Encontraram-se numa aplicação de encontros. No dia a seguir ele acordou tonto e sem o passaporte

CNN , Stefano Pozzebon
4 fev, 19:00
"Carlos" (Stefano Pozzebon/CNN)

Quando Carlos, um expatriado norte-americano a viver na Colômbia, finalmente conheceu em pessoa a jovem atraente com quem tinha trocado mensagens numa aplicação de encontros, a sua apreensão começou a desvanecer-se.

"Quando nos conhecemos, tive uma espécie de dúvida, mas depois decidimos ir para o meu apartamento para acabar de ver um jogo de futebol. A Colômbia estava a jogar contra o México e decidimos ver a segunda parte na minha casa", recorda o pai solteiro.

Beberam um copo de vinho e conversaram na casa dele em Bogotá; a química em pessoa parecia ser tão especial quanto na Internet.

"Depois o jogo acabou... e bebemos um segundo copo de vinho e lembro-me de me sentir estranho, como se tivesse mais peso na cabeça. E essa é a última coisa de que me lembro".

Carlos - que pediu para o seu nome verdadeiro não ser utilizado por razões profissionais - estava tão tonto na manhã seguinte que foi para o hospital. Os médicos informaram-no de que tinha sido drogado. Demorou dias a recuperar. Quando Carlos finalmente regressou a casa, apercebeu-se de que vários dos seus bens tinham desaparecido - incluindo o seu passaporte e os dos seus filhos.

Carlos não está sozinho.

Embora casos deste género, em grande parte dirigidos a mulheres, não sejam novos na Colômbia, uma série recente de incidentes violentos em que pessoas à procura de amor foram alegadamente agredidas, roubadas e, em alguns casos, até mortas, chamou a atenção do Departamento de Estado dos EUA: pelo menos oito "mortes suspeitas" de cidadãos norte-americanos ocorreram na cidade de Medellín entre novembro e dezembro de 2023, de acordo com um aviso emitido pela Embaixada dos Estados Unidos em Bogotá este mês sobre os riscos envolvidos nas aplicações de encontros e no encontro com estranhos sozinhos num ambiente íntimo.

"Os criminosos usam aplicações de encontros para atrair as vítimas e se encontrarem em locais públicos, como hotéis, restaurantes e bares, e depois agridem-nas e roubam-nas", alertaram as autoridades norte-americanas num comunicado publicado a 10 de janeiro.

"Vários cidadãos norte-americanos na Colômbia foram drogados, roubados e até mesmo mortos por acompanhantes colombianos", acrescentou  a nota.

O alerta recomenda que os cidadãos norte-americanos no país "estejam vigilantes, mantenham uma vigilância constantemente elevada e incorporem fortes práticas de segurança pessoal".

A maioria das aplicações de encontros em causa também oferece linhas de ajuda em caso de incidentes nos encontros e partilha dicas semelhantes: encontre-se sempre com o seu par em locais públicos, especialmente no início de uma relação, e se se sentir pressionado a ir para um local privado, termine o encontro.

Até ao momento, as autoridades norte-americanas não acreditam que as oito mortes estejam ligadas, "no entanto, várias das mortes apontam para a possibilidade de utilização de drogas, roubo e overdose, e várias envolvem o uso de aplicações de encontros", diz o alerta da embaixada.

Os agentes norte-americanos também registaram um aumento de casos de roubo envolvendo aplicações de encontros online nos últimos 12 meses, refere o alerta, que sugere que o número real de vítimas pode ser ainda maior, porque "as vítimas estão envergonhadas e não querem seguir com o processo judicial".

Um medicamento anti-náuseas

Os incidentes que resultam na morte de cidadãos estrangeiros ou turistas na Colômbia são relativamente invulgares - nos últimos dois meses de 2022, apenas um cidadão norte-americano morreu na Colômbia, num afogamento na cidade de Santa Marta, na costa das Caraíbas.

Mas à medida que as viagens e o turismo pós-pandémicos aumentam no país, a criminalidade violenta parece estar também a aumentar. Só em Medellín, os roubos cometidos contra estrangeiros no terceiro trimestre do ano passado aumentaram 200% em relação ao mesmo período de 2022, segundo a embaixada.

E em muitos casos de roubo ou sequestro, os criminosos usam drogas e sedativos para deixar a vítima indefesa.

Numa saída noturna normal em Bogotá ou Medellín, não é raro ouvir avisos sobre a Burundanga, o nome colombiano da escopolamina, um alcaloide poderoso e difícil de detetar que, em formas concentradas, pode deixar a vítima inconsciente até 24 horas e, em grandes quantidades, pode causar insuficiência respiratória e morte.

