Apaixonaram-se em quatro dias e, quatro meses depois, ela foi diagnosticada com cancro. Estão juntos há 40 anos

CNN , Francesca Street
2 out 2022, 14:00

Annie MacDonald estava à espera na longa fila de um pequeno banco na cidade costeira de Zihuatanejo, no México, quando viu Steven Berger pela primeira vez.

Foi no mês de março de 1981, no Dia de São Patrício. Annie, com 20 e poucos anos e nascida em Otava, no Canadá, estava a terminar uma aventura de três semanas a viajar pelo México com a sua amiga Ellen.

Por acaso, Annie não devia estar em Zihuatanejo naquele dia. Ellen tinha viajado para a Cidade do México, mas Annie não se estava a sentir bem e decidiu ficar na cidade à beira-mar durante mais alguns dias.

Steven, um professor norte-americano do segundo ciclo, com 30 e poucos anos, estava a viajar sozinho e vinha de Denver, no Colorado.

"Steven diz sempre a brincar que achou que eu me senti atraída por ele e meti conversa porque ele estava no banco para trocar dólares americanos, que valiam muito mais do que os dólares canadianos”, diz Annie a rir.

Não foi esse o caso, insiste ela. Além disso, foi Steven quem iniciou a conversa.

“Estava uma miúda muito gira e sensual umas três pessoas à minha frente, na fila, e estava a usar um vestido que quase parecia do Afeganistão, onde eu tinha acabado de estar”, disse Steven à CNN Travel. "Agora, esta história pode ser revisionista, claro. Mas lembro-me de dizer algo como, 'Isso é do Afeganistão?' E o resto é história."

“Steven vestia uma t-shirt de veludo azul-marinho”, acrescenta Annie. “Não era exatamente uma declaração de moda, como ele próprio reconhece.”

O longo cafetã cor de laranja de Annie não era do Afeganistão, mas a pergunta de Steven fez os dois falarem sobre as suas viagens e aquilo que os levara até Zihuatanejo.

“Éramos apenas almas gémeas, desde o início”, diz Annie.

Quase sem perceber, os dois estranhos acabaram por passar o dia todo juntos, nadando no mar límpido, relaxando nas praias de areia de Zihuatanejo e conversando entre mergulhos.

Annie tinha quatro dias antes de ter de se juntar a Ellen e regressar a casa. Ela e Steven passavam os dias juntos, relaxando e conversando nas praias e ocasionalmente entrando num resort chique nas proximidades de Ixtapa para relaxar à beira da piscina.

Segundo diz Annie, foi “um romance relâmpago”.

Ela lembra-se de se sentir “eufórica”. Steven diz que estava “em êxtase”.

Mas embora Annie estivesse arrebatada pela emoção de se apaixonar por Steven, ainda se sentia fisicamente mal.

Entre as visitas à praia, Annie e Steven andavam à caça de gelatina de lima, na esperança de que isso acalmasse o estômago de Annie.

"O Steven e eu tínhamos muito tempo para conversar enquanto caminhávamos de uma pequena loja de bairro para outra”, diz Annie.

Nessas caminhadas, os dois conversavam sobre “tudo”.

“Parece inconcebível, agora, mas também conversámos seriamente sobre ele poder mudar-se para Otava ou eu mudar-me para Denver”, acrescenta Annie.

Os quatro dias chegaram ao fim e Annie tinha de regressar a casa. Quando se despediram, Steven deu a Annie uma prenda - uma corrente de ouro que ele comprou durante um período em que deu aulas no Irão. Ela colocou-a imediatamente ao pescoço.

Um diagnóstico

Annie e Steven apaixonaram-se em quatro dias, no México

De volta ao Canadá, Annie presenteou a família e os amigos com histórias sobre Steven.

“Claro, todos pensaram que eu era louca e que nada sairia desse romance”, lembra Annie.

Ainda atormentada pelos sintomas que a incomodaram em Zihuatanejo, Annie também marcou um check-up médico. Acabou por ser internada no hospital e diagnosticada com hepatite não A, não B.

O plano de tratamento era simples, mas os médicos tinham outras preocupações.

“Enquanto estive no hospital, desenvolvi - a equipa notou que eu tinha desenvolvido - um caroço no lado esquerdo do pescoço que não era compatível com o diagnóstico de hepatite”, diz Annie.

A equipa médica queria investigar melhor o caroço, mas Annie não estava preocupada.

“Sinceramente, eu não estava a pensar em nada, felizmente”, diz ela. “Nem estava em negação.”

Em vez disso, Annie só pensava numa viagem de negócios que ia fazer a Alberta, no Canadá.

“Fiquei encantada porque pude tirar alguns dias extras e voar até Denver para visitar o Steven, para ver se havia realmente algo mais naquele romance relâmpago”, diz Annie.

“Foi um reencontro maravilhoso”, diz Steven sobre quando se viram em Denver. “Mas, na verdade, nunca senti que estivéssemos separados.”

