“Olá, mãe, Olá, pai” e, agora, “Olá, avô”, "Olá, mana". A burla pelo WhatsApp que voltou em força

7 fev 2023, 07:00
WhatsApp

Paula, Mariana e António, Maria Fernandes. Todos receberam mensagens pelo WhatsApp como se fossem dos filhos. A fórmula é quase igual em todos e houve sempre pedidos de transferência de dinheiro. Valores elevados. Especialistas dizem que qualquer pessoa pode ser enganada. O mais importante é estar alerta e nunca pagar sem confirmar

"Tudo fazia sentido. Pensei mesmo que era o meu filho". Paula é uma das muitas vítimas da burla "Olá mãe/Olá pai". No seu caso foi mesmo enganada e transferiu dinheiro. Fez queixa na Polícia Judiciária, mas provavelmente nunca irá recuperar o valor. A burla que ficou conhecida como “Olá mãe/olá pai” continua a fazer vítimas e nas últimas semanas regressou em força. Além dos pais, também há pessoas mais velhas a receber “Olá avô/avó” e outras a receber "Olá mana". A quem apresenta queixa as autoridades admitem que tem havido muitas, muitas denúncias. Quando a burla surgiu os valores eram mais contidos, todavia, agora chegam aos milhares de euros. 

A TVI/CNN Portugal falou com vítimas e com um especialista de cibersegurança sobre a fórmula que estes burlões usam para encontrar as vítimas e não só.

A primeira mensagem chegou dia 29 de dezembro. "Olá mãe, guarda meu contacto novo ok, estou a avisar que troquei de telemóvel 😘. Estás bem?". O filho de Paula vive no estrangeiro, é adulto e independente. Trocar de número de telefone não é algo impossível de acontecer. Perguntou-lhe se estava bem e num primeiro instante parecia uma conversa entre mãe e filho. Meia hora depois, surge o pedido de ajuda. Não estava a conseguir fazer uma transferência "porque o banco era de fora" e precisava de ajuda. Eram 1.879 euros e perguntou-lhe "tens"? Enviou um NIB e o nome do titular da conta. Por coincidência, os primeiros nomes eram iguais aos de uma amiga de filho que conhecia. "Tudo fazia sentido. Pensei mesmo que era o meu filho".

E quando o "alegado filho" pediu "transferência imediata" pensou que a amiga estava com um problema sério. Não tinha o dinheiro todo numa conta e fez duas transferências. "A primeira foi de 1.000 e imediata. Na segunda não tinha essa opção e fiz normal". Essa segunda tranche ainda conseguiu recuperar algumas horas depois.

Num grupo de Whastapp que partilha com a irmã e o filho, avisou-a de que este tinha mudado de número. "E é aí que o meu filho diz que 'não', que não tinha mudado de número. 'Não digas isso, nem brinques comigo'", respondeu Paula. "Então para quem transferi dinheiro?", questionei. Só aí tem noção do que aconteceu e tenta resgatar os valores. Só conseguiu numa.

No dia seguinte foi à Polícia Judiciária. Quem a recebeu disse-lhe que havia muitas, muitas queixas e que ela não era a única a ser enganada. Deram-lhe exemplos piores: alguém tinha transferido 6.000 euros para "uma filha". Explicaram-lhe que chamavam a burla de "querida mãe, querido pai". Sobre as contas bancárias para onde era transferido o dinheiro, disseram que eram "contas trampolins". O dinheiro entrava e saía logo. E havia alguns titulares que não tinham nada a ver com a burla e nem davam conta das movimentações.

Por agora, aguarda pelo desenrolar do processo. Mas no dia segunte, o "alegado filho" voltou a meter conversa e a pedir ajuda com mais um pagamento. Desta vez já era outro nome e outra conta.

