A pandemia fez Kim Jong-un bater em retirada. O mundo devia preparar-se para o seu reaparecimento

CNN , Paula Hancocks e Yoonjung Seo
20 jan 2022, 22:00
O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un acena a uma parada militar, em Pyongyang, a 15 de abril de 2017. Foto: Ed Jones//AFP/Getty Images

Nos primeiros tempos, Kim Jong-un era alvo de chacota, comenta Joseph Yun, antigo representante especial dos EUA para a Coreia do Norte. Essa perspetiva rapidamente mudou quando o jovem Kim se mostrou implacável e determinado

Há dez anos, o mundo via o jovem Kim Jong-un acompanhar solenemente o cortejo fúnebre do pai, numa manhã de neve, em Pyongyang, enquanto os norte-coreanos, abalados, choravam a sua morte.

O casaco longo e negro de Kim, tal como o penteado, que faziam lembrar o falecido avô, Kim Il-sung, foram vistos como um esforço superficial para imitar a autoridade dos seus antecessores.

Mas o jovem herdeiro da Coreia do Norte rapidamente se adaptou a esse papel, e os observadores da Coreia que eram céticos em relação ao seu regime, esperam agora que ele se mantenha no poder por tempo indefinido, partindo do princípio de que continua saudável.

É uma alteração significativa em relação aos primeiros tempos. Joseph Yun, antigo representante especial dos EUA para a Coreia do Norte, recorda que Kim era alvo de chacota.

"Durante algum tempo, houve muitas caricaturas negativas de Kim Jong-un na Coreia do Sul e na China, em tom jocoso. Na Coreia do Sul e nos Estados Unidos, era muito difícil levá-lo a sério", relembra Joseph.

Essa perspetiva rapidamente mudou quando o jovem Kim se mostrou implacável e determinado, algo que não condizia com a sua idade.

Kim Jong-un faz continência ao lado do caixão do pai, durante o cortejo fúnebre em Pyongyang, a 28 de dezembro de 2011. Foto: Kyodo News/Kyodo News Stills/Getty Images

Kim não hesitou em purgar ou executar até quem estava mais próximo dele, numa tentativa de reforçar o controlo do poder. O influente tio e suposto mentor, Jang Song-thaek, foi executado em 2013 por "tentar derrubar o Governo", segundo os média estatais.

E o meio-irmão mais velho de Kim, Kim Jong-nam, foi assassinado com o agente neurotóxico VX no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, em 2017, onde estava exilado. Contudo, a Coreia do Norte negou qualquer responsabilidade pelo homicídio mais que evidente.

Poucos questionam a autoridade de Kim, mas alguns especialistas receiam que o seu poder consolidado possa incentivá-lo a correr maiores riscos. E enquanto a covid deixa a Coreia do Norte ainda mais isolada, o seu líder poderá tornar-se mais perigoso.

Cortejo fúnebre de Kim Jong-il passa por Pyongyang, a 28 de dezembro de 2011. Kyodo News/Kyodo News Stills/Getty Images

A construção de um líder

Kim Jong-un discursou pela primeira vez em público no centenário do nascimento do avô, Kim Il-sung, em abril de 2012, uma das datas mais importantes no calendário da Coreia do Norte.

Foi um sinal de distanciamento em relação ao estilo do pai, Kim Jong-il, que mal falava em público.

O jovem líder estava de pé na tribuna e ia alternando o peso do corpo de um pé para o outro, como um rapazinho, enquanto prometia cumprir os últimos desejos do pai de construir um forte país socialista.

Menos de um ano depois, em fevereiro de 2013, Kim Jong-un realizou o seu primeiro teste nuclear – o terceiro na História da Coreia do Norte. Uma jogada provocadora, interepretada como uma mensagem de Kim para o mundo, sobretudo para os Estados Unidos, de que deveriam levá-lo a sério. Pouco depois, Kim anunciou a sua política "Pyongjin", para desenvolver em simultâneo o programa nuclear e a economia.

Nos anos seguintes, a Coreia do Norte dedicou-se a desenvolver as suas capacidades militares, e não apenas os mísseis balísticos intercontinentais (MBIC). Foram também testados vários mísseis de curto e médio alcance e detonadas mais três explosões nucleares subterrâneas.

"A diversificação que vemos na Coreia do Norte é intrigante, tendo em conta os recursos limitados do país", segundo Ankit Panda, investigador do Carnegie Endowment for International Peace. "Aquilo que vemos é a existência de mais de 10, cerca de 15, potenciais sistemas de fornecimento de energia nuclear em desenvolvimento. É verdadeiramente notável."

