Governo violou a lei ao marcar consulta para as gémeas luso-brasileiras

13 dez 2023, 19:17

Auditoria do Hospital de Santa Maria mostra que a marcação da consulta foi feita por telefone pela secretaria de Estado da Saúde e que houve irregularidades na referenciação do caso

“Os controlos internos implementados no tratamento de doentes com atrofia muscular espinhal, onde a terapêutica utilizada foi o Zolgensma, no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) asseguram o cumprimento da legislação em vigor e das operações em todos os aspetos.” É assim que começa a conclusão da auditoria interna do maior hospital de Lisboa à utilização daquele documento. Só que essa mesma conclusão continua, referindo uma exceção: o caso das gémeas luso-brasileiras.

Essa mesma exceção foi a “referenciação para a primeira consulta da especialidade de Neuropediatria das utentes”, que foram referenciadas ao departamento de Pediatria pela secretaria de Estado da Saúde, numa consulta marcada por via telefónica.

Conclui-se, por isso, que “não foi cumprido o disposto na portaria n.º 147/2017, artigo 8.º”, uma vez que a referenciação das gémeas pela secretaria de Estado da Saúde não seguiu os cinco pressupostos previstos: as referenciações devem ser feitas através dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES), de outros hospitais ou do mesmo hospital, do centro de contacto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), das unidades e equipas da Rede Nacional de Cuidados Contiunados Integrados (RNCCI) ou de entidades externas ao SNS.

“O registo no sistema foi feito com base no cartão de cidadão das utentes apresentado na data da primeira consulta de neuropediatria”, pode ler-se no documento, que nota uma falha na lei, uma vez que esta referenciação veio do Governo, incumprindo assim a norma que define as referenciações para primeira consulta hospitalar.

A auditoria envolve depois o secretário de Estado da Saúde, à data António Lacerda Sales, dizendo que foi ele a encaminhar a referenciação. Daí seguiu-se a marcação da consulta, com a neuropediatra responsável a informar, por via telefónica, o secretariado de departamento.

Deste incumprimento resulta uma recomendação “elevada” por parte do Serviço de Auditoria Interna (SAI): “A aceitação de utentes à primeira consulta de especialidade de Neuropediatria, bem como nas demais especialidades existentes no CHULN, deve observar o cumprimento dos requisitos definidos para referenciação previstos”.

De acordo com as normas do CHULN, estas alterações devem ser implementadas nos próximos três meses.

Mas há mais. As gémeas, duas das 10 crianças tratadas para esta doença no Hospital de Santa Maria desde 2023, foram as únicas utentes que se apresentaram sem quaisquer campos na ficha de registo. Essa informação existe apenas no registo clínico, sendo que os auditores alertam para a difícil rastreabilidade do processo.

“Concluímos que os controlos internos são deficientes para assegurar o cumprimento da legislação em vigor”, conclui o relatório.

Este caso, no qual se suspeita que tenha existido uma "cunha" que partiu do filho do Presidente da República, foi noticiado em primeira mão pela TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal). Marcelo Rebelo de Sousa confirmou, várias semanas depois, ter recebido um email do seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, a pedir que o caso fosse analisado. Daí o pedido seguiu para o Governo, suspeitando-se agora que tenha sido o secretário de Estado da Saúde à altura, António Lacerda Sales, a dar seguimento ao processo.

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