Queria uma fotografia do comprovativo

Mariana e António têm um filho perto dos 30 anos. Com poucos dias de diferença, os dois receberam mensagens. Dia 23 de janeiro foi António: “Olá pai, o meu telemóvel deu problemas no visor, tenho este número temporário até resolver o problema do outro!”. 

António já tinha ouvido falar nestas mensagens e quis ver até onde ia a conversa. Poucos minutos depois o pedido: “Pai é que eu tenho que fazer um pagamento imediato importante hoje só que a pass da aplicação Estás no outro telemóvel”.

Deu o NIB da conta e o valor: “2.500€”.

Quem estava do outro lado do telefone foi insistente no pedido e até tentou uma chamada de voz. Queria "uma fotografia do comprovativo". Mas a imagem enviada por António foi outra.

Dia 27 de janeiro, foi a vez de Mariana. “Olá mãe, perdi o telefone e este é o meu número novo até amanhã às 18h.”. À TVI/CNN Portugal disse que nem respondeu de imediato. Uns dias depois perguntou “com quem estava a falar”, mas não obteve resposta.

Mas ambos perceberam que a conta para onde deveriam transferir o dinheiro pedido, era no mesmo banco onde tinham a sua própria conta. A entidade bancária foi alertada. Deram os dados do NIB da conta que tinham recebido na tentativa de burla e, após insistirem, o banco acabou por lançar um alerta na aplicação a todos os clientes.

Mariana e António contam ainda à TVI/CNN Portugal que um amigo, mais velho, com idade para ser avô, também recebeu uma mensagem. Esta dizia “olá avô”, mas, na verdade, não tinha netos.

“Este é o meu número novo”

No dia 1 de janeiro, ao início da noite, Maria Fernandes, de 73 anos, recebeu uma mensagem pelo WhastApp: “Mãe toma nota do número (xxxxxxx) que é o meu número novo”. De forma automática, registou o número como o novo número da filha. E não pensou mais no assunto. Uns minutos depois, nova mensagem: “mãe tens muito que fazer?”.

“’Tenho, estou sentada no sofá’, respondi a quem pensava ser a minha filha”, recorda Maria Fernandes à TVI/CNN Portugal. Não passou muito até haver um pedido: “Podias ir ao multibanco e pagar-me uma conta que preciso de pagar. Podes?”. Maria Fernandes respondeu “sim”. Recebeu um nome e um NIB e o valor: “950 euros”. “Vais pagar e manda o comprovativo para saber que já pagaste”, dizia a mensagem seguinte.

Perante aquele valor mais elevado, Maria Fernandes desconfiou e ligou à filha. Uma filha já na casa dos 50 anos. Ou melhor, ligou para o número que guardou como sendo o novo da filha. Ninguém atendeu. Telefonou a uma amiga com quem a filha estava e, em pouco tempo, falou com a própria. Percebeu que a estavam a tentar enganar.

Insistiram várias vezes. “Já pagaste? Ainda não mandate o comprovativo”. Farta da situação respondeu: “mando-te uma m****”.

Nessa noite ligou à PSP e no dia seguinte apresentou queixa. Na esquadra a primeira coisa que lhe disseram é que agora há muitos casos destes e a segunda é que não iam conseguir descobrir quem o tinha feito. Mas de consciência tranquila, Maria Fernandes diz que fez o que achava que devia fazer.

Mas onde vão procurar os dados das vítimas?

As primeiras notícias sobre a burla “Olá mãe/Olá pai” surgiram em outubro do ano passado e desde então não voltou a ser notícia. Mas a burla não acabou e voltou em força, com contornos ligeiramente diferentes. As vítimas não são apenas pais com filhos em idade de liceu, há também vítimas com filho adultos, completamente independentes, e que quase caiem na armadilha.

