O desemprego jovem na China é muito elevado e há quem seja pago para ser "criança a tempo inteiro"

CNN , Laura He e Candice Zhu
27 jul 2023, 11:00
Desemprego jovem na China (VCG/Getty Images)

Exausta da pressão para ter sucesso como fotógrafa, Litsky Li aceitou uma proposta melhor: deixar o trabalho para passar a fazer parte da legião crescente de jovens chineses pagos pelas famílias para ficarem em casa.

Li, de 21 anos, passa agora os dias a fazer compras para a família na cidade de Luoyang, no centro do país, e a cuidar da avó, que sofre de demência. Os pais pagam-lhe um salário de 6.000 yuanes (835 dólares ou 750 euros) por mês, o que é considerado um salário sólido de classe média na sua área.

"Estou em casa porque não consigo suportar a pressão de ir à escola ou ao trabalho", disse Li, que concluiu o ensino secundário. "Não quero competir intensamente com os meus colegas. Por isso, optei por ficar completamente 'deitada'", disse ela, utilizando uma expressão popular que se refere ao facto de se evitarem as horas extenuantes e os valores familiares tradicionais em favor de uma vida mais simples.

"Não preciso necessariamente de um emprego mais bem pago ou de uma vida melhor", acrescentou.

Li não está sozinha. E não é apenas a insatisfação que está na origem do fenómeno dos "filhos e filhas a tempo inteiro", um rótulo que apareceu no final do ano passado, pela primeira vez na Douban, uma popular rede social chinesa.

A maior parte das dezenas de milhares de jovens que se identificam como tal nas redes sociais dizem que estão a retirar-se para casa porque simplesmente não conseguem arranjar trabalho.

Licenciados à procura de emprego numa feira na província de Hubei, no centro da China, a 20 de julho. (Costfoto/NurPhoto/Getty Images)

A taxa de desemprego dos jovens entre os 16 e os 24 anos nas zonas urbanas atingiu 21,3% no mês passado, um valor recorde.

O desemprego juvenil juntou-se a uma série de fatores adversos – fraco consumo interno, recuo da indústria privada e um mercado imobiliário em dificuldades - para se tornar uma grande dor de cabeça para os dirigentes chineses, à medida que a recuperação do país após a Covid-19 se vai desvanecendo.

E o problema pode ser muito maior do que os dados oficiais sugerem.

Zhang Dandan, professor associado da Universidade de Pequim, escreveu um artigo de opinião na semana passada para a agência noticiosa Caixin onde calcula que se fossem contabilizados os 16 milhões de jovens ‘deitados’ em casa ou a depender dos pais e, por conseguinte, não procuram ativamente trabalho, a verdadeira taxa de desemprego jovem poderia ter atingido 46,5% em março.

Uma tendência crescente

No Douban, cerca de 4.000 membros de um grupo chamado "centro de comunicação de trabalho infantil a tempo inteiro" discutem tópicos relacionados com a sua vida "profissional" diária.

A palavra de ordem espalhou-se por outras redes sociais. No Xiaohongshu, a plataforma de partilha de estilos de vida mais popular da China entre os jovens, existem atualmente mais de 40 mil mensagens com o hashtag "filhos e filhas a tempo inteiro".

Na sua maioria na casa dos 20 anos, dizem que são diferentes da "ken lao zu", que se traduz aproximadamente por "a geração que vive à custa dos velhos", um fenómeno popular entre os nascidos na década de 1980.

Esses jovens de 30 anos estudaram e esforçaram-se para progredir nas carreiras e muitas vezes fazem pouco em casa, apesar de contarem com a ajuda da família para pagar a renda e outras despesas. Em contrapartida, os filhos "profissionais" de hoje passam tempo com os pais e fazem as tarefas domésticas em troca de apoio financeiro.

"Se olharmos para nós de uma perspetiva diferente, não somos diferentes dos jovens que têm um emprego", diz Li, cuja família a apoiou na sua decisão de abandonar a corrida dos ‘ratinhos’ seguida pelos restantes jovens.

"Eles vão trabalhar para as cidades e ganham um salário mensal de 3.000 a 4.000 yuan (419 a 559 dólares, ou 376 a 502 euros). Mas não se conseguem sustentar de todo. Continuam a comer em casa dos pais, a viver com eles ou a pagar-lhes o apartamento ou o carro. As suas despesas de subsistência são parcialmente pagas pelos pais", explica Li.

Os sociólogos afirmam que as experiências traumáticas da China com as rigorosas medidas pandémicas contribuíram para que os jovens e pais que os apoiam repensassem radicalmente os seus objetivos de vida.

"Mental e psicologicamente, as pessoas na China continental ainda estão a recuperar da pandemia de Covid-19", sublinha Fang Xu, professora na Universidade da Califórnia em Berkeley.

"Acredito que o desejo de passar tempo de qualidade com os seus entes queridos, a contemplação sobre o sentido da vida ou o que é mais importante na vida ainda persiste", acrescenta a mesma professora.

Oportunidades cada vez mais reduzidas, concorrência furiosa

O amor, porém, pode não conquistar tudo. A tendência dos filhos profissionais é também um sinal de que os jovens estão a enfrentar oportunidades cada vez mais reduzidas numa economia que, durante décadas, se manteve dinâmica, enriquecendo as gerações que agora sustentam os seus jovens.

Após uma explosão inicial de atividade no início deste ano, a recuperação económica na China abrandou e a confiança das empresas continua fraca. O sector privado, que é a espinha dorsal da economia e a maior fonte de emprego, tem sido atingido por uma forte repressão regulamentar desde o final de 2020.

Nancy Chen, uma "filha a tempo inteiro" na província oriental de Jiangxi, foi afetada por essa repressão regulamentar.

A jovem de 24 anos dava explicações numa escola privada depois de terminar a faculdade, mas perdeu o emprego em 2021 quando as autoridades proibiram os serviços de explicações com fins lucrativos.

Para além dos seus deveres familiares, ocupa o tempo a candidatar-se a empregos públicos e a fazer exames para uma pós-graduação.

Chen diz que ainda não conseguiu nada devido à "concorrência feroz". Houve 30.000 candidatos para três vagas de emprego recentes numa autarquia da sua província, acrescenta.

"Mas não posso ser [uma filha a tempo inteiro] durante muito tempo", disse. "Preciso de passar nos exames ou encontrar um emprego. Caso contrário, ficarei ansiosa".

Uma feira de emprego noturna no Wanshou Palace Historical Culture Block 2023, na província de Jiangxi, no sudeste da China (China News Service/Getty Images)

Não é uma solução

Ya-wen Lei, professora de sociologia na Universidade de Harvard, diz esperar que o fenómeno dos filhos profissionais não dure muito tempo.

"O apoio que recebem dos pais neste contexto não é surpreendente, uma vez que muitos pais chineses ajudam os filhos em vários aspetos da vida, como a habitação, as despesas do casamento e os cuidados com os filhos", afirma, acrescentando que a maioria dos jovens acabará por conseguir um emprego.

Também não é uma solução viável para o problema do emprego na China, acrescenta George Magnus, investigador associado do Centro para a China da Universidade de Oxford e da Universidade SOAS de Londres.

"Pode ser uma solução a curto prazo, para que tenham um sítio para viver, trabalho para fazer e rendimento familiar como contrapartida".

Mas se os jovens não estiverem no mercado de trabalho a adquirir competências e à procura de melhores oportunidades, podem tornar-se desempregados, quer porque estão há demasiado tempo sem trabalho, quer porque não conseguiram manter-se na linha da frente da aquisição de competências e formação, afirma Magnus.

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