Além de desenvolver a capacidade militar do país, Kim alcançou uma vitória diplomática que nem o pai nem o avô conseguiram em regimes mais longos: uma cimeira com um Presidente norte-americano em funções.

Kim reuniu-se com o Presidente norte-americano Donald Trump em Singapura, em 2018, naquela que foi considerada uma oportunidade para consolidar novas relações entre as nações. Durante esta visita, Kim passeou descontraidamente pela baixa de Singapura, acenando às pessoas. Algo que seria impensável para o seu pai e avô, cujas aparições públicas sempre foram meticulosamente planeadas.

Para Yun, o encontro de Kim com Trump significou que ele estava a "afirmar-se e estabelecer-se como líder regional, com um lugar próprio neste panorama."

Kim Jong-un reuniu-se com o Presidente norte-americano Donald Trump, em Singapura, a 12 de junho de 2018. Foto: Saul Loeb/AFP/Getty Images

Uma série de cimeiras com líderes mundiais, incluindo Trump, o Presidente chinês Xi Jinping, o Presidente russo Vladimir Putin e o Presidente sul-coreano Moon Jae-In, produziu poucos resultados tangíveis e fez poucos progressos para a resolução da questão nuclear da Coreia do Norte. Mas deu maior visibilidade mundial a Kim Jong-un e à Coreia do Norte.

A criação do "Kimjongunismo"

Quando Kim foi confirmado como "Secretário-geral" no 8.º Congresso do Partido dos Trabalhadores da Coreia, em janeiro, os retratos do pai e do avô já tinham sido retirados das paredes, de acordo com as imagens do evento publicadas pelos média estatais.

Para os especialistas e para o Ministério da Unificação da Coreia do Sul, este é um sinal de que Kim alcançara o patamar dos seus antecessores.

A agência de espionagem da Coreia do Sul informou os legisladores do país que a Coreia do Norte tinha começado a usar o neologismo "Kimjongunismo" internamente. Surgiam relatos da excelência de Kim, mesmo ao nível da idolatria, nos média estatais.

A Agência Central de Notícias do regime (KCNA) descreveu Kim como "o extraordinário mestre que indica o rumo certo de forma brilhante... com a sua ímpar sabedoria ideológica e teórica."

Cheong Seong-chang, diretor do Centro de Estudos da Coreia do Norte no Sejong Institute, vê estes relatos como uma estratégia deliberada da Coreia do Norte para diferenciar o Kimjongunismo das ideologias de Kim Jong-il e Kim Il-sung.

Para ele, o Kimjongunismo dá prioridade às pessoas, ao contrário do pai, que colocava o desenvolvimento militar acima de tudo. As políticas de Kim também apelam ao patriotismo e à construção do estado da Coreia do Norte, um distanciamento das ambições do avô por um estado socialista, elevado por um desejo coletivo de autossuficiência.

Duyeon Kim, investigadora adjunta do Centro para uma Nova Segurança Americana, diz que Kim parece estar a tentar traçar o seu próprio rumo. "Ele parece querer sair da sombra do pai e do avô e virar todas as atenções para ele", afirma ela.
 
Mas esta não é uma jogada exclusiva de Kim Jong-un, de acordo com Cheong. Ele diz que o avô de Kim, que adotara incondicionalmente o Marxismo-Leninismo no início do seu regime, passou a seguir a sua corrente independente no seu 10.º ano. E Kim Jong-il começou a promover a sua ideologia, juntamente com a ideologia Juche ou de ou autossuficiência de Kim Il-sung, em 1985, 11 anos após subir ao poder.

Mas ao contrário dos seus antecessores, que tinham pintado a imagem de um paraíso na Terra e não reconheciam quaisquer falhas, Kim tem admitido que há áreas a melhorar, tal como a a situação alimentar "tensa" do país.

A próxima década será crucial para o Kimjongunismo, pois Kim procura cumprir a sua promessa de melhorar a vida das pessoas, apesar de estar limitado por rígidas sanções internacionais. Ao contrário dos antecessores, Kim incentivou uma combinação de uma economia de mercado – que permite às pessoas obterem lucros – com uma economia planeada que limita os ganhos individuais.

Contudo, a inesperada pandemia global talvez seja o maior desafio para o Kimjongunismo. As fronteiras da Coreia do Norte estão fechadas há quase dois anos, desde o início da pandemia, bloqueando quase todo o comércio e ajuda humanitária.