“De repente, começamos outra vez a ver denuncias na internet”, afirma à TVI/CNN Portugal, Nuno Mateus Coelho, Professor Universitário e Doutor em Cibersegurança. Mas, na verdade, basta olhar à volta. “Muito recentemente uma colega minha, professora, catedrática, muito info incluída, esteve quase a enviar dinheiro a uma das filhas. Mas parou para pensar um bocado e começou a fazer perguntas”, conta. Foi quando percebeu que era uma burla.

“Tem acontecido mesmo bastante. Tenho colegas meus a ligarem-me a perguntar o que podem fazer porque enviaram 100 euros, 150 euros, 200 euros a um filho ou um amigo”. E os motivos são muito variados: “não conseguiam, telefone sem bateria, estavam sem cartão, não conseguiam por MBWay”. Para este especialista qualquer pessoa, independentemente da idade e da profissão pode cair nestas burlas. 

Mas onde vão procurar os dados das vítimas? “Na Darkweb”. Há muitos dados gratuitos e, por isso, “eles não precisam de fazer um grande investimento”, explica. Um dos maiores problemas são “os ‘dumps’, as fugas de informação das redes sociais”. “O Facebook perdeu 1.5 mil milhões de contas, o LinkedIn perdeu 500 milhões de contas”, exemplifica este professor de Cibersegurança. Oficialmente, no Facebook, 533 milhões de users viram as suas informações comprometidas, mas os 'hackers' terão colocado à venda 1.5 mil milhões de contas desta rede social que apanharam, alegadamente, através de "scans" e scrapers. E aqui há “nomes, profissões, contactos, e-mails, anos de nascimento”. Com um simples Excel podem separar logo as vítimas por género: homens e mulheres.

Nuno Mateus Coelho considera mesmo que estas empresas deviam ser responsabilizadas: “Até que ponto estas organizações são, ou não, responsáveis pelo que vai acontecer a seguir? Se houver forma de comprovar uma corelação direta. Se não perdessem os meus dados como é que eu seria vítima de uma burla destas? E muitas pessoas são vítimas de grupos diferentes, sistematicamente”.

De outra coisa, este especialista não tem dúvidas, há muitos grupos a trabalhar com esta burla, “às vezes, até são famílias”, e a maior parte estará fora de Portugal.

“Tentam uma, tentam outra. Em 10, basta uma que caia”

Após a recolha da informação nas bases de dados, as mensagens não parecem ser enviadas de forma aleatória. Não há pessoas mais novas a receber “olá mãe/olá pai” porque “estes burlões fazem trabalho de casa”. “Se eu puser um número na memória do meu telefone e fizer Sync.ME. Já sabem pelas bases que é uma ‘Manuela’. O Sync.ME mostra logo a conta de WhastApp, do Facebook e do Instagram”.

Basta depois “fazer um bocadinho de ‘open source intelligence’, que é pesquisar informações sobre aquelas pessoas”. Como, por exemplo, “o que publicam no Facebook”. Onde podem descobrir se há fotografias de filhos, de netos, família, férias, carros. É feita uma seleção, “há que procurar aqueles que demonstram ter uma vida menos preocupada com dinheiro e, por isso, podem ser mais crédulos e vulneráveis a dar algum dinheiro”. Até as capacidades intelectuais e profissionais são avaliadas. “Tentam uma, tentam outra. Em 10, basta uma que caia”.

Abrir contas bancárias também não é um problema porque na Darkweb também há muitos cartões de identidade à venda. Ou, noutras situações, o dono da conta bancária é “uma mula” e “fica com parte” dos valores monetários.

A velocidade a que o dinheiro circula é impressionante: dezenas de contas em apenas uma hora. E a fórmula também se aprende na Darkweb, “há hackers que dão cursos”, explica Nuno Mateus Coelho. E esta é outra questão de devia ser abordada: a responsabilidade das entidades bancárias. “Ninguém me convence que não há um sistema informático que não detete uma transferência em 25 contas no espaço de uma hora”, lamenta. 

