opinião

A quem está a pensar votar no Chega

14 jan, 14:00

“Peço que façam um minuto de silêncio pelas milhares de vítimas que morreram por causa da corrupção em Portugal.” O pedido surge, inopinadamente, no fim da intervenção de um militante do Chega, ao segundo dia de congresso. A mesa, o presidente do partido e todo o centro cultural de Viana do Castelo (com exceção dos jornalistas, claro), obedecem, sem vacilar, e levantam-se para o dito minuto de silêncio, em nome das alegadas vítimas mortais da corrupção em Portugal. É claro que ninguém em Portugal morreu vítima da corrupção, mas isso é completamente irrelevante para o caso. Para onde vai um, vão todos. Se alguém diz mata, os outros dizem esfola. 

O episódio podia ser para rir, se o assunto não fosse tão sério. Animados pelas sondagens que dão ao Chega 15% a 16% das intenções de voto nas próximas eleições legislativas, começou a valer tudo para convencer o eleitorado. Mesmo que tudo signifique construir uma realidade paralela, falsa, enganadora e dissimulada. Alguns exemplos.

André Ventura afirmou no seu discurso que o Orçamento do Estado para este ano vai distribuir mais de 400 milhões de euros para promover a ideologia de género. Não é verdade. Primeiro porque o que está em causa é a promoção da igualdade de género e não de qualquer espécie de ideologia. Em segundo lugar, porque, ao contrário do que Ventura pretende insinuar, a verba de 426 milhões de euros servirá, na sua esmagadora maioria, para promover uma maior igualdade entre homens e mulheres, sobretudo ao nível do mercado de trabalho. A não ser que André Ventura considere as mulheres — incluindo as do Chega — seres inferiores aos homens, o objetivo do líder do partido é claro: capitalizar o descontentamento das forças de segurança, dos ex-combatentes e dos agentes da justiça a quem Ventura promete entregar os 426 milhões de euros se for primeiro-ministro. 

Outra mentira, repetida várias vezes neste congresso, é a de que Portugal é um país com uma imigração descontrolada que vive à custa da Segurança Social. Como o Expresso desmonta, e bem, esta semana, em Portugal, de acordo com o Relatório Estatístico Anual 2023 sobre os Indicadores de Integração de Imigrantes, o saldo entre contribuições e benefícios dos imigrantes (ou seja, entre aquilo que recebem do Estado e aquilo com que contribuem) é claramente positivo para o Estado português. Ou seja, nós não somos um país onde os imigrantes vivem à custa do Estado. Quando muito, será ao contrário.

Na sua estratégia de arrastão eleitoral, Ventura aventurou-se no tema das pensões. Em palco, para gáudio da multidão, prometeu aumentar todas as pensões para o valor do salário mínimo nacional, mas só quando confrontado com as perguntas dos jornalistas foi obrigado a fazer as contas. O líder do Chega deu logo um passo atrás: antes de chegar ao salário mínimo nacional (820 euros), promete subir as pensões para o valor do Indexante de Apoio Social (480 euros), no prazo de três anos. E só mais tarde, em seis anos, promete chegar ao valor do salário mínimo. E se o salário mínimo continuar a subir acima dos atuais 820 euros por mês? Ventura não se acanha e promete subir as pensões ao mesmo ritmo. Falta só fazer uma perguntinha: onde é que vai buscar o dinheiro para isso? À taxa sobre os lucros da banca, que, já agora, também servirá para baixar a prestação da casa dos portugueses. E chega para tudo? Não. Mas Ventura também não tenciona cumprir nada disto, por isso, tanto faz.

Dirão muitos dos que me estão a ler que todos os políticos e todos os partidos mentem, dizem inverdades, prometem coisas que depois não cumprem. E têm razão. Mas isso só faz do Chega um partido igual a tantos outros, que promete o que não pode cumprir e que diz o que tiver de dizer para conseguir mais um voto, para chegar mais perto do poder.

Há, no entanto, outro dado a ter em conta quando falamos do Chega e que, de facto, o torna diferente, para pior, de todos os outros. Quando um partido não tem uma visão clara para a sociedade e para o país, quando não tem princípios orientadores, nem tão pouco uma estratégia económica, cada militante é um partido dentro do partido. É por isso que, ao palco da convenção de Viana do Castelo, subiram conservadores e liberais, defensores da igualdade de género e machistas, imigrantes e anti-imigração, xenófobos e até fascistas (sim, houve um militante que assumiu ser fascista). Quando se pretende ser uma esponja de descrentes, descontentes e saudosistas, corre-se o risco de, ao primeiro vislumbre de poder, tudo se desmoronar. Foi o que aconteceu em várias autarquias do país onde o Chega entrou nas últimas eleições. Foi o que aconteceu nos Açores. Que ninguém vá votar ao engano.

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