A escopolamina é utilizada de forma legal e em pequenas quantidades como medicamento anti-náuseas, mas há já algum tempo que os criminosos utilizam este estupefaciente para furtos e roubos: o Conselho Consultivo de Segurança Ultramarina dos EUA (OSAC, na sigla original) tem vindo a alertar para a escopolamina em pontos turísticos colombianos desde 2012, afirmando que até 50 mil incidentes relacionados com a droga estavam a ocorrer todos os anos no país. Em junho de 2023, o Departamento de Estado dos EUA afirmou que, em Bogotá, os crimes relacionados com escopolamina pareciam estar a aumentar, sabendo-se que os efeitos da droga podem ser duradouros.

Carlos disse à CNN que também ele foi drogado com escopolamina e que, apesar de o seu encontro ter sido numa terça-feira, continuou a ter dores de cabeça, alterações de humor e perdas de memória até ao domingo seguinte.

Um turismo positivo

Carlos espera agora que o novo escrutínio desencadeado pelo alerta da embaixada dos EUA possa mudar as coisas.

"Compreendo que a Colômbia é um país onde ocorrem muitos crimes, e acho que crimes como este são vistos como pequenos pelas autoridades... ou talvez não tenham recursos para lidar com isto. Mas agora estamos a falar de oito pessoas que foram mortas nos últimos meses", sublinha Carlos.

A embaixada dos EUA disse à CNN que, em resposta ao seu alerta de segurança, as autoridades colombianas prenderam e processaram indivíduos que drogaram e roubaram estrangeiros recentemente em Medellín e Bogotá.

No entanto, o alerta parece ter causado agitação pelo menos entre algumas autoridades locais. O presidente da câmara de Medellín, Federico Gutierrez, por exemplo, disse aos jornalistas que gostaria que os visitantes se concentrassem mais no que descreveu como "turismo positivo" do que na utilização de aplicações de encontros.

"Queremos que mais estrangeiros venham para Medellín, cidadãos americanos, europeus, quem quer que seja, mas queremos um turismo positivo", disse, quando questionado sobre o assunto. "As pessoas que querem vir aqui para fazer turismo sexual e de drogas estão enganadas."

Uma das primeiras medidas adoptadas por Gutierrez após a tomada de posse, a 1 de janeiro, foi a proibição do consumo de drogas em locais públicos. Uma ordem semelhante foi também emitida em Cartagena, outro ponto turístico na costa das Caraíbas colombianas que tem assistido a um aumento da prostituição de rua e de incidentes relacionados com a droga, na sequência do aumento do turismo no final da pandemia.

"No ano passado, 482 mil estrangeiros vieram a Medellín, por isso não é como se toda as pessoas que vêm a Medellín encontrem esses problemas. Garanto que aqueles que vêm a Medellín para fazer turismo positivo, para conhecer a nossa cultura e visitar os nossos museus, as nossas praças, não correm nenhum risco", reforçou Gutierrez.

"Ela podia ter feito qualquer coisa"

Olhando para trás, Carlos diz sentir-se relativamente sortudo - e aliviado pelo facto de a mulher parecer ter agido sozinha. As imagens das câmaras de vigilância de uma loja próxima mostram-na a sair do apartamento sozinha com o computador portátil e outros aparelhos electrónicos.

As coisas podiam ter corrido muito pior. "Se pensarmos bem, é assustador estar ali, drogado, desmaiado, incapaz de se defender. Ela podia ter feito o que quisesse", recorda.

Apesar de não ter utilizado nenhuma aplicação de encontros desde então, Carlos não culpa as aplicações pela sua experiência.

No entanto, considera que as autoridades e a sociedade em geral precisam de adotar uma nova abordagem para responder a casos como o dele.

"Infelizmente, as pessoas à minha volta disseram que a culpa era minha por ter feito isto (ir a uma aplicação de encontros). Penso que, nesta altura, esta é a forma como muitas pessoas se conhecem e não há nada de errado nisso. Em vez disso, algumas pessoas fizeram-me sentir que a culpa era minha por ter procurado conhecer mulheres desta forma".

O homem continua, dizendo que, quando relatou o incidente à polícia, sentiu que estava a ser culpado por não ter sido mais cauteloso.

"Eles disseram essencialmente: 'Porque é que fizeste isto, sabes que é perigoso, coisas destas podem acontecer-te' em vez de assumirem as suas responsabilidades", lembra.

A CNN apresentou questões sobre o caso de Carlos ao Departamento de Polícia de Bogotá, mas não obteve resposta.

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