Há situações que mesmo quando a vítima tenta recuperar o dinheiro, “que ainda está na posse do banco, não consegue, o dinheiro é enviado ao criminoso e fica sem ele”. “Ao excluir-se e não decidir a favor do fraco, está a ficar do lado do criminoso”, defende.

 “Se isto fosse nos Estados Unidos, mudava-se no dia seguinte. Aí, quando as pessoas caem ou tropeçam em qualquer coisa, processam por um milhão de euros. Imagine um titular de uma conta norte-americana que faz uma transferência de 5 mil dólares, o banco é notificado que é uma burla e mesmo assim transfere para o criminoso. O banco estava desgraçado”, conclui o professor.

Mesmo que seja difícil chegar aos autores destas burlas, é essencial que seja feita denúncia, mesmo por quem não envia dinheiro. Podem ser feitas na GNR, PSP e Polícia Judiciária.

Recentemente, por exemplo, a meio de janeiro, a PSP de Braga publicou na sua página de Facebook um alerta específico para esta burla. Algo que fazem sempre que notam um acréscimo das queixas e como forma de prevenção.

A TVI/CNN Portugal procurou junto da GNR, PSP e Polícia Judiciária dados sobre os números de queixas desta burla “Olá mãe/Olá pai” e um eventual aumento de casos nas últimas semanas.

Esta terça-feira assinala-se o Dia Europeu da Internet Mais Segura, uma iniciativa da rede INSAFE com o apoio da Comissão Europeia, que procura contribuir para a consolidação de uma internet mais segura para todos. A PSP escolheu este dia para lançar uma campanha de alerta e destacar  esta burla "Olá pai/Olá mãe".

E divulga dados que nos dão alguma noção da realide: "Desde janeiro de 2022 até 10 de janeiro do presente ano, a PSP recebeu 1244 denúncias deste tipo de burla, das quais 1205 desde dia 1 de outubro. Isto equivale a uma média de 10 denúncias/dia e cerca de 300/mês, num valor global de burlas que ultrapassa o milhão de euros".

Ainda segundo a informação divulgada pela PSP, "as ocorrências sinalizadas registam-se por todo o território nacional, com especial incidência nas zonas urbanas de maior densidade populacional. Ao contacto inicial, sempre através de mensagem escrita, segue-se uma conversação que poderá manter-se durante horas, com conteúdo informal e registos do dia-a-dia, com o intuito de avaliar a relação de proximidade entre a potencial vítima e o seu descendente".

Para prevenção da burla, a PSP aconselha:
"- Não realize qualquer transferência de dinheiro sem, pelo menos, previamente conseguir falar de viva voz e reconhecer a pessoa com quem pensa estar em conversação;
- Despiste possíveis tentativas de burla com perguntas simples que, em princípio, o seu familiar conheça (quais as datas de aniversário de ambos, qual o curso e a universidade que frequentam ou frequentaram, qual a matrícula do carro da família, etc);"

Já A GNR confirmou a existência destas burlas, mas não avançou dados concretos. "As burlas descritas não possuem classificação estatística autónoma, podendo ser enquadradas informaticamente como outras burlas ou burla informática e nas comunicações, não sendo possível, a partir do sistema informático da GNR, desagregar especificamente este tipo de burlas. No entanto a Guarda confirma a existência de burlas com recurso ao método descrito, tal como acontece com outros métodos de burla com recurso à plataforma MB Way".

Mas até quase ao final de outubro de 2022, a GNR já tinha detetado cerca de 25 processos relacionados com esta burla. Três meses depois, o número será certamente superior.

A Polícia Judiciária não respondeu ao pedido de dados até à publicação do artigo. Mas ainda relativamente à Polícia Judiciária, foi noticiado em outubro a identificação e detenção de um cidadão estrangeiro, com 25 anos, como presumível autor deste tipo de burlas. E, à época, reforçavam "os alertas" assumindo que se verificava "um número crescente de denúncias por aquele tipo de burla".

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