Desde que se separaram no México, o casal falava regularmente ao telefone e enviava postais e cartas pelo correio.

Para Annie e Steven, o reencontro deixou bastante claro que a ligação entre eles era mais do que apenas um romance de férias. Mas Steven estava preocupado com o caroço no pescoço de Annie. Embora Annie achasse que não era nada, Steven tinha a certeza de que não seria uma coisa boa.

Um mês depois, quando fez 27 anos, Annie foi diagnosticada com linfoma não-Hodgkin em estágio III, uma forma de cancro.

Com Annie confinada a uma cama de hospital, a mãe ligou a Steven para lhe dar a notícia.

“Vamos ultrapassar isto juntos”, disse Steven a Annie quando conseguiram falar diretamente. “Estamos loucamente apaixonados.”

Steven diz que a abordagem dele era - e é - estar presente no momento, quaisquer que sejam os seus desafios.

“Nunca pensei ‘gostaria que fosse isto e não aquilo'”, explica ele. “A minha filosofia era aceitar a situação e seguir em frente.”

Ainda assim, o diagnóstico de Annie foi perturbador. Depois de receber o telefonema da mãe de Annie, Steven foi dar uma volta de carro, sozinho, e chorou.

Steven e Annie, em setembro de 1981, ultrapassaram juntos a doença

Annie foi dispensada do trabalho, durante o resto do verão, para conseguir lidar com os tratamentos de quimioterapia, que aconteciam a cada três semanas, e os respetivos efeitos secundários.

Steven foi a Otava assim que pôde, no dia 4 de julho. Durante um longo fim de semana, Steven conheceu a família e os amigos de Annie.

Foi uma viagem surreal e especial. Annie planeou vários jantares – “se ele vier, vou apresentá-lo a todos”, lembra-se ela de pensar.

“Tive a aprovação dos quatro irmãos dela”, diz Steven.

“Também foi nessa altura que o meu cabelo começou a cair em tufos por causa da quimioterapia, mas ele aceitou como um campeão e não se importou com a peruca que eu tinha de usar a toda a hora”, diz Annie.

Annie sabia que a relação entre ela e Steven se tinham tornado séria rapidamente. Talvez, pensou ela, aquela não fosse uma progressão “normal” do romance.

Mas Annie sentia que, fosse como fosse, a vida dela já não era “normal”. E os amigos e familiares dela ficaram encantados com o quão feliz Steven a deixou, e muito agradecidos pelo seu apoio inabalável.

“Tudo aquilo com que eles estavam preocupados, francamente, era se eu sobreviveria ao cancro e ficaria bem”, diz Annie. “Para [os meus amigos], para a minha família e para mim, isso significava ter o Steven presente. Ele foi uma parte importante da minha sobrevivência, sem dúvida.”

Ultrapassando a doença e a longa distância

Um mês depois, em agosto de 1982, Annie viajou para Denver, encaixando a viagem entre ciclos de quimioterapia.

“No entanto, no dia em que eu deveria voar [de volta para o Canadá], os controladores de tráfego aéreo norte-americanos entraram em greve, deixando-me em terra”, lembra ela.

Felizmente, Annie conseguiu marcar uma sessão de quimioterapia de última hora no hospital de Denver.

Steven, que tinha apoiado Annie à distância, durante os ciclos de tratamento anteriores, tinha agora um lugar na primeira fila para a realidade da quimioterapia.

“Se eu, os meus pais, a família e os amigos tínhamos alguma dúvida sobre o Steven ser um príncipe, o facto de ele ter estado ao meu lado naquelas 36 horas em que lidei com os efeitos secundários desagradáveis ​​da quimioterapia confirmou tudo para todos nós”, diz Annie.

Depois, Annie e Steven viajaram juntos de carro para Otava, acampando em tendas ao longo do caminho.

Annie e Steven dizem que era simplesmente “óbvio” que iriam casar. Não houve um pedido formal e foi Annie quem escolheu o seu próprio anel.

Embora os mais próximos de Annie apoiassem de todo o coração o noivado dela com Steven, a família de Steven estava hesitante.

“Não só eu tinha cancro, como também era católica e canadiana, o que não era exatamente uma combinação vencedora para a família judia do Steven”, diz Annie.

Steven diz que os pais dele estavam principalmente preocupados com o bem-estar do filho.

“Viram-no como… vais casar com alguém que pode morrer nos próximos seis meses”, diz ele.

Steven e Annie no dia do casamento, em fevereiro de 1982

Com o tempo, a família de Steven aceitou. Depois de conhecerem Annie, perceberam o quanto ela era importante para o filho.

“Eu tinha um relacionamento afável e amoroso com eles”, diz Annie. “Elogio-os por isso. Porque sei que não foi fácil para eles, nada fácil. Foi uma situação difícil.”

