Sou um cientista do clima. Se você soubesse o que eu sei, também estaria aterrorizado

CNN , Bill McGuire
17 mar, 15:00
Incêndio na Califórnia

Opinião de Bill McGuire. É professor emérito na área de riscos geofísicos e climáticos na University College London e autor de “Hothouse Earth: An Inhabitant’s Guide” [“Terra Estufa: Um Guia para Habitantes”, em tradução livre]. As visões expressas neste artigo são do próprio.

Está assustado com as alterações climáticas? Preocupa-o que mundo estamos a deixar para os nossos filhos e netos? Segundo David Wallace-Wells, cientista e autor de “A Terra Inabitável”, “não importa está muito bem informado [sobre este tema], porque de certeza que não está suficientemente alarmado”.

Eu di-lo-ia até de uma forma mais intensa.

Se a fratura na estabilidade do nosso clima não o aterroriza, então não a entende completamente. A realidade é que, tanto quanto sabemos, e no curso natural dos acontecimentos, o nosso mundo nunca – em toda a sua história – aqueceu tão rapidamente como agora. Nem os níveis de gases com efeito de estufa alguma vez registaram um aumento tão acentuado.

Pense nisto por um minuto. Estamos a viver, nas nossas vidas, um episódio de aquecimento que, provavelmente, é único nos últimos 4,6 mil milhões de anos.

Apesar de nós, que trabalhamos na área da ciência climática, conhecermos o retrato completo, e compreendermos as consequências para o nosso mundo, a maioria das pessoas não tem essa consciência. E isto é um problema – um grande problema. Porque, apesar de tudo, não conseguimos atuar de forma efetiva para enfrentarmos uma crise se não soubermos a sua profundidade e dimensão.

O que está a acontecer com o nosso mundo assusta-me muito, mas se eu gritar a verdade nua e crua, será que isso vai mesmo estimulá-lo a si e aos outros para lutarem pelo planeta e pelo futuro dos vossos filhos?

O que está a acontecer com o nosso mundo assusta-me muito, mas se eu gritar a verdade nua e crua, será que isso vai mesmo estimulá-lo a si e aos outros para lutarem pelo planeta e pelo futuro dos vossos filhos? Ou vai deixá-lo petrificado, como um coelho encadeado pelos faróis de um carro, convencido de que está tudo perdido? Esta é uma questão absolutamente crítica.

Com políticos e empresas incapazes ou sem vontade de tomar ações com a rapidez necessária para reduzir as emissões, tal como a ciência exige, tudo o que nos resta enquanto cientistas do clima é procurar despertar o público para tentar forçar – através das urnas e das suas escolhas enquanto consumidor – as enormes mudanças que são precisas para combater o aquecimento global.

Mas será que contar as coisas tal como elas são funciona mesmo, ou será o fardo da verdade demasiado pesado para ser suportado?

Um importante estudo psicológico, publicado por uma revista científica em 2021, apurou que a maioria das pessoas entre os 16 e os 25 anos em dez países, espalhados pelo mundo, estava moderadamente a extremamente preocupada com as alterações climáticas. Contudo, mais de metade sentia-se sobrecarregada e impotente, incapaz de agir. Pareceria razoável argumentar, com esta base, que pintar um quadro ainda pior não iria ajudar. Mas, se é este o caso, isto significa que não devamos fornecer às pessoas todos os dados se eles forem demasiado assustadores? Claro que não. De facto, não se trata de assustar ou não as pessoas, antes de informá-las. Como cientista do clima, tenho o dever de informá-lo sobre o que está a acontecer com o nosso mundo, mesmo que isso provoque medo.

Um iceberg passa por casas na Baía de Disko, na Gronelândia, durante um período excecionalmente quente a 30 de julho de 2019 (Sean Gallup/Getty Images)

Não fazer isto significa que o público seria deixado à mercê da sua ignorância sobre a real dimensão da emergência climática, o que só pode dificultar o seu envolvimento e ação.

Isto está inclusivamente a tornar-se um problema, com muitos comentadores do espectro político da direita, bem como alguns cientistas climáticos, a denigrem a imagem de quem aponte os piores efeitos do aquecimento global, chamando-os de “destruidores”. Este cenário está a alimentar a negação, que pode ser um fator de inércia ainda maior do que o medo, já que minimiza um problema enorme – e, como consequência, inevitável, a urgência da ação.

A verdade é que as pessoas podem suportar o medo se souberem que ainda há esperança, que podem fazer algo para melhorar as coisas, ou pelo menos para impedir que as coisas piorem.

Um estudo de 2022 realizado por investigadores da University of Bath, no Reino Unido, apurou que imagens assustadoras de fogos florestais e de outras catástrofes relacionadas com o clima em todo o mundo foram particularmente eficazes a alimentar a ansiedade climática, definida pela American Psychological Association como o medo crónico da destruição ambiental. Este estudo mostrou que, em vez de conduzir à inação, esta poderia ser uma força motivadora para que a amostra, composta por adultos, adotasse medidas para reduzir as suas emissões.

De uma forma crítica, os autores do estudo notaram que a realidade das alterações climáticas tem de ser comunicada sem induzir um sentimento de desesperança – e esta é a chave.

Uma das formas de o fazer é incentivando à ação coletiva. Houve muitas pessoas a dizer-me que se sentem isoladas ou que, enquanto indivíduos, não sentem que possam fazer uma diferença que valha a pena.

Respondo sempre que devem juntar-se a um grupo de pessoas com ideias semelhantes, trabalhando entre si para impulsionar mudanças institucionais e sistémicas. Nestes casos, teve um efeito galvanizador, substituindo a desesperança pela esperança, a inércia pela ação.

Em conclusão: muitas coisas na vida são assustadoras ou preocupantes, como ir ao dentista ou identificar sinais de um possível cancro. Contudo, de forma quase invariável, ignorá-las acaba por resultar em algo muito pior no futuro.

Com as alterações climáticas não é diferente. Todos temos o direito de conhecer os factos – sejam eles assustadores ou não. Isso dá-nos oportunidade de agir assentes na realidade, no que está a acontecer ao nosso planeta, e não com base numa versão higienizada.

Em vez de levar à inação, acredito que tal poderia ser transformador.

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