Mesmo as pessoas que recuperaram de uma infeção por covid-19 tão recentemente como dezembro ou janeiro podem ser novamente infetadas por estas novas subvariantes
Não há como negar os números: mesmo com relatórios inconsistentes, os casos e hospitalizações de covid-19 estão de novo a aumentar nos Estados Unidos.
Os casos estão a subir na maioria dos estados e aumentaram mais de 50% em comparação com a semana anterior em Washington, Mississippi, Geórgia, Maine, Havai, Dakota do Sul, Nevada e Montana. Em Nova Iorque, onde os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA recomendam o uso de máscara em espaços fechados, mais de um quarto da população do estado encontra-se com um “alto” nível de transmissão comunitário do vírus.
De acordo com os dados recolhidos pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, a média de hospitalizações diárias aumentou cerca de 10% desde a semana passada.
Desta vez, o responsável parece ser uma subvariante do BA.2 da Ómicron chamado BA.2.12.1, que foi assinalado pela primeira vez pelas autoridades sanitárias do estado de Nova Iorque em abril.
A BA.2.12.1, que está a ter um crescimento cerca de 25% mais rápido do que o seu vírus de origem (BA.2), é responsável por quase 37% de todos os casos de covid-19 nos EUA, de acordo com novas estimativas do CDC.
A BA.2 causou cerca de 62% de todos os casos de covid-19 na semana passada, em comparação com 70% na semana anterior.
EUA e África do Sul enfrentam novas variantes mais rápidas
A BA.2.12.1 não é a única variante da Ómicron que os cientistas estão a vigiar.
Após semanas com descidas nos números, a África do Sul viu os seus casos de covid-19 aumentar acentuadamente nas últimas duas semanas. Os testes positivos e as hospitalizações também aumentaram à medida que os cientistas observavam duas subvariantes relativamente novas, BA.4 e BA.5, a dominar a transmissão neste país. Em conjunto, representaram quase 60% de todos os novos casos de covid-19 no final do mês de abril, de acordo com o Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis da África do Sul.
Estas novas subvariantes da Ómicron estão a espalhar-se por todo o mundo. Foram relatados casos da BA.4 em 15 países e 10 estados americanos, enquanto a BA.5 foi detetada em 13 países e cinco estados americanos, de acordo com o website Outbreak.info, que é mantido por uma coligação de centros de investigação académica e é financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde.
As subvariantes Ómicron são resistentes à imunidade
Um novo estudo ainda em preprint (sem revisão de pares e a ser analisado), indica por que razão a BA.4 e a BA.5 estão a ganhar terreno: estas subvariantes conseguem escapar aos anticorpos criados por infeções anteriores causadas pelo primeiro vírus Ómicron (BA.1), a variante responsável pela enorme onda de infeções que atingiu muitos países em dezembro e janeiro. Estas também têm a capacidade de escapar aos anticorpos das pessoas vacinadas e que sofreram infeções por BA.1, embora isto tenha acontecido em menor quantidade do que em pessoas que só foram contaminadas.
Tal como a BA.2.12.1, as BA.4 e BA.5 têm uma vantagem de crescimento sobre a BA.2.
Na África do Sul, os investigadores testaram num laboratório a capacidade dos anticorpos no sangue para incapacitar os vírus BA.4 e BA.5. Em pessoas não vacinadas, mas recentemente recuperadas de uma infeção por BA.1, verificaram uma queda superior a sete vezes na capacidade dos seus anticorpos para neutralizar os vírus BA.4 e BA.5. Em pessoas que tinham sido vacinadas, mas que tinham tido recentemente uma infeção causada por BA.1, as quedas foram menores, cerca de três vezes mais baixas.
Em comparação, a Organização Mundial de Saúde utiliza uma queda de oito vezes na neutralização como critério para a perda de proteção, o que implica a necessidade de uma atualização das vacinas contra a gripe sazonal.
Os resultados do estudo levaram os investigadores a concluir que “BA.4 e BA.5 têm potencial para resultar numa nova onda de contágio”, o que torna as vacinas covid-19 e as doses de reforço cruciais para travar a próxima onda.
“As nossas conclusões são, em primeiro lugar, que a Ómicron por si só não é uma grande vacina, certo?” salientou Alex Sigal, um virologista do Instituto Africano de Investigação em Saúde que liderou o estudo. “Só porque você foi infetado, não significa que esteja protegido do que vem a seguir”.
