“Tinha alguma dificuldade, mesmo fazendo um esforço, em perceber o porquê”
O conselheiro de Estado Luís Marques Mendes declarou esta quinta-feira em tribunal o seu desconhecimento sobre favorecimentos do ex-ministro da Economia Manuel Pinho aos interesses do Banco Espírito Santo (BES), num depoimento no julgamento do Caso EDP.
Ouvido como testemunha na sessão no Juízo Central Criminal de Lisboa, o comentador abordou a sua passagem por uma empresa de energias renováveis, sobretudo biomassa, no período em que Manuel Pinho exerceu funções no Governo de José Sócrates.
Criticou o privilégio que disse ter sido dado a outras energias, como a eólica ou fotovoltaica, mas negou ter conhecimento de que o ex-ministro tivesse favorecido a empresa concorrente Fomentinvest, que operava também no setor energético e da qual o BES era acionista.
“Não tenho nenhum dado sobre favorecimento e nem nunca senti que houvesse intenção de [Manuel Pinho] favorecer essa empresa [Fomentinvest]”, alegou o antigo presidente do PSD, acrescentando: “Nunca senti nenhuma intervenção de favorecer este ou aquele. As nossas conversas eram em termos gerais, não sobre a, b ou c”.
Marques Mendes salientou também que nunca teve qualquer ligação aos projetos PIN (Potencial Interesse Nacional) - que integram a acusação do Ministério Público (MP) a Manuel Pinho -, embora tenha partilhado uma leitura crítica desse mecanismo.
“Primeiro, porque pressupõe uma atitude discriminatória; segundo, porque acho que é uma solução incomum para resolver um problema, atacando as consequências, mas nunca as causas; finalmente, porque dou valor à perceção pública. Pode dar uma ideia injusta de que há aqui algum favorecimento e isso não me parece bom”, resumiu, num depoimento que durou cerca de 30 minutos.
Questionado pelo coletivo de juízes se poderia haver uma distorção da concorrência, admitiu essa possibilidade, mas realçou não ter conhecimento de casos dessa natureza.
Em declarações aos jornalistas à saída do tribunal, Marques Mendes assumiu ter ficado “um bocadinho surpreendido” por ter sido chamado a depor no julgamento deste processo.
“Tinha alguma dificuldade, mesmo fazendo um esforço, em perceber o porquê. O tribunal queria saber se eu conhecia casos de favorecimento, digamos assim, nesta matéria... E, portanto, foi uma inquirição curtíssima, porque, de facto, o que eu conheço é praticamente nada nesta matéria”, disse, concluindo: “Não sei se houve ou se não houve [favorecimento]. É por isso que tenho alguma dificuldade em compreender que seja chamado”.
Também o advogado e antigo dirigente socialista António Vitorino foi ouvido esta manhã em tribunal. Depois de já ter testemunhado em novembro, Vitorino foi chamado novamente para prestar mais esclarecimentos sobre o parecer jurídico realizado em 2006 para o Ministério da Economia relativamente à reversão da decisão da Autoridade da Concorrência sobre a compra da Autoestradas do Atlântico pela Brisa.
A ação de Manuel Pinho neste dossier é vista pelo MP como uma das áreas em que o ex-governante teria alegadamente favorecido os interesses do BES, uma vez que a Brisa era tida como um dos maiores devedores do banco liderado por Ricardo Salgado.
A audição durou apenas alguns minutos, uma vez que Vitorino não tinha mais dados ou informações novos a acrescentar ao primeiro depoimento.
Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.
A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento de capitais.