Enquanto recupero do cancro, estas são as palavras de cura que repito a mim própria

CNN , Maggie Mulqueen
29 out 2023, 18:00
Ler e dormir Ilustração de Leah Abucayan/CNN

OPINIÃO || “Continuo a acreditar no poder da palavra escrita para nos ajudar nas noites escuras em que o sono tarda a chegar", escreve Maggie Mulqueen.

Nota do Editor: Maggie Mulqueen é psicóloga em Brookline, Massachusetts, nos EUA, e autora do livro "On Our Own Terms: Redefining Competence and Femininity" [tradução à letra, "Nos nossos próprios termos: Redefinir a Competência e a Feminilidade"]. Mais trabalho seu pode ser encontrado em drmaggiemulqueen.com. As opiniões expressas neste comentário são da sua inteira responsabilidade.

 

Como a maioria dos escritores, sou uma leitora ávida. É rara a noite em que adormeço antes de virar algumas páginas de um livro. O meu gosto por livros é bastante variado, com poucas excepções, sendo uma delas os mistérios. Por isso, fiquei bastante surpreendida quando dei por mim mergulhada nos romances do Inspetor Gamache de Louise Penny, todos os 18.

Depois de me ter sido diagnosticado um cancro da mama, em dezembro de 2022, Peter, um dos meus amigos mais próximos, disse-me para ler os livros de Penny. Garantiu-me que os livros me transportariam para um mundo diferente, Three Pines, e que eu acharia a personagem principal, o Inspetor Gamache, fascinante.

Com a minha cirurgia marcada para o final de dezembro, comecei a procurar os livros na secção de usados da minha livraria local. Senti-me reconfortada ao ver a pilha de livros na minha mesa de cabeceira crescer à medida que os procurava com sucesso. Saber que não ficaria sem livros, por mais noites sem dormir que tivesse de enfrentar, tranquilizava-me.

O Peter tinha razão. Entrei no transe de Three Pines; o aroma dos croissants, o café com leite e o elenco de personagens apoderaram-se da minha mente e transportaram-me para longe do medo que me dominava.

À cirurgia seguiu-se a quimioterapia e depois a radioterapia. Entre o facto de estar imunocomprometida e os efeitos secundários dos tratamentos, o meu mundo tornou-se bastante pequeno. Com a minha energia limitada, li um livro atrás do outro, saboreando o mantra do Inspetor Gamache, "Vai ficar tudo bem". Sussurrei estas palavras para mim própria antes de cada intervenção médica.

Vai ficar tudo bem. Sussurrei estas palavras para mim mesma antes de cada intervenção médica.

Numa noite especialmente desconfortável em que o sono me escapava, peguei no meu livro e fui para um quarto vazio para não incomodar o meu marido. Ajeitando as almofadas e aconchegando-me na cama de casal, fui subitamente transportada não para Three Pines, mas para o quarto da minha infância com um livro diferente na mão, "The Hidden Staircase", um mistério de Nancy Drew.

A minha mãe desaprovava os livros da Nancy Drew, dizendo que "não eram literatura". Aparentemente, a minha biblioteca local partilhava a sua perspetiva, porque não os cedia. Sempre que poupava dinheiro suficiente da minha mesada, ia à loja local de cinco e dez cêntimos e comprava um mistério de Nancy Drew e um chocolate dos Três Mosqueteiros, outro fruto proibido em minha casa.

Subindo para a cama com o meu contrabando, de lanterna na mão, devorava o livro e os rebuçados, procurando conforto na capacidade de Nancy para pôr ordem no caos do dilema de cada livro. Não me lembro dos pormenores desses livros, mas sim de ter aprendido com eles que as raparigas podiam resolver problemas e que o mundo era justo, o mau da fita era sempre apanhado.

A estrutura desses livros era um contraste gritante com as brigas nocturnas que enchiam a minha casa. Eu tinha 10 anos e o casamento dos meus pais estava a desfazer-se. Dentro de um ano, a minha mãe iria embora sem mim.

Ao regressar ao meu mistério de Louise Penny nessa noite, apercebi-me de que talvez fosse a memória dessas noites solitárias da minha infância que me impedia de ler livros de mistério. Nunca mais queria voltar a sentir esse medo e, no entanto, aqui estava eu com medo do que aconteceria à minha vida se o cancro não fosse curado. Agora a luta estava dentro de mim em vez de se infiltrar através da parede de um quarto partilhado. Será que podia realmente confiar que tudo ficaria bem?

Há muito tempo que deixei de acreditar que o mundo é justo. E um diagnóstico de cancro não tem nada de justo. Em contrapartida, a minha convicção de que as raparigas podem resolver os problemas só se tornou mais forte. As mulheres médicas que cuidaram de mim são uma lembrança impressionante de como o mundo mudou desde a minha infância.

Mas, acima de tudo, continuo a acreditar no poder da palavra escrita para nos ajudar nas noites escuras em que o sono tarda a chegar. Não há qualquer mistério nisso.

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