"Era pegar ou largar": Pinho diz que teria recebido menos dinheiro se não tivesse aceitado receber €15.000 de avença do BES "por fora, no estrangeiro"

Vânia Ramos , com BC - notícia atualizada às 12:50
10 out 2023, 12:08

O julgamento de Manuel Pinho e Ricardo Salgado, no caso EDP, começou esta terça-feira depois de ter sido adiado duas vezes devido à greve dos funcionários judiciais. Além de Pinho e Salgado, é também arguida a mulher do ex-ministro da Economia, Alexandra Pinho. 

Na primeira sessão do julgamento, no Juízo Central Criminal de Lisboa, o procurador Rui Batista foi o primeiro a falar e acusou Pinho de se manter ao serviço do Grupo Espírito Santo enquanto foi ministro, tendo acordado isso mesmo com Ricardo Salgado, garantindo que tomaria decisões, enquanto governante, que fossem "favoráveis" ao GES.

"Simula que cessa relacionamento com o BES através de uma demissão, mas na verdade manteve-se em funções", defendeu o procurador, acusando Pinho de ter mantido a avença de 15 mil euros e linhas de crédito. 

"Este acordo entre os dois e as contrapartidas foram ocultadas da Autoridade Tributária através de um conjunto de offshores. Alexandra Pinho participa sabendo que Pinho continua a receber e associa-se a essa ocultação, sendo titular da conta e movimentando o dinheiro da conta enquanto Pinho era ministro", disse também Rui Batista.

Tomou depois a palavra Ricardo Sá Fernandes, advogado de Manuel Pinho, ressalvando desde logo: "Tenho o dever de ser intransigente na procura da verdade". Sobre o crime de branqueamento de capitais, Sá Fernandes admitiu que o seu cliente recebeu dinheiro em offshores, mas os capitais acabaram por ser regularizados. 

"É a primeira vez que um membro de um governo está a ser julgado por corrupção e por isso este julgamento reveste-se de uma enorme importância para Manuel Pinho, mas também para o país", sublinhou o advogado do antigo ministro da Economia. 

"Não houve quaisquer benefícios atribuídos por Pinho, enquanto ministro, a qualquer empresa", garantiu Sá Fernandes, acrescentando que o seu cliente "se pautou exclusivamente pelo interesse público" e que não recebeu quaisquer contrapartidas.

Falando sobre a avença de 15 mil euros que lhe era paga pelo BES, o advogado disse que o montante era recebido "por fora, no estrangeiro", por ser prática comum da instituição. Como Manuel Pinho, garantiu o advogado, "receberam dezenas" de outras pessoas. E admitiu que o ex-ministro está arrependido de ter participado nesse expediente.

A reforma aos 55 anos, disse ainda, foi compromisso acordado com o BES. "Podemos indignar-nos com os valores, mas é uma prática muito corrente na banca", declarou. "Achar que isso é um acordo de um pacto corruptivo para quando fosse ministro é muito pouco lógico", assinalou. 

Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado - que não está presente devido a doença, como nos restantes processos nos quais está envolvido -, disse que o tribunal deu um "exemplo de normalidade" ao requerer as perícias neurológicas a Ricardo Salgado, devido ao diagnóstico de doença de Alzheimer invocado em vários processos. Mas acusou o DCIAP de ter construído uma acusação com base em notícias, sublinhando que "esta defesa teve zero contributo do nosso cliente para o conhecimento dos factos". 

"O tribunal vai ter de decidir, quando alguém que não esteja capaz de se autodefender, que justiça é que quer para Portugal", concluiu. 

Manuel Pinho diz que "se pacto fosse verdade teria aceitado prejuízo colossal"

O ex-ministro da Economia também falou na primeira sessão do julgamento, garantindo que esta terça-feira é "um dia muito importante". 

"É um dia muito importante para mim, porque é a primeira vez que me vou defender depois de estar 12 anos sob investigação. É uma coisa muito dura e ninguém se sente confortável nesta posição", declarou.

Sobre o alegado pacto com Ricardo Salgado, foi contundente: "Esse pacto, número um, é falso. Número dois, não tem nexo. Não existe a mínima prova de que ele tenha existido", garantiu. 

"Não tem nexo porque, pegando nesse chamado pacto criminal e fazendo as contas, resulta que, se ele fosse verdade, eu teria aceitado um prejuízo colossal. Esse acordo não foi celebrado em vésperas de eu entrar para o Governo, em 2004 ainda não era previsível que fosse para o Governo", disse.

Questionado pela juíza Ana Paula Rosa, que quis saber porque não declarou os rendimentos no devido tempo, Manuel Pinho disse que o BES "tinha o mau hábito de pagar pagamentos e prémios no estrangeiro". 

"Aconteceu no meu caso e no de dezenas de colaboradores do BES. Era pegar ou largar, ou recebia o valor abaixo ou tinha de aceitar essa forma", afirmou.

Ex-ministro chora ao falar sobre a mulher e questiona a fama do DDT

Manuel Pinho disse ainda que ficou "muito impressionado" quando viu as imagens de Ricardo Salgado a entrar para o Instituto de Medicina Legal, para se submeter às perícias neurológicas. "O Dr. Salgado ficom com a fama de ser o DDT [dono disto tudo] mas não era tão DDT quanto isso", sublinhou. 

Sobre o acordo com o BES em 2004, explicou que auferia uma remuneração de 720 mil euros brutos. "Eu recebia prémios e continuaria a receber no futuro, em linha com a área a que me dirigia. Para me afastarem do lugar, atribuíram-me uma renda". 

A juíza perguntou-lhe se o acordo lhe foi imposto, recebendo como resposta: "Não tive alternativa. Se não quisesse ser ministro da Economia, tinha aqui este 'contratito'", disse Pinho. "Os prémios eram um bombom para me calarem". 

Questionado novamente pela juíza Ana Paula Rosa sobre a razão da demissão, Manuel Pinho revelou que entendeu demitir-se porque "tinha algum património" e também porque "tinha o maior seguro que eu pensava existir, que era a reforma aos 55", esclarecendo que tinha na altura 50 anos. "E pensei que a maior estadia de um ministro, na altura, era de dois anos. Estou dois anos no Governo e depois vou receber a reforma aos 55", explicou. 

Em seguida, Manuel Pinho emocionou-se ao falar sobre a mulher e o seu envolvimento no caso, chegando mesmo a chorar em tribunal. 

"A Alexandra é uma pessoa muito gostada. Tem facilitado muito a nossa vida durante este tempo. A Alexandra deixou tudo por mim. A dor que sinto em ver o sofrimento em que ela está, ela está a ser implicada por eu ter supostamente negociado com o Dr. Salgado em atos de corrupção. É uma atitude machista inaceitável", declarou o ex-ministro.

O antigo ministro da Economia Manuel Pinho, que está em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, outro de corrupção passiva, um crime de branqueamento de capitais e um crime de fraude fiscal.

A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por um crime de branqueamento e outro de fraude fiscal - em coautoria material com o marido -, enquanto o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por um crime de corrupção ativa para ato ilícito, um crime de corrupção ativa e outro de branqueamento de capitais.

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