se o mês de outubro, aliado ao alívio das restrições, pode ter sido o pontapé de saída para a subida do número de casos e aumento da incidência, “é a partir de novembro que há uma aceleração do ritmo de casos”, garante o matemático Carlos Antunes, referindo algumas ocasiões que podem ter servido de rampa de lançamento para as infeções, como o feriado de 1 de novembro, em que as pessoas “foram visitar familiares”, a Web Summit que aconteceu em Lisboa e o Moto GP, que teve lugar em Portimão.

De acordo com um ensaio escrito pelos dois especialistas, e partilhado no site da Faculdade de Ciências da Universidade e Lisboa, “este aumento de incidência em vacinados associa-se ao decaimento da concentração de anticorpos em circulação no sangue do indivíduo, duma forma que é ainda quantitativamente mal compreendida. Sabe-se, no entanto, que o decaimento é maior nos idosos e é menor para pessoas que tenham tido infecção antes da vacinação. Após cinco a seis meses pós-vacinação, o risco de infecção acentua-se”.

Inverno não será como o de 2020, mas é preciso moderar otimismo

Christian Drosten, diretor do Instituto de Virologia do Hospital Charité de Berlim, disse ao jornal alemão Der Spiegel que a pandemia em Portugal chegará ao fim na primavera do próximo ano, tendo em conta a elevada taxa de vacinação no país. Ainda mais otimista foi o virologista Pedro Simas, que em declarações à SIC Notícias, disse que já não há pandemia.

Manuel Carmo Gomes diz que “é muito arriscado fazer previsões para a segunda metade de dezembro”, quanto mais para prever o fim da pandemia: “Não faz sentido termos uma visão tão otimista”, garante, frisando que “isto está longe de acabar” e que é “precipitado” afirmar o contrário, até porque, diz, “se assumirmos que a taxa de crescimento da pandemia se mantém, vamos ter dois mil [casos] antes do mês acabar e vamos entrar nos três mil [casos] na primeira metade de dezembro”.

Já Carlos Antunes diz mesmo que, além dos “3.000 ou 3.500” casos por dia “no final de novembro”, que se confirmaram esta quarta-feira, os números poderão ser mais elevados em janeiro caso nada seja feito para os travar. “Se chegarmos a esse patamar já será problemático, é o ponto a partir de qual os internamentos podem chegar à linha vermelha e não podemos chegar a esse patamar”, alerta. E por isso, diz, “discordo das visões otimistas, há uma grande incerteza, pensávamos que a vacina resolvia e a variante Delta mudou o panorama”, reforçando a ideia de que é preciso olhar para os números atuais e agir, pois “estamos numa situação epidémica e não endémica, esperávamos chegar a um patamar próximo da endemia, mas a efetividade vacinal está a diminuir e deixa cair por terra essa possibilidade. A vacina reduz doença grave e os óbitos, mas não a infeção”.

Embora seja esperado um aumento do número de infeções no inverno, o cenário deverá ser diferente do vivido no inverno passado e graças à vacinação, que vai também ser reforçada em maiores de 18 anos que foram inoculados com a dose única da Janssen (Johnson & Johnson). A variante Delta mantém-se dominante e altamente contagiosa e as vacinas, com o tempo, perdem eficácia no combate à transmissão, mas, segundo Carmo Gomes, poderão ser a tábua de salvação para evitar números de hospitalizações e óbitos semelhantes aos de janeiro deste ano.

“A imunidade com vacinas tenho quase a certeza que será suficiente para o impacto hospitalar comparado com o ano passado, mas são menos eficazes a proteger de uma mera infeção”, diz Carmo Gomes, esclarecendo que “ao reforçarmos a vacinação das pessoas com mais 65 anos estamos prioritariamente preocupados com as hospitalizações”.

Vai ser preciso tomar medidas

Atualmente, explica o investigador Carlos Antunes, “cada pessoa contacta em média 12 pessoas por dia, para conter a transmissão temos de reduzir [esse contacto] para dez ou oito e só se consegue [isso] com medidas que limitem a mobilidade, a lotação em espaços comerciais, com medidas restritivas que reduzam a concentrarão de pessoas”.

Apesar de garantir que “é cedo para dizermos o que vai acontecer”, Manuel Carmo Gomes afirma que “teremos de enfrentar as infeções à medida que surgem”, agindo em conformidade, o que, num cenário mais intenso, poderá levar a medidas de mitigação do contágio.

“Temos assistido a um ressurgimento do numero de infeções, temos de tomar medidas adequadas, não podemos dizer que não há pandemia, quando as enfermarias e os cuidados intensivos estão a subir. Não podemos fingir que não acontece”, defende o epidemiologista.

A testagem é, para Carlos Antunes, determinante nesta fase “porque despista e queremos detetar o mais precocemente possível o infetado e isso só se faz com testagem massiva“. Na passada quinta-feira, o Ministério da Saúde anunciou que os testes rápidos de antigénio vão voltar a ser comparticipados.

Uma das medidas apontadas pelos dois especialistas é o reforço de vacinação, algo que Carmo Gomes diz que urge “mover-se depressa para evitar impacto hospitalar significativo”. Já Carlos Antunes fala da possível necessidade de se reforçar a vacinação noutras faixas etárias, aliada a medidas não farmacológicas, como o regresso do uso de máscaras, uma medida que o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa abordou esta semana e que, diz Carlos Antunes, poderá ser uma realidade a longo prazo. “A máscara vai continuar neste inverno e não sabemos se vai continuar no próximo”, conclui.

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