O último tratamento de quimioterapia de Annie foi em dezembro de 1981. Alguns meses depois, em fevereiro de 1982 - menos de um ano depois de se conhecerem no México - Annie e Steven casaram numa pequena cerimónia, cercados pela família e pelos amigos. Annie assumiu o apelido de Steven tornou-se Annie Berger.

Lezlie, amiga de Annie, encontrou um longo lenço de seda que combinava com a peruca, fazendo com que Annie se sentisse incrível.

“Parecia perfeito”, diz ela.

“Ela estava linda”, concorda Steven.

O casal passou a lua de mel em Zihuatanejo, viajando para lá em março de 1982, quase um ano depois de se conhecerem na fila para o banco.

Criando raízes

Depois do casamento, Annie mudou-se para Denver com Steven. O casal começou a criar raízes no Colorado.

Annie pôde começar a trabalhar novamente, pois já não estava em tratamento, mas ainda não estava livre de perigo e não estaria durante algum tempo.

“Como o meu cancro específico e o estágio em que estavam eram um diagnóstico tão grave, na altura, só me dariam alguma tranquilidade se eu chegasse à marca dos três anos”, explica Annie. “Disseram-me que se eu tivesse uma recaída durante esse período, provavelmente seria fatal.”

Embora tivessem essa realidade sombria sempre na cabeça, Annie e Steven concentraram-se em aproveitar o presente.

“Essa preocupação sempre existiu”, diz Annie. “Mas somos pessoas muito otimistas, eu diria, muito positivas, e não deixámos que isso controlasse o nosso pensamento, o nosso quotidiano ou qualquer coisa do género.”

“Acho que o mais importante era saber se poderíamos ter filhos”, diz Steven.

Essa dúvida persistiu até 1984, quando Annie soube que estava grávida.

Annie e Steven deram as boas-vindas à filha Nina em 1985.

Ainda hoje, o casal diz que Nina é o “bebé-milagre”. Tiveram mais três filhos: Natalie, Alexander e Zachary.

Steven e Annie passaram o amor pela aventura e pelas viagens aos quatro filhos.

Os Berger não tinham dinheiro para viajar para o estrangeiro quando as crianças eram pequenas, mas gostavam de acampar e viajar pelos Estados Unidos. Annie e Steven têm boas recordações dessas aventuras.

“Todos os verões, pegávamos nas crianças - primeiro era só uma, depois duas, três e finalmente quatro”, lembra Steven.

O tempo passou, as crianças cresceram e o cancro de Annie não voltou.

“Houve alguns sustos a esse respeito”, diz Annie. “Mas, felizmente, mais nenhum diagnóstico de cancro, portanto, estamos incrivelmente felizes.”

A renovação do amor pelas viagens

Steven e Annie em Uluru, durante uma visita à Austrália em 2015

Em 2013, Annie e Steven reformaram-se. Os filhos saíram de casa para embarcarem nas suas próprias aventuras.

Depois de anos a passar férias principalmente na América do Norte, o casal decidiu que estava na hora de começar a explorar os outros destinos que sempre quiseram visitar.

Começaram as suas aventuras com uma viagem de dois meses no Transiberiano, viajando pela Rússia, Mongólia e China, antes de continuarem para a Tailândia e o Camboja.

Desde então, Annie e Steven visitaram 95 países e ainda não pararam. Hoje em dia, o casal viaja a maior parte do ano e, quando regressam a casa nos EUA, dedicam-se a projetos de voluntariado.

Annie e Steven, retratados aqui em Machu Picchu, comemoraram este ano o 40.º aniversário de casamento

Este ano, Annie e Steven celebraram 40 anos de casamento e deram por eles a refletir naquele encontro casual em Zihuatanejo.

Steven diz que conhecer Annie foi “um milagre” e “a coisa mais incrível que já lhe aconteceu”.

Acrescenta que a chave para um casamento longo e feliz é “não só amar alguém, mas gostar dessa pessoa e passar tempo com ela.”

Annie diz que conhecer Steven foi a revelação daquilo “de que os sonhos são feitos.”

“Contar a nossa história não parece real, pois é tão absurda que parece mais um filme da Hallmark”, diz ela, acrescentando que ainda tem a corrente de ouro que Steven lhe deu em Zihuatanejo.

“Passei os últimos 41 anos a usar essa corrente, dia e noite.”

Annie e Steven também acreditam que lidar com os problemas de saúde de Annie, naquele primeiro ano, marcou a forma como eles viriam a lidar com os altos e baixos da vida, nos anos que se seguiram.

“Uma das afirmações do nosso relacionamento é nós andarmos para a frente com as coisas”, diz Annie. “Fizemos isso naquela altura e continuamos a fazê-lo até hoje, mais de 40 anos depois. As coisas acontecem, nós descobrimos uma maneira de lidar com elas e, depois, seguimos em frente.”

O lema do casal manteve-se o mesmo ao longo das décadas: “Andar para a frente.”

 “A vida é demasiado curta para não o fazermos”, diz Annie.

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