Cientistas andaram 140 milhões de anos para trás no tempo (aviso: este texto tem um buraco gravitacional)

CNN , Jacopo Prisco, CNN
29 jul 2023, 10:00
Buraco de gravidade

Até encontraram um oceano que não existe

Há um “buraco gravitacional” no Oceano Índico - um local onde a atração gravitacional da Terra é mais fraca, a densidade da massa é menor que o normal e o nível do mar afunda mais de 100 metros.

Há muito que esta anomalia tem vindo a intrigar os geólogos. Recentemente, investigadores do Instituto de Ciências de Bengaluru, na Índia, descobriram o que acreditam ser uma explicação credível para a formação do fenómeno: as plumas mantélicas que se formam no centro do planeta, semelhantes às que levam à criação de vulcões.

Para chegar a essa hipótese, a equipa usou supercomputadores para simular como é que esta anomalia se pode ter formado e para isso usaram a tecnologia para voltar 140 milhões de anos atrás no tempo. As descobertas, detalhadas num estudo publicado na revista “Geophysical Research Letters”, centram-se na existência de um outro oceano que já não existe. 

Um oceano a desaparecer

O ser humano está habituado a pensar na Terra como uma esfera perfeita, mas essa imagem está longe de ser verdade.

“A Terra é basicamente uma batata irregular”, diz a coautora do estudo Attreyee Ghosh, geofísica e professora associada do Centro de Ciências da Terra do Instituto de Ciências da Índia. “Portanto, tecnicamente não é uma esfera, mas o que chamamos 'elipsóide', porque conforme o planeta gira a parte do meio projeta-se para fora.”

O nosso planeta não é homogéneo na sua densidade e propriedades - algumas áreas são mais densas que outras e isso afeta a superfície da Terra e a sua gravidade, acrescenta Ghosh. “Se uma pessoa derramar água na superfície da Terra, o nível que a água atinge é o que chamados 'geoide' – e isso é controlado por essas diferenças de densidade no material que está dentro do planeta porque eles ‘sugam’ a superfície de maneiras muito diferentes, dependendo de quanta massa há em baixo”, diz Ghosh.

O “buraco gravitacional” no Oceano Índico – oficialmente apelidado 'baixo geoide do Oceano Índico' – é o ponto mais baixo desse geoide e a sua maior anomalia gravitacional - uma depressão circular que começa na ponta sul da Índia e cobre cerca de três milhões de quilómetros quadrados. Este fenómeno foi descoberto pelo geofísico holandês Felix Andries Vening Meinesz em 1948, durante um mapeamento gravitacional a partir de um navio, e permanece envolto em mistério.

“É de longe a maior depressão no geoide e ainda não foi explicada adequadamente”, diz a geofísica.

Na tentativa de encontrar uma resposta, Ghosh e a sua equipa usaram modelos de computador para atrasar o relógio em 140 milhões de anos para conseguirem visualizar o quadro geral, geologicamente. “Temos algumas informações e alguma confiança sobre como era a Terra naquela época. Os continentes e os oceanos estavam em lugares muito diferentes e a estrutura de densidade também era muito diferente.”

A partir daí, a equipa fez 19 simulações até os dias de hoje, recriando o deslocamento das placas tectónicas e o comportamento do magma, ou rocha fundida, dentro do manto – a espessa camada do interior da Terra que fica entre o núcleo e a crosta. Em seis dos cenários formou-se um geoide semelhante ao do Oceano Índico.

O fator distintivo em todos os seis desses modelos foi a presença de plumas de magma ao redor da baixa do geoide, que, juntamente com a estrutura do manto nas proximidades, acredita-se ser responsável pela formação do “buraco de gravidade”, explica Ghosh. As simulações foram feitas com diferentes parâmetros de densidade para o magma - e, naquelas em que as plumas não estavam presentes, a baixa não se formou.

As próprias plumas têm origem no desaparecimento de um antigo oceano quando a massa terrestre da Índia se deslocou e acabou a colidir com a Ásia há dezenas de milhões de anos, explica Ghosh.

“A Índia estava num lugar muito diferente há 140 milhões de anos e havia um oceano entre a placa indiana e a Ásia. A Índia começou a mover-se para norte e, com isso, o oceano desapareceu e a distância com a Ásia fechou-se”, afirma. À medida que a placa oceânica descia para dentro do manto, esse movimento pode ter estimulado a formação das plumas, trazendo material de baixa densidade para mais perto da superfície da Terra.

O futuro da baixa geoide

O geoide baixo formou-se há cerca de 20 milhões de anos, de acordo com os cálculos da equipa. É difícil dizer se algum dia desaparecerá ou mudará.

“Tudo depende de como essas anomalias de massa na Terra se movem”, diz Ghosh. “Pode ser que persista por muito tempo. Mas também pode ser que os movimentos das placas atuem de forma a fazê-lo desaparecer – daqui a algumas centenas de milhões de anos.”

Huw Davies, professor da Escola de Ciências da Terra e Ambientais da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, diz que a investigação é “certamente interessante e descreve hipóteses interessantes que devem encorajar mais trabalhos sobre esse tópico”. Davies não esteve envolvido no estudo.

Alessandro Forte, um professor de geologia da Universidade da Flórida em Gainesville, que também não esteve envolvido no estudo, acredita que há uma boa razão para que se façam simulações de computador para determinar a origem da baixa geoide do Oceano Índico e que este estudo é uma melhoria em relação aos anteriores. Investigações anteriores apenas simularam a descida de material frio através do manto, em vez de incluírem também as plumas quentes do manto.

No entanto, Forte diz ter encontrado algumas falhas na execução do estudo.

“O problema mais notável com a estratégia de modelagem adotada pelos autores é que ela falha completamente em reproduzir a poderosa pluma dinâmica do manto que entrou em erupção há 65 milhões de anos sob a localização atual da Ilha Reunião”, diz. “A erupção de fluxos de lava que cobria metade do subcontinente indiano nesse momento – produzindo as célebres Deccan Traps, uma das maiores características vulcânicas da Terra – há muito é atribuída a uma poderosa pluma de manto que está completamente ausente da simulação do modelo.”

Outra questão, acrescenta Forte, é a diferença entre o geoide, ou formato da superfície, previsto pela simulação de computador e o real: “Essas diferenças são especialmente perceptíveis no Oceano Pacífico, na África e na Eurásia. Os autores mencionam que existe uma correlação moderada, em torno de 80%, entre os geoides previstos e observados, mas não fornecem uma medida mais precisa de quão bem eles correspondem numericamente (no estudo). Essa incompatibilidade sugere que pode haver algumas deficiências na simulação de computador”.

Ghosh diz que nem todos os fatores possíveis podem ser contabilizados nas simulações. “Isso porque não sabemos com precisão absoluta como era a Terra no passado. Quanto mais se recua no tempo, menos confiança há nos modelos. Não podemos levar em consideração todos os cenários possíveis e também temos de aceitar o facto de que pode haver algumas discrepâncias sobre como as placas se moveram ao longo do tempo”, diz. “Mas acreditamos que a razão geral para essa baixa é bastante clara.”

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