Cresceu benfiquista, ganhou cinco títulos no Sporting e tem Apolinário marcado na pele

20 mai 2021, 23:45
João Freitas (foto: Facebook FC Alverca SAD)

João Freitas, capitão do Alverca, é o protagonista do "Conto Direto" desta semana.

"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

João Freitas, 28 anos, defesa do FC Alverca. 

[foto principal do artigo cedida gentilmente pelo clube. Créditos: Luís Pontes - Estádio 11]

«Normalmente levanto-me por volta das 7 horas. Tenho de estar no clube por volta das 9h, e ainda moro relativamente longe. Depois vou para casa almoçar, e normalmente descanso durante a tarde. Uma vez ou outra vou dar uma volta, passar algum tempo com amigos, mas por norma gosto de descansar, até porque os treinos são rasgadinhos.

Neste momento só jogo. Já trabalhei como motorista da Uber, em 2017/18, quando estava no Vilafranquense. Treinava de manhã e depois ia trabalhar de tarde, às vezes um bocado de noite também. Foram dez meses assim. Na época a seguir também estive a tirar um curso de personal trainer, mas infelizmente não consegui acabar, devido aos problemas financeiros que o clube teve nessa altura. Tinha outras despesas, e por isso tive de abandonar. Era um curso um bocado dispendioso, mas talvez retome no futuro, embora também pense numa licenciatura, que tem outro peso no mercado de trabalho. Queria ver se me candidatava para o ano, para ter uma base quando acabar de jogar. Gostava de ficar ligado ao futebol, mas é preciso ter várias soluções.

Comecei a jogar futebol no 1.º de Dezembro. Por influência do meu pai e dos meus irmãos, mais velhos, que tinham jogado lá. Vivíamos perto do campo. Foi quase automático o meu pai levar-me lá a treinar.

Depois, no último ano dos infantis, fui para o Estoril. Fiz um jogo contra ele num torneio de fim de época, no Lourel, e depois contactaram os meus pais para ir para lá. Depois fiz uma boa época no Estoril, fui chamado à seleção de Lisboa, e o treinador era o Luís Dias, que estava no Sporting. O torneio correu-bem e acabou por surgir o convite para ir para o Sporting. Fiquei eufórico, claro. Era um miúdo de 12 anos que, de repente, tinha a oportunidade de ir para uma das melhores academias do mundo. Estava também com o Afonso Taira, que era meu colega no Estoril, e que também foi para o Sporting nessa altura. Ainda hoje é meu amigo.

A minha geração era o Rui Coentrão, Luís Ribeiro, William Carvalho e o Tiago Cerveira. Depois também fui colega do Cédric, Nuno Reis, Mário Rui. Nos juniores ainda apanhei o Esgaio e o João Mário, por exemplo, ou mesmo o Bruma, que era dois anos mais novo mas já jogava nessa equipa de juniores.

Ainda hoje alguns desses colegas fazem parte do meu núcleo de amigos, como o Mauro Antunes, para além do Afonso Taira. E depois o Jorge Bernardo ou o Morgado, com quem não tinha ligação na altura, mas que, entretanto, jogaram comigo. Também fiquei amigo do Miguel Serôdio, que era uma grande promessa, mas as lesões no joelho traíram-no e teve de deixar o futebol. Na minha geração não houve propriamente nenhum jogador que tenha surpreendido muito pela carreira que fez entretanto, mas posso falar do Josué, no sentido em que saiu a dada altura para o Vitória de Guimarães, mas conseguiu fazer uma boa carreira. Tal como o Tiago Rodrigues, que está agora no CSKA Sófia, ou o Ricardo, do Leicester, que passaram pelo mesmo. Saíram do Sporting a dada altura, mas vingaram no Vitória, um clube que, a dada altura, apostou na formação.

Um dos treinadores que mais me ajudou e mais me acarinhou foi o José Lima, já nos juniores. O Luís Dias também, nos juvenis. E até nem foi uma época muito boa, pois tive muitas lesões.

Tenho cinco faixas de campeão do Sporting. Dois títulos foram nacionais, um dos quais nos juniores. E depois os outros três foram distritais. Cheguei a ser convocado para a equipa da geração de 90, quando era ainda juvenil. Era a equipa do Diogo Rosado, Diogo Amado, Wilson Eduardo, etc. Foram campeões, mas eu não cheguei a jogar.