A Coreia do Norte tem uma escassez crónica de alimentos de cerca de um milhão de toneladas por ano, de acordo com o Governo sul-coreano. O Ministério da Unificação da Coreia do Sul declarou que alguns produtos alimentares apresentaram um "aumento acentuado" do preço e "a volatilidade dos alimentos e das necessidades diárias no geral tem aumentado, à medida que o encerramento da fronteira se prolonga."

"A maior dificuldade que a Coreia do Norte enfrenta agora é que nem a própria Coreia do Norte sabe quanto tempo irá durar este isolamento", afirma Cheong.

O que significa isto para o mundo?

A Coreia do Norte não testa mísseis desde outubro. Mas este hiato não deve ser confundido com uma mudança de estratégia. Segundo os especialistas, poderá significar exatamente o oposto.

Alguns especialistas acreditam que esta pausa pode estar relacionada com a importante agenda da China para o próximo ano: os Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim e o Congresso do Partido Comunista de 2022.

"A China não quer polémicas antes das Olimpíadas de Pequim, nem qualquer instabilidade na Península coreana antes do seu próprio congresso. Portanto, essa é um motivo-chave para a Coreia do Norte não ter feito qualquer teste de mísseis ou teste nuclear, pois isso desagradaria imenso a China", afirma Yun, ex-representante especial dos Estados Unidos para a Coreia do Norte.

Prevê-se que a Coreia do Norte continue a trabalhar nos planos delineados por Kim em janeiro, incluindo o desenvolvimento de armas nucleares táticas, mísseis hipersónicos, um MBIC a combustível sólido, um submarino de propulsão nuclear e armas nucleares estratégicas de lançamento subaquático.

E há indícios de que o país está a intensificar o seu programa nuclear, enquanto as conversações com os Estados Unidos se encontram num impasse. Parece ter retomado a atividade de um reator no complexo nuclear principal de Yongbyon, que parecia estar encerrado desde dezembro de 2018, segundo relatos da Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA) entre outras.

"Historicamente, o desenvolvimento dos programas nucleares e de mísseis balísticos da República Popular Democrática da Coreia foi acelerado em períodos em que o país não estava vinculado por qualquer acordo com – ou envolvendo – os Estados Unidos para restringir os programas de armas de destruição maciça do país", afirma Laura Rockwood, diretora da Open Nuclear Network, e ex-responsável de secção para Não-Proliferação e Decisão de Políticas na AIEA.

Soldados norte-coreanos em veículos blindados durante uma parada militar, em Pyongyang, a 10 de outubro de 2015. Foto: Ed Jones//AFP/Getty Images

Apesar de Trump ter concordado com a cimeira de Singapura sem demasiadas restrições, a política norte-americana em relação à Coreia do Norte insistiu de uma forma geral na pré-condição de que a Coreia do Norte se comprometesse com a desnuclearização.

Contudo, Rockwood acrescenta que teria sido mais produtivo encetar negociações com a Coreia do Norte, tendo em vista o controlo do armamento como primeiro passo, antes de antes de qualquer progressão para uma possível desnuclearização.
Infelizmente, a Coreia do Norte não é uma prioridade na agenda de Washington no momento.

A situação aparentemente estável do regime sob o forte domínio de Kim pode levar a Administração Biden a pensar que pode concentrar-se noutros assuntos mais prementes na região, China e Taiwan.

Mas os especialistas alertam quanto às consequências da falta de um envolvimento mais ativo com o Norte, enquanto este continua a reforçar a sua capacidade de armamento.

"O desafio para a Coreia do Norte é crescer mensalmente, anualmente, e o desafio que vamos enfrentar daqui a cinco anos será significativamente diferente", afirma Panda, do Carnegie Endowment for International Peace.

Uma coisa parece ser cada vez mais certa. Kim deverá manter-se por muito tempo como líder confiante e ditador difícil de lidar para o resto do mundo.

"Se ele estiver bem fisicamente, vai manter-se no poder nas próximas décadas" afirma Duyeon Kim, do Centro para uma Nova Segurança Americana.

"É aqui que devemos pensar a longo prazo. Mesmo que a Coreia do Norte não faça grandes avanços para alcançar os seus objetivos imediatamente ou a médio prazo, a Coreia do Norte sempre foi resiliente, mesmo nos tempos mais difíceis para a economia."

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