Eric Topol, cardiologista fundador e diretor do Scripps Research Translational Institute, elogiou a pesquisa, salientando que este laboratório foi também o primeiro a identificar a primeira variante Ómicron: "Têm tido um excelente desempenho durante todo o período da pandemia".
Ele referiu que, em geral, a descoberta não era uma boa notícia. Mesmo as pessoas que recuperaram de uma infeção por covid-19 tão recentemente como dezembro ou janeiro podem ser novamente infetadas por estas novas subvariantes.
“A capacidade de fuga ou evasão imunitária foi manifestada em pessoas que não foram vacinadas”, disse Topol, salientando que apenas cerca de 1 em cada 3 pessoas na África do Sul foram vacinadas contra o covid-19.
Para as pessoas que estão vacinadas, “podem não correr tantos riscos, mas ainda assim têm também de enfrentar a BA.4 e BA.5 com uma resistência menos sólida de anticorpos neutralizantes”, disse ele. “As mutações em BA.4 e BA.5 demonstram ser um verdadeiro desafio à nossa capacidade de resposta imunitária”.
Apenas algumas dezenas de contágios destes vírus foram detetadas nos EUA e no Canadá. Segundo os investigadores, é demasiado cedo para saber se a BA.4 ou BA.5 irá alastrar-se nos Estados Unidos.
Não seria nenhuma supressa se tal acontecesse, comentou Andy Pekosz, um virologista e professor de microbiologia molecular e imunologia na Universidade Johns Hopkins. "Já vimos isto acontecer vezes sem conta. Uma variante torna-se dominante noutro país, eventualmente chega aos Estados Unidos e, por último, espalha-se pelo resto do mundo", disse Pekosz.
Entretanto, disse Topol, temos a nossa própria sub-linhagem em mãos: BA.2.12.1. “(Esta) Pode simular os problemas da BA.4 e BA.5”, referiu Topol. “Ainda não sabemos, pois não existe um estudo como este do laboratório Sigal”.
Mutação partilhada
Os vírus BA.4 e BA.5 e BA.2.12.1 têm mutações na posição 452 dos seus genomas. Esta região codifica uma parte do domínio de vinculação do recetor do vírus, a parte do vírus que se acopla a uma entrada no exterior das nossas células. Foram detetadas mutações nesta zona na variante Delta e em algumas outras. Os investigadores acreditam que as mutações neste local ajudam o vírus a vincular-se com mais firmeza às nossas células e a esconder-se das defesas imunitárias, os anticorpos, que tentam bloquear o vírus de forma a evitar que as nossas células sejam invadidas.
“Isso faz com que o vírus se transmita melhor, talvez também por entre as nossas células”, disse Sigal.
A BA.4 e BA.5 também apresentam alterações na posição 486, o que é um pouco problemático dado que os vírus anteriores que se alteraram neste lugar não se deram bem. Fracassaram.
“De repente, esta variação conseguiu fazê-lo. Portanto, ainda não sabemos o porquê de isto acontecer”, acrescenta Sigal. “A minha suspeita é que esta é uma mutação de evasão acentuada”, o que significa que ajuda o vírus a esconder-se do nosso sistema imunitário.
Os cientistas já deram início à sua pesquisa para tentar compreender melhor a BA.2.12.1, que foi detetada em 22 países, embora grande parte das ocorrências tenham vindo dos Estados Unidos.
Pekosz afirma que tem reproduzido cópias da BA.2.12.1 no seu laboratório e enviou recentemente amostras do vírus a outros grupos de investigação para análise. Afirmou que os cientistas começaram apenas agora a discutir o tipo de experiências que querem realizar para tentar responder a duas questões-chave: Com que rapidez é que o vírus se multiplica, e com que eficácia é que escapa à nossa imunidade?
Antes do vírus SRA-CoV-2, os cientistas pensavam que os coronavírus não mutavam com tanta frequência. Pekosz comentou que, olhando para trás, nós não conhecíamos o que ainda nos era desconhecido.
Enquanto o vírus continuar a encontrar hospedeiros para contaminar, o mesmo continuará a evoluir.
“Este vírus tem demonstrado que a sua mutação é lenta, mas no momento em que começou a contrair boas mutações, as variantes começaram a aparecer por todos os lados”, diz ele.