"Olá pai, olá mãe": a burla que num ano roubou mais de quatro milhões euros aos portugueses tem um novo esquema

22 jan, 07:00

“Continua a haver queixas diárias”, admite a Polícia Judiciária à CNN Portugal. Entre janeiro de 2023 e 15 de janeiro deste ano foram abertos quase três mil inquéritos. E, agora, os burlões já associam uma foto ou um nome às mensagens de WhastApp, o que lhes dá mais credibilidade e pode aumentar o número de vítimas

São milhares de vítimas, milhões de euros roubados. “Continua a haver queixas diárias. É todos os dias. É raro o dia em que não há uma situação destas”, admite à CNN Portugal Avelino Lima, diretor do Departamento de Investigação Criminal (DIC) de Leiria da Polícia Judiciária. Num ano foram quase três mil inquéritos (2.845) a nível nacional. Fazendo “uma média por baixo”, porque os valores variam entre vítimas, basta multiplicar 1.500 euros pelos 2.845 inquéritos para chegarmos a mais de quatro milhões de euros num ano. E os burlões conseguem, agora, associar uma foto e um nome às mensagens de WhastApp.

“Olá pai, olá mãe” foi assim que começou. Mas “já temos o irmão, irmã, primo, tio, avô, tudo. Já há outras relações que estão a ser usadas e que estão, infelizmente, também, a fazer muitas vítimas”, explica Avelino Lima. 

No entanto, nos últimos tempos, as queixas trouxeram outra grande diferença que tem potenciado o número de vítimas e aumenta a credibilidade das mensagens: “Tudo isto acaba por ser cada vez mais elaborado. As pessoas estão muito expostas nas redes sociais e os autores estão a ir procurar números, mas também fotografias.” E não é preciso ir longe, porque são imagens “que as pessoas têm expostas nos grupos de WhatsApp, Facebook, Instagram. E apresentar uma mensagem com "um rosto conhecido”, mesmo com um número diferente, “torna-a mais credível”.

E o que pode fazer quem recebe uma mensagem destas? “Acima de tudo, o cidadão tem de ser desconfiado, ponto final parágrafo, quando lhe pedem dinheiro”. Ou seja, não pagar.

“Perante um número que dizem que é 'nosso filho', as pessoas imediatamente devem ligar para o número que têm do filho. Até para saber se há algum problema. Nunca devem ligar para o número que lhes está a enviar a mensagem”, avisa Avelino Lima. Mesmo assim, assume “que as pessoas cedem muito a esta dinâmica”.

Nem todas as tentativas de burla são bem-sucedidas. Mas em milhares basta uma ou duas. “A amostra de Leiria é uma amostra bastante significativa. Para ter noção, do ano passado até ao dia 15 deste mês, só Leiria recebeu 185 processos destes”, indica o responsável pelo Departamento de Investigação Criminal desta área. E de que valores falamos? “Teremos, muito provavelmente, o valor recorde em Portugal, porque temos uma situação em que o valor atingiu os 16.838 mil euros, mas depois temos várias na ordem dos oito mil, cinco mil. Sempre na ordem do milhar para cima.”

“Eles, normalmente, começam com valores mais baixos, na ordem dos 600, 800 euros. E depois, se a pessoa cair, pedem mais uma e outra vez. É por isso que chegamos a estes valores”, esclarece.

Após muitas investigações, a PJ já conseguiu identificar alguns autores e acredita que a maioria está em território nacional. “Temos, por exemplo, vários casos com o mesmo valor ao cêntimo. São particularidades muito interessantes e que nos fazem considerar que, efetivamente, será o mesmo autor. Temos vários casos em que o valor é 684,87 euros. Para nós, este é um elemento relevante porque dá claramente a entender que poderá ser o mesmo autor.”

Apesar do número de queixas ter estabilizado, ainda existem muitas vítimas e todos os alertas são bem-vindos: “A nível nacional, entre o ano passado e 15 de janeiro deste ano, a Polícia Judiciária tinha 2.845 inquéritos abertos com este modus operandi”, avança à CNN Portugal Avelino Lima.

E em quanto foram as vítimas lesadas? Milhões de euros. “Se fizermos uma média de valores, podemos ter aqui uma média entre mínimos e máximos, a rondar os 1.500 e os 2.000 euros. Estou a fazer uma média por baixo. É só multiplicar este valor pelos 2.845 inquéritos e temos a noção do impacto patrimonial nos nossos cidadãos.” E feitas as contas - usando apenas 1.500 euros - ao fim de um ano, o valor é superior a quatro milhões de euros.

Números de telefone "vendem-se aos packs" na dark web

Atualmente, a maioria dos autores parece estar em Portugal. “As investigações vão-nos revelando que o impulso inicial tem começado em território nacional. Até por causa dos números que foram usados. São números de operadores nacionais. E esse é o primeiro aspeto”, clarifica o responsável da PJ. 

Perante o facto de os textos nem sempre serem escritos em português correto, Avelino Lima tem uma explicação: “Isso tem a ver, se calhar, com os autores. Alguns autores não dominam a nossa língua e fazem uso dos dispositivos informáticos de conversão da língua. Fazem uso de ferramentas de tradução.” 

Nas ações da PJ já foram detetados “autores iniciais nacionais e autores iniciais não nacionais”, confirma a mesma fonte.

Quanto aos números de telefone das vítimas, encontrá-los é fácil porque “na dark web vendem-se aos packs”. Depois um dos problemas é que há, “em grande escala, uma quantidade de dados disponíveis. Números de telefone associados aos próprios rostos”, acrescenta. E exemplifica: “Eu uso o meu WhatsApp para fins profissionais e se eu ligar vão ver o meu rosto.”

E não pense que um estranho não pode ter acesso a essa imagem, porque é muito fácil lá chegar. Basta ser incluído num grupo de WhatsApp onde não conhece todas as pessoas. “Se formos criar meia dúzia de grupos e cada um, imaginemos, tem 50 pessoas, são 300 contactos que estamos a dar. Alguns a pessoas que não conhecemos. E se uma dessas pessoas for um criminoso? Estamos a facultar-lhe 300 contactos, muitos deles com rostos. E tudo isto é aproveitado.”

Na verdade, as pessoas expõem-se tanto nas redes sociais que é preciso pouco para encontrar fotografias e informações pessoais. “Na perspetiva do bandido, eles não têm de trabalhar muito, porque não fazem mais nada. Passam o dia todo agarrados a um computador e a meios de contacto. Isto é engenharia social.”

O ideal é que quem receber estas mensagens as reporte à Polícia Judiciária, mesmo que não tenha caído na burla. Todas as informações são úteis para as autoridades e podem ajudar nas investigações.

É preciso que as pessoas percebam que “uma vez na net, sempre na net", avisa o responsável da Polícia Judiciária. "As pessoas têm de interiorizar isto. Isto de partilhar dados é algo que, na minha opinião, tem de ser encarado de forma muito mais séria” por todos. Porque sozinha, "infelizmente", a PJ "não consegue suster este impacto”.

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