Curiosamente cresci benfiquista. Arrisco dizer que a maioria dos jogadores com os quais joguei no Sporting também eram, mas defendemos o emblema, sentimos o clube. Cheguei a ser expulso num jogo pelo festejo de um golo ao Benfica. Desde que entrei na Academia que levei aquilo muito a sério, pois queria chegar à equipa principal. Na altura não tinha noção de que era tão difícil, pensamos que é uma questão de tempo até lá chegar. Agora é mais fácil, pois há uma ponte. Na altura não tinha sub-23 nem equipa B.

Quando estamos em clubes grandes vivemos numa bolha. Eu agora sei ver isto, e costumo dizê-lo. Não temos noção da realidade. Temos boas condições, não nos falta nada. Eu saí da formação do Sporting e fui para o Moura. E atenção que é um clube que tem boas condições. Mas às vezes faltava uma meia, ou algo do género… Hoje em dia olho para trás e vejo que não tem significado, mas na altura foi um choque. Saí de casa dos meus pais e fui para lá viver sozinho, depois de tantos a ser mimado, em casa e na academia. Depois dás por ti a jogar em sintéticos, e defrontar jogadores bem mais experientes. Essa transição foi complicada, inicialmente. Não houve essa preparação, foi um choque.

Depois fui para o Sertanense, mas não foi uma época bem conseguida. Praticamente não joguei. Gostei de lá estar, das pessoas, mas a opção do treinador não recaiu em mim. Queria jogar, e por isso fui para o Amora a meio da época. Mas esse foi um choque ainda maior do que quando troquei o Sporting pelo Moura. No Amora faltava tudo, na altura. Não tínhamos campo para treinar, às vezes não havia luz para treinar, faltavam equipamentos… treinávamos às nove da noite. O clube estava muito desorganizado, não tem nada a ver com a realidade atual. Felizmente depois entrou o presidente atual, quando eu ainda lá estava, e conseguiu dar um rumo ao clube.

Depois fui para o Casa Pia, onde tive duas épocas boas. No início da terceira fui para Chipre, para o DOXA, mas só fiquei lá na pré-época. Foram dois meses. Não fui bem recebido, fui tratado com alguma diferença. Se calhar porque não tinha muito nome, tinha saído do Campeonato de Portugal. E depois não cumpriram com aquilo que estava prometido. Assinei um contrato em Portugal, depois fiquei a saber que esse documento não valia de nada, que tinha de assinar outro lá. Basicamente fui à experiência, e decidi regressar ao Casa Pia.

Em Pina Manique trabalhei com o mister Filipe Coelho. É como um pai futebolístico, para mim. Já me conhecia do Estoril, onde tinha sido meu treinador adjunto, e continuou a acompanhar o meu percurso. Fomos ao playoff de subida, com o Fafe.

Depois ele foi contratado pelo Leixões e levou-me para a II Liga, mas saiu logo em outubro. Eu continuei como titular nos jogos seguintes, mas depois tive alguns jogos menos conseguidos e saí da equipa. Chegaram a ligar-me a dizer que eu era a quarta opção, e eu procurei soluções no Campeonato de Portugal, e acabei por fazer a segunda metade da época no Gafanha.

Depois o Filipe voltou ao Vilafranquense, equipa que já tinha treinado, e eu fui com ele. Estive duas épocas em Vila Franca de Xira e agora mais duas em Alverca. Já tenho uma costela ribatejana.

Estamos agora a um passo de garantir a Liga 3, e se isso acontecer é um mau menor. Não há que esconder que o objetivo era, claramente, subir à II Liga. Já estive três vezes perto. Duas no Casa Pia e uma no Vilafranquense. E agora esta.

A morte do Alex Apolinário é uma dor que vou carregar para o resto da vida. Ninguém espera que aconteça algo assim. Vamos presenciando episódios destes, no futebol, mas estamos sempre longe de pensar que pode acontecer a um dos nossos. Infelizmente aconteceu. A partir daí entramos em todos os jogos para honrar a memória dele. Mesmo que não tivesse ligação com ele já seria trágico, mas ainda mais quando se trata de alguém muito querido por todos. Era um homem puro, e quando é assim custa ainda mais. Custa não ter a presença e a alegria dele no balneário. Ao início estava constantemente a recordar aquilo, sobretudo à noite, antes de adormecer. Isso marcou-me.

Logo na altura decidi fazer uma tatuagem para homenageá-lo, só que coincidiu com a segunda vaga da pandemia, e as lojas de tatuagens fecharam. Só tive oportunidade de fazer agora. Era um grande amigo. Um homem puro, que desejava o bem de toda a gente. Pode parecer clichê, mas é a realidade, caso contrário não teria feito esta homenagem. Tinha uma grande ligação com ele.»

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