Novo estudo analisa a eficácia das colonoscopias. E os resultados são dececionantes

CNN , Brenda Goodman
15 out 2022, 09:00
Colonoscopias ainda são eficazes na prevenção do cancro colorretal? (Imagem Getty)

As colonoscopias são um temido ritual de passagem para muitos adultos de meia-idade. A promessa tem sido a de que se suportar o embaraço e a sensação de invasão, por ter uma câmara a percorrer o comprimento do seu intestino grosso uma vez por década depois dos 45 anos de idade, tem melhores hipóteses de diagnosticar - e talvez prevenir - o cancro colorretal. É a segunda causa mais comum de morte por cancro nos Estados Unidos. Cerca de 15 milhões de colonoscopias são realizadas no país todos os anos.

Todavia, há um estudo pioneiro que sugere que os benefícios das colonoscopias para o rastreio do cancro podem ter sido sobrestimados.

Esta é a primeira vez que as colonoscopias foram comparadas com nenhum rastreio de cancro num ensaio aleatório. O estudo encontrou apenas poucos benefícios para o grupo de pessoas convidadas a fazer o procedimento: um risco 18% menor de contrair cancro colorretal, e nenhuma redução significativa do risco de morte por cancro. Foi publicado domingo no The New England Journal of Medicine.

O investigador do estudo, Michael Bretthauer, gastroenterologista que lidera o grupo de eficácia clínica da Universidade de Oslo, na Noruega, considerou os resultados dececionantes.

Mas, enquanto investigador, tem de seguir a ciência e, “por isso, aceitar os factos”, afirmou. “E podemos ter vendido em excesso esta mensagem durante os últimos 10 anos, mais ou menos, e temos de recuar um pouco nesse sentido.”

Outros peritos dizem que, por mais relevante que este estudo possa ter sido, tem limitações importantes, e estes resultados não devem dissuadir as pessoas de fazerem colonoscopias.

“Penso que é difícil saber o valor de um teste de rastreio quando a maioria das pessoas no rastreio não o fez”, referiu William Dahut, chefe científico da Sociedade Americana do Cancro, que não esteve envolvido no estudo.

Menos de metade das pessoas às quais foi sugerido fazer uma colonoscopia no estudo - apenas 42% - fez efetivamente uma.

Quando os autores do estudo restringiram os resultados às pessoas que efetivamente fizeram colonoscopias - cerca de 12.000 das mais de 28.000 às quais foi sugerido que o fizessem - o procedimento foi considerado mais eficaz. Reduziu o risco de cancro colorretal em 31% e reduziu o risco de morrer desse cancro em 50%.

Bretthauer afirmou que os verdadeiros benefícios da colonoscopia residem provavelmente algures no meio. Disse que pensa nos resultados do estudo completo - incluindo as pessoas que fizeram e não fizeram colonoscopias depois de terem sido convidadas - como a quantidade mínima de vantagens que as colonoscopias proporcionam a uma população examinada. E pensa nos resultados do subconjunto de pessoas que realmente receberam o teste como o máximo benefício que as pessoas poderiam esperar deste procedimento.

Com base nos seus resultados, espera então que a colonoscopia de rastreio reduza provavelmente as hipóteses de uma pessoa ter cancro colorretal entre 18% a 31%, e o seu risco de morte seja de 0% a 50%.

No entanto, afirmou que mesmo 50% está “no limite do que todos acreditariam que seria”.

Outros estudos estimaram maiores vantagens para as colonoscopias, relatando que estes procedimentos poderiam reduzir o risco de morte por cancro colorretal em até 68%.

O primeiro ensaio aleatório de colonoscopia

O estudo NordICC, que representa a Iniciativa da Europa do Norte sobre o Cancro do Cólon, incluiu mais de 84.000 homens e mulheres de 55 a 64 anos da Polónia, Noruega e Suécia. Nenhuma destas pessoas tinha feito colonoscopias anteriormente. Foi pedido aos participantes, de forma aleatória, que fizessem uma colonoscopia de rastreio entre junho de 2009 e junho de 2014, ou foram encaminhados para este estudo sem serem rastreados.

Nos 10 anos após a inscrição, o grupo convidado a obter colonoscopias tinha um risco 18% menor de cancros colorretais do que o grupo que não foi submetido a rastreio. Em geral, o grupo convidado para o rastreio também teve uma pequena redução no seu risco de morte por cancro colorretal, mas essa diferença não era estatisticamente significativa - o que significa que pode simplesmente ter sido uma coincidência.

Antes do ensaio NordiCC, as vantagens em fazer colonoscopias tinham sido medidas através de estudos observacionais que olharam para trás no tempo para comparar a frequência com que o cancro colorretal é diagnosticado em pessoas que receberam colonoscopias versus as que não receberam.

Estes estudos podem, no entanto, estar enviesados, pelo que os cientistas procuram ensaios aleatórios que classificam os indivíduos de forma incógnita em dois grupos: aqueles aos quais foi pedido que obtivessem uma intervenção e aqueles a quem não foi pedido. Estes estudos seguem então os dois grupos a tempo de ver se existem diferenças. Estes estudos têm sido difíceis de fazer para o cancro do cólon, que pode ser de crescimento lento e pode levar anos a ser diagnosticado.

Os investigadores dizem que vão continuar a seguir os participantes durante mais cinco anos. Pode ser que, como os cancros do cólon podem ter um crescimento lento, o facto de haver mais tempo ajude a aperfeiçoar os seus resultados e isso poderá vir provar que existem grandes benefícios no rastreio colonoscópico.

Resultados que precisam de uma interpretação minuciosa

Normalmente, este tipo de resultados dececionantes de um estudo tão grande e minucioso seriam considerados suficientemente definitivos para mudar a prática médica.

Mas este estudo tem algumas limitações que, segundo os especialistas, precisam de ser resolvidas antes de médicos e pacientes desistirem das colonoscopias para o rastreio do cancro.

“Não creio que alguém deva cancelar a sua colonoscopia”, afirmou Jason Dominitz, diretor nacional de gastroenterologia da Administração de Saúde dos Veteranos.

“Sabemos que o rastreio do cancro do cólon funciona”, defendeu Dominitiz, que também foi coautor de um editorial que decorreu paralelamente ao estudo.

Existem várias opções para o rastreio do cancro colorretal. Estas incluem testes de fezes que verificam se há sangue ou células cancerosas e um teste chamado sigmoidoscopia, que analisa apenas a parte inferior do cólon. Ambos demonstraram reduzir tanto a incidência de cancro como as mortes por cancro colorretal.

“Esses outros testes funcionam através da colonoscopia”, referiu Dominitz. “Identificam pessoas em alto risco que beneficiariam da colonoscopia, depois a colonoscopia é feita e remove pólipos, por exemplo, que impedem o indivíduo de ter cancro do cólon em primeiro lugar, ou identifica o cancro do cólon numa fase ainda tratável.”

Os pólipos são crescimentos benignos que se podem transformar em cancros. São tipicamente removidos quando identificados durante uma colonoscopia de rastreio, o que pode reduzir o risco futuro de cancro colorretal.

Estão em curso estudos em Espanha e nos EUA que testam a colonoscopia frente a frente contra testes de fezes para ver qual é o mais eficaz.

A melhor forma de rastrear o cancro colorretal

Dominitz afirmou que este ensaio controlado aleatório era tanto um teste de conselho como um teste do valor da colonoscopia.

“Se pedirmos à população para fazer algo, qual será o impacto deste procedimento?”, questionou.

Em geral, o estudo revelou que somente sugerir que as pessoas fizessem uma colonoscopia não teve um impacto assim tão benéfico nestes países, em parte porque muitas pessoas não o fizeram.

Dominitz acredita que a baixa participação pode ser parcialmente explicada pelo cenário do estudo. As colonoscopias não são tão comuns nos países envolvidos no estudo como o são nos Estados Unidos. Na Noruega, disse ele, as recomendações oficiais de rastreio do cancro colorretal só vieram o ano passado.

“Eles não veem os anúncios de serviço público. Não ouvem a Katie Couric falar sobre ser rastreada para o cancro do cólon. Eles não veem os cartazes no aeroporto e tudo mais”, afirmou. “Portanto, uma sugestão de rastreio é na Europa, penso eu, algo diferente do que uma sugestão de rastreio nos EUA.”

Nos EUA, de acordo com dados dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças, cerca de 1 em cada 5 adultos entre os 50 e os 75 anos de idade nunca foram rastreados por cancro colorretal.

Se se sentir reticente em obter uma colonoscopia, a US Preventive Services Task Force afirma que existem uma série de métodos e regimes que trabalham no sentido de detetar o cancro colorretal. Recomenda o rastreio com testes que verificam a presença de sangue e/ou células cancerosas nas fezes a cada um a três anos, um TAC ao cólon a cada cinco anos, uma sigmoidoscopia flexível a cada cinco anos, uma sigmoidoscopia flexível a cada 10 anos juntamente com testes às fezes para verificar a presença de sangue anualmente, ou uma colonoscopia a cada 10 anos.

Em 2021, a task force baixou a idade recomendada para iniciar o rastreio de rotina do cancro colorretal de 50 para 45 anos, porque o cancro está a tornar-se mais comum nos adultos mais jovens.

Dominitz afirmou que, no que diz respeito ao cancro colorretal, os testes só podem ser eficazes se as pessoas estiverem dispostas a fazê-los.

Como prova, aponta para resultados iniciais de um grande ensaio aleatório da Suécia que está a testar a colonoscopia, testes imunoquímicos fecais e nenhum rastreio.

Os resultados recolhidos de mais de 278.000 pessoas inscritas entre março de 2014 e o final de 2020 revelaram que 35% do grupo designado para fazer uma colonoscopia realmente fez uma, em comparação com os 55% que foram atribuídos ao grupo de teste de fezes.

Até à data, foram detetados ligeiramente mais cancros no grupo designado para o teste de fezes do que no grupo designado para obter uma colonoscopia – “portanto, a participação com rastreio é mesmo fundamental”, salientou